As emissões brasileiras de gases de efeito estufa caíram 2,3% em 2017 em comparação com o ano anterior. O país emitiu 2,071 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente no ano passado, contra 2,119 bilhões de toneladas em 2016.
Os dados, inéditos e de acesso público, são da sexta edição do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima, lançada nesta quarta-feira (21) em São Paulo. O estudo é embasado por vários organismos e pesquisadores, sendo da maior importância para informar a população nesses tempos em que um discurso coeso de negacionismo do aquecimento global ganha força. Os resultados apresentados também podem ajudar o novo governo a embasar e planejar ações no âmbito das políticas públicas.
A queda foi puxada pela redução da taxa de desmatamento na Amazônia. No ano passado, a destruição da floresta recuou 12%, na esteira da retomada da fiscalização do Ibama. As emissões brutas por perda de floresta na Amazônia caíram de 601 milhões de toneladas de CO2e no ano retrasado para 529 milhões em 2017. Isso fez as emissões por mudança de uso da terra, setor que responde por quase metade do total nacional de gases estufa, recuarem 5,5% em 2017.
Esse recuo poderia ter sido maior não fosse o aumento de quase 11% no desmatamento no Cerrado no mesmo período, o que elevou as emissões de gases estufa no segundo maior bioma do Brasil de 144 milhões para 159 milhões de toneladas de CO2e.
Quase todos os outros setores da economia também tiveram aumento nas emissões em 2017, ano em que o Brasil começou a sair da pior recessão de sua história. A elevação mais expressiva (4%) foi no setor de processos industriais, que saiu de 95,6 milhões de tCO2e para 99 milhões de tCO2e. O setor de energia viu suas emissões subirem mais discretamente, cerca de 2%, de 424 milhões para 431 milhões de t CO2e. O setor de resíduos teve alta de 1,5% (de 89 milhões para 91 milhões de t CO2e), mas suas emissões absolutas são as menores: apenas 4% do total nacional. O setor de agropecuária, que responde por 24% das emissões do Brasil, oscilou para baixo 0,9%. Suas emissões totais caíram de 500 milhões para 495 milhões de tCO2e.
“Desde 2010 as emissões estão patinando no mesmo nível, por um misto da conjuntura econômica e da gangorra do desmatamento, que parou de dar sinais consistentes de queda após 2012”, disse Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG. “Apesar da redução do desmatamento na Amazônia, houve aumento no Cerrado e depois de dois anos de queda as emissões dos outros setores voltaram a crescer. As emissões brutas per capita do Brasil ainda são maiores que a média mundial, muito longe do necessário para estabilizar o aquecimento global em menos de 2 ºC como previsto no Acordo de Paris e, assim, limitar as mudanças climáticas já em curso que estão colocando todo o planeta em alerta.”
“O combate ao desmatamento é uma questão urgente que precisa de políticas públicas efetivas e uma população consciente. A destruição de nossos ecossistemas está fortemente atrelada à agropecuária, que é justamente o setor a sofrer primeiro os eventos climáticos extremos provocados pelo aquecimento global, como estiagem prolongada e chuvas torrenciais”, afirma André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e coordenador geral do Observatório do Clima.
Carlos Rittl, secretário-executivo do OC, celebra a queda nas emissões com uma nota de cautela sobre o novo governo, que se elegeu prometendo reduzir controles sobre o desmatamento. “Em 2017, o Brasil reforçou o combate ao crime ambiental e reduziu emissões, enquanto aumentou a produção de alimentos e retomou o crescimento da economia. Mas nossas florestas e nossas emissões são muito sensíveis aos ventos da política”, disse. “Chegaremos ao início de 2019 em alerta: o risco de redução do combate aos crimes ambientais pelo próximo governo já fez o desmatamento na Amazônia voltar a subir. Ruim para as florestas, e para a imagem do país que se candidatou a sediar a mais importante conferência global de clima do próximo ano, a COP25.”
Outro desafio para o próximo governo será controlar o sério problema do desmatamento ilegal no sul da Amazônia, uma zona de conflito importante. A região exige uma atenção que ultrapassa inclusive as atribuições do Ministério do Meio Ambiente, já que se trata de exploração de madeira ilegal – o que exige atenção do Ministério da Justiça e entra em uma das bandeiras de campanha do futuro governa, que é a do combate à corrupção e à ilegalidade.
A atividade agropecuária é a principal responsável pelas emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Somando-se as emissões indiretas, por desmatamento, e as diretas, principalmente pelo metano do rebanho bovino o agronegócio responde por 71% das emissões totais do país, quase 1,5 bilhão de toneladas de CO2. Se fosse um país, o agro brasileiro seria o oitavo maior emissor do mundo, à frente do Japão.
