Por Pedro Brancalion, Rafael Chaves, Alex Mendes, Ludmila Pugliese, Miguel Calmon e Mariana Oliveira em WRI Brasil | Nós já sabemos que a restauração de paisagens e florestas degradadas cria empregos diretos e indiretos e renda, contribuindo para a atividade econômica e sustento de famílias no meio rural. Os empregos são criados em várias etapas da cadeia da restauração, como na coleta de sementes, produção de mudas, plantio, manutenção e monitoramento da área restaurada, assistência técnica e outros serviços. Além disso, podem criar oportunidades únicas de emprego para pessoas com grande conhecimento tradicional sobre biodiversidade e pouca inserção no mercado de trabalho formal.
Estimativas de países que fizeram grandes programas de restauração, como Estados Unidos, Quênia, África do Sul e China, nos mostram que o potencial de criação de empregos é grande, mas ainda não tínhamos um estudo amplo para o Brasil. Uma nova pesquisa fez essa estimativa, com resultados impressionantes: identificou um potencial de geração de emprego que pode chegar a 2,5 milhões de postos de trabalho diretos.
O estudo foi liderado pelos pesquisadores Pedro Brancalion, da Universidade de São Paulo (USP), e Rafael Chaves, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e publicado na revista científica People and Nature. O WRI Brasil foi uma das organizações que apoiou a produção da pesquisa.
O estudo partiu das atividades de restauração já em andamento no Brasil. Foram pesquisadas organizações e empresas a partir de coletivos de restauração, como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, a Aliança para a Restauração da Amazônia, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e a Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE). O estudo consultou mais de 350 organizações, empresas, cooperativas e coletivos responsáveis por alguma etapa da restauração florestal, e identificou o número de empregos que elas geraram com base em suas atividades implementadas na prática. Essas organizações estão presentes em todos os estados do país, com exceção de dois (Piauí e Tocantins), e abrangem todos os biomas.
O estudo mostrou que, em apenas um ano (2019), elas foram responsáveis pela implementação de 19 mil hectares de áreas em restauração e pela manutenção de outros 27 mil hectares. Juntas, criaram 8.223 postos de trabalho, sendo 57% empregos temporários e 43% permanentes.
A partir desses números, os autores estimaram que a restauração no Brasil gera 0,42 emprego por hectare restaurado. Isso equivale a um emprego criado a cada dois campos de futebol restaurados ou 42 empregos a cada 100 hectares restaurados.
Esse dado foi usado em dois cenários para a restauração de 12 milhões de hectares do Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa): no cenário 1 foi considerado a implementação de 20% da meta com restauração ativa (plantio de mudas) e 80% com regeneração natural das florestas. Nesse cenário a restauração criaria 1 milhão de empregos ou postos de trabalho. No cenário 2 foi considerado 50% com restauração ativa e 50% com regeneração natural, no qual o número de empregos foi estimado em 2,5 milhões.
Uma variável importante poderia alterar os números do estudo: o trabalho começou a ser feito em setembro de 2020, no auge da pandemia da Covid-19. O isolamento social, quarentenas e redução da atividade econômica provocados pelo novo coronavírus poderiam impactar a geração de empregos da restauração?
O estudo concluiu que a pandemia teve um impacto relevante, com a perda de 20% dos empregos gerados – ou seja, um de cada cinco postos de trabalho criados antes da pandemia. Os empregos gerados por produtores rurais, empresas privadas de porte médio e ONGs locais foram os mais afetados.
Apesar dos danos provocados pela pandemia, também houve no setor iniciativas de impacto positivo, como por exemplo os mutirões chamados de Bosques da Memória, promovidos pelo Pacto, Rede de ONGs da Mata Atlântica, Reserva da Biosfera, Associação Mico Leão Dourado e APOENA. Nesses mutirões, as pessoas plantaram mudas e restauraram áreas em memória às vítimas da pandemia e em homenagem aos profissionais da saúde que atuam na linha de frente. Saiba mais sobre essa iniciativa no episódio do podcast Tom da Mata.
Apesar do estudo ter usado como base o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares previsto no Planaveg, o país tem potencial para restaurar muito além dessa meta por conta da imensidão de áreas degradadas e de baixa aptidão agrícola que podem ser restauradas e gerar produtos e serviços ambientais para a sociedade.
Um dos principais fatores para induzir os produtores na recuperação de áreas degradadas é a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como Código Florestal. Ela determina a conservação e restauração de Áreas de Preservação Permanentes (APP) e Reserva Legal (RL). Um estudo publicado na Science estimou em 21 milhões de hectares o total a ser recuperado de APP e RL no Brasil. E, como demonstrado em um estudo realizado pelo WRI Brasil e parceiros, garantir a segurança jurídica é essencial para o ganho de escala da restauração.
Além disso, tomando por base estimativas de um estudo realizado nos Estados Unidos, a inclusão dos postos de trabalho indiretos gerados através da restauração poderia praticamente dobrar o número de empregos estimados pelo estudo no Brasil. No entanto, os autores optaram por uma análise mais conservadora, considerando exclusivamente dados reais e de organizações nacionais para chegar ao potencial de 1 a 2,5 milhões de empregos.
Também há um grande potencial de fortalecer a cadeia da restauração em todos os biomas no país. O estudo mostrou que 44% desses empregos se concentram hoje em organizações atuando exclusivamente na Mata Atlântica, mas ações de restauração também são fundamentais nos biomas Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa.
Os resultados dessa pesquisa mostram que o Brasil pode avançar em prol de uma economia de baixo carbono que seja inclusiva, com a geração de empregos no meio rural a partir de uma política de promoção e incentivo da restauração de paisagens e florestas em larga escala. A restauração move uma importante cadeia econômica, desde o preparo da terra até a comercialização de produtos florestais madeireiros e não madeireiros, além de promover o uso de mecanismos financeiros como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e atrair investimentos do mercado de carbono.
A Década da Restauração de Ecossistemas da ONU, que começou ano passado e vai até 2030, é o momento ideal para promover uma economia florestal baseada na restauração, garantindo emprego e renda para milhões de famílias, principalmente para aquelas que mais dependem das florestas para seu bem-estar. Isso pode mudar o jogo, transformando antigos desmatadores em restauradores. Uma sociedade que compreende os benefícios da restauração é uma sociedade que investe no futuro.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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