Em 2017, as emissões diretas do setor caíram principalmente por conta do rebanho bovino, marcado pelo acentuado abate de animais devido aos baixos preços. A lenta saída da recessão aumentou o consumo de carne e o número de bois mais jovens nos pastos, o que reduz as emissões de metano. O rebanho bovino brasileiro diminuiu 1,5% em 2017 na comparação com o ano anterior, recuo acompanhado de aumento de 4% nos abates e 7% nas exportações de carne. No ano de 2016, o inverso ocorreu: a crise reduziu o consumo e aumentou o número de animais mais velhos, que emitem mais.
Pesquisadores do Imaflora, que fazem as contas das emissões do setor agropecuário, também calcularam quais seriam as emissões do setor caso o carbono emitido pelos solos em pastagens degradadas fosse computado – os inventários oficiais de emissões do Brasil não consideram essas emissões. A má notícia é que as emissões seriam 36% maiores caso o carbono de pastos degradados e lavouras convencionais entrasse na conta.
A boa notícia é que florestas plantadas, pastos bem manejados e sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta vêm removendo cada vez mais carbono do ar e fixando-o no solo. Se esse sequestro fosse considerado, mesmo com as emissões altas dos pastos degradados, o Brasil teria emissões líquidas 10% menores no setor agropecuário. É o menor patamar de emissões líquidas já registrado pelo SEEG para o setor.
“Isso mostra que existe um caminho real e lucrativo de sustentabilidade para o agronegócio. É possível dobrar a produtividade e reduzir as emissões em 25% com difusão de tecnologias já existentes”, disse Marina Piatto, coordenadora de Clima e Agropecuária do Imaflora. “Mas o setor precisa trilhar esse caminho de vez e olhar para o futuro, sem retrocessos.”
O setor de energia, que acompanha de perto o PIB, interrompeu o comportamento de queda gerado pela crise econômica, observado em 2015 e 2016 (ano em que as emissões caíram 7%).
O transporte é o principal emissor do setor de energia (209 milhões de toneladas de CO2e, ou 48%), seguido pelo consumo energético na indústria (66 milhões de toneladas 15%) e pela geração de eletricidade (59 milhões de toneladas, ou 14%).
As emissões provenientes da geração de eletricidade tiveram a maior porcentagem de aumento (7%), devido a uma nova queda da geração de energia em hidrelétricas, com o consequente aumento da geração termoelétrica a combustível fóssil (9%). Apesar disso, as fontes renováveis não-hídricas (eólicas, térmicas a biomassa e solares) continuam subindo de maneira consistente e estão praticamente “empatadas” em geração com as fontes fósseis: em 2017, a termoeletricidade fóssil supriu 107 TWh da demanda brasileira, enquanto as renováveis não -hídricas supriram 94 TWh.
“A nova coleção do SEEG continua a demonstrar a predominância da atividade de transporte, sobretudo rodoviário de cargas e individual de passageiros, nas emissões do setor de energia”, disse David Tsai, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, organização que produziu os cálculos dos setores de Energia e Processos Industriais.
O setor de mudanças de uso da terra, ou MUT, emitiu em 2017 46% do total das emissões de gases estufa do Brasil: foram 955 milhões de toneladas brutas de CO2 equivalente em 2017.
Depois de dois anos seguidos de alta (2015 e 2016) a queda no desmatamento da Amazônia não foi capaz de reverter as emissões ao mesmo patamar de 2014 (940 milhões de toneladas) e poderia ter sido uma queda ainda maior não fosse o aumento do desmatamento no Cerrado que afetou o cômputo geral.
O SEEG está ajustando a maneira como calcula emissões por desmatamento. Até 2016, eram usados os dados do monitoramento anual da Amazônia, o Prodes, do Inpe, e na Mata Atlântica os dados do Atlas de Remanescentes produzido pela SOS Mata Atlântica em parceria com Inpe. Para os demais biomas – que não possuíam monitoramento anual – as taxas de desmatamento eram extrapolados a partir do último ano com dados disponíveis, que tinham defasagem muitas vezes superior a cinco anos.
Agora são usados para os outros biomas dados do projeto MapBiomas, que tem informações sobre todas as mudanças de cobertura vegetal do Brasil desde 1985. Isso aumenta a precisão, mas também demanda ajustes em toda a série histórica de emissões. Por exemplo, em 2015, o desmatamento na Amazônia aumentou, mas as emissões brutas por MUT caíram para seu patamar mais baixo – 886 milhões de toneladas – graças à redução do desmate no Cerrado.
“Pela primeira vez estamos tendo a oportunidade de entender a dinâmica de uso do solo no Brasil nas últimas décadas e em todas as suas nuances e descobrindo que a devastação da Amazônia só conta parte da história para o clima”, disse Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Ela destacou também o papel das florestas secundárias e das áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas, em remover carbono da atmosfera. A chamada “emissão líquida” do setor, que desconta o carbono retirado do ar por áreas protegidas e florestas que rebrotam, foi de 426 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2017. “Num cenário em que essas áreas são questionadas fica ainda mais importante o papel delas.”
As remoções por regeneração da vegetação nativa podem ser bem maiores do que se estimou até agora. Com base dos dados do MapBiomas, a equipe do OC produziu uma versão teste do cálculo dessas remoções e elas podem ser mais do que o dobro do estimado nos dados oficiais. Ao longo dos próximos meses esse novo método de cálculo passará por validação para que possa ser incorporado às próximas coleções do SEEG.
O setor de resíduos emitiu 91 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2017, um aumento de 1,5%. A disposição de resíduos sólidos urbanos (lixo) é o principal responsável pelas emissões do setor (52%), seguida do tratamento de efluentes líquidos (47%).
O setor é historicamente sensível às variações do PIB e teve reduções em suas emissões durante a recessão. O maior aumento percentual das emissões em 2017 ocorreu no tratamento de efluentes (1,6%), na esteira da lenta recuperação da economia.
“Em 2017, também vimos as taxas de geração de resíduos sólidos urbanos aumentarem em comparação com a redução observada em 2016 devido ao início de uma retomada econômica”, disse Íris Coluna, pesquisadora do ICLEI América do Sul para o SEEG e assistente de projetos. “O que percebemos com a nova análise desse ano para o nível municipal é que somente 20% dos municípios no Brasil coletam e tratam mais de 50% de seus efluentes líquidos domésticos. Os dados deste ano mostram que as medidas para ampliar o acesso ao saneamento e reduzir emissões no setor ainda são insuficientes e avançam em ritmo lento.”
Pela primeira vez no Brasil, o SEEG fez uma estimativa de emissões alocadas por município. O cálculo, uma prova de conceito, foi feito para todos os 646 municípios do Estado de São Paulo, cobrindo o período de 2007 a 2015, e revelou realidades muito díspares. O município de Alumínio, por exemplo, emite por pessoa 71 toneladas de CO2 por ano, sete vezes mais do que a média do Brasil e dez vezes mais do que a média mundial. O aluminense médio causa mais aquecimento global do que um cidadão do Qatar, o país com maior emissão per capita do mundo.
No outro extremo estão os moradores de Francisco Morato e Rio Grande da Serra, que emitem menos do que os habitantes dos países mais pobres do mundo: 700 quilos por ano.
O município de São Paulo é disparado o maior emissor com 20 milhões de tCO2e em 2015, o que é mais que vários Estados, como Piauí e Paraíba. Já as emissões per capita são relativamente baixa (2 tCO2e/habitante) dado a grande concentração populacional na cidade.
Há duas maneiras de reportar os dados de emissão do país: pode-se falar em emissões brutas (ou seja, o total que efetivamente vai para a atmosfera como produto de ações humanas) ou líquidas, em que se subtrai dessa conta o carbono retirado da atmosfera por ações humanas como a restauração de florestas.
O IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, autoriza os países a descontar de sua contabilidade as chamadas remoções antropogênicas. O Brasil faz isso, considerando “antropogênicas” as remoções de CO2 por unidades de conservação e terras indígenas. Estima-se um fator de remoção e multiplica-se esse fator pela área florestal em TIs e UCs. O resultado é uma “deflação” que pode chegar a centenas de milhões de toneladas de CO2 equivalente nos inventários nacionais de emissão.
Os técnicos do SEEG consideram essa contabilidade problemática, já que não há nenhuma garantia de que as florestas nessas áreas protegidas, em sua maioria florestas tropicais maduras, estejam de fato removendo carbono nessa quantidade. Por exemplo, o fator de remoção usado no Terceiro Inventário Nacional, de 2016, difere do segundo, de 2010, o que torna as remoções do Segundo Inventário quase três vezes maiores.
Por essa razão, o OC prefere apresentar os dados do SEEG em remoções brutas, embora, por transparência e comparabilidade, sempre publique também as emissões líquidas. Em 2017, as emissões brutas do Brasil foram de 2,070 bilhões de toneladas de CO2e, e as líquidas, de 1,541 bilhão de toneladas.
O Observatório do Clima é uma rede de organizações da sociedade civil brasileira dedicada a fazer avançar a agenda do combate às mudanças climáticas no país. Criado em 2002, conta hoje com 45 membros. Conheça-os aqui: www.observatoriodoclima.eco.br/quem-somos-nos
O SEEG é o único sistema hoje que informa as emissões brasileiras de gases causadores do aquecimento global com periodicidade anual. É também uma das maiores bases de dados nacionais de emissões do mundo, cobrindo tudo o que o país emitiu desde 1970. Sua metodologia já deu origem a sistemas de estimativas de emissões no Peru e na Índia. Em 2018, foi publicada no periódico Scientifc Data, do grupo Nature. Conheça o sistema em www.seeg.eco.br.
CO2e é a soma de todos os gases de efeito estufa “convertidos” no potencial de aquecimento do gás carbônico, o gás de efeito estufa mais abundante. 1 tonelada de metano, por exemplo, equivale a 28 toneladas de CO2e.
O Japão emite 1,3 bilhão de toneladas de CO2e ao ano, segundo dados do CAIT/WRI.
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