Restauração só será efetiva se as pessoas estiverem no centro do processo

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Por Luciana Alves, Jordano Buzati, Mariana Oliveira, Luciana Gomes de Araujo, Cristina Adams e Rosely Alvim Sanches, para o WRI Brasil |

A restauração de paisagens e florestas é uma solução baseada na natureza efetiva e prontamente disponível para combater as mudanças climáticas, proteger a biodiversidade, conservar recursos hídricos, reduzir a pobreza e a desigualdade social. É por conta desses benefícios que o Brasil está comprometido a restaurar 12 milhões de hectares, e países no mundo têm o compromisso de recuperar mais de 350 milhões de hectares.

Porém, para além de porções de terras e seus diversos usos, uma paisagem é composta também por pessoas, que se organizam em famílias, empresas, coletivos, associações e formam a paisagem social da restauração.

O estudo “A paisagem social no planejamento da restauração”, publicado pelo WRI Brasil, Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, mapeou quais são os atores sociais da restauração em três regiões do Sudeste brasileiro – o norte do Espírito Santo, a bacia do rio Doce em Minas Gerais, e o Vale do Paraíba em São Paulo – para compreender as estruturas e o funcionamento da governança.

Os resultados mostram que a restauração só terá sucesso quando produtores rurais estiverem no centro desse processo e conectados com as demais partes interessadas na restauração da paisagem, e apresenta recomendações para que tomadores de decisão no país inteiro possam acelerar e dar escala à recuperação de nossa vegetação nativa – sempre colocando as pessoas em primeiro lugar.

Entendendo a governança da restauração

O primeiro passo do trabalho foi definir o conceito de governança da restauração. Em um artigo publicado recentemente pelo IEE/USP e Nepam/Unicamp, com apoio do WRI Brasil, a governança da restauração de paisagens e florestas foi definida como “o conjunto amplo das instituições e atores sociais e as maneiras pelas quais eles se conectam e inter-relacionam ao longo do tempo para influenciar a implementação da restauração. Essa governança pode integrar as múltiplas escalas de uma paisagem (social, política, ecológica e demográfica), promover o ajuste entre as esferas de tomada de decisão municipal, estadual e federal e levar em consideração as motivações dos atores locais”.

A partir dessa definição, foi possível avançar com o mapeamento de paisagens sociais e a análise das estruturas de governança nas três regiões. O objetivo foi identificar oportunidades e lacunas para avançar a restauração em cada paisagem, além de fornecer subsídios para apoiar os atores locais no avanço da sua implementação. Esse mapeamento nos mostra quais são os indivíduos, grupos, organizações e movimentos sociais que influenciam e são influenciados pelo tema da restauração florestal.

Oficina de mapeamento de atores no Vale do Paraíba, em São Paulo. Foto: Mariana Oliveira/WRI Brasil

O trabalho faz parte do projeto Pró-Restaura, que buscou maximizar as oportunidades de restauração nessas três paisagens. O aprendizado subsidia ações locais e pode servir também para inspirar outras regiões e biomas do Brasil, permitindo que os formuladores de políticas públicas e gestores do setor privado ajustem suas estratégias de restauração para garantir que os projetos e programas prosperem.

Confira abaixo um resumo das redes de mapeamento de atores identificados em cada uma das paisagens analisadas.

Norte do Espírito Santo

Nos últimos anos, o estado do Espírito Santo tem se colocado na vanguarda da restauração de paisagens e florestas. Com a totalidade de seu território inserido no bioma Mata Atlântica, que é o mais degradado do país e que mais precisa de recuperação ambiental, e com uma pujante indústria de florestas plantadas para a produção de papel e celulose, o estado vem promovendo a restauração por meio de políticas públicas como o programa Reflorestar, e está mobilizando um grupo de trabalho para estruturação do Programa Estadual de Carbono e iniciando uma força-tarefa para apoiar a silvicultura de nativas.

O estudo analisou uma das regiões do Espírito Santo: as bacias dos rios Itaúnas e São Mateus, no norte do estado, que compreende 15 municípios e 570 mil habitantes. A aplicação da ROAM em 2021 já havia identificado que essa região tem a menor cobertura florestal no estado e maior vulnerabilidade de secas e erosão do solo. Uma análise do atual estágio do cumprimento do Código Florestal mostra que há uma oportunidade de restauração de 60 mil hectares para adequação legal de imóveis rurais.

No norte do Espírito Santo, a rede de governança da restauração conta com 71 atores, distribuídos conforme o mapa abaixo:

Entre os principais resultados da análise de governança, estão:

  • Comitês de Bacias Hidrográficas e Consórcio de Municípios locais são atores centrais na agenda da restauração na paisagem;
  • Organizações públicas se destacam com maior influência e articulação na rede;
  • A rede se organiza em agrupamentos pequenos e coesos, o que pode trazer desafios no fluxo de informações e recursos para a restauração.

Bacia do rio Doce (MG)

A bacia do Rio Doce, em Minas Gerais, é uma paisagem crítica para a restauração. A região, que já havia enfrentado um cenário histórico de degradação, provocado por atividades econômicas sem a correta preocupação com a conservação do solo e dos recursos naturais, teve esse cenário agravado pelo o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, em 2015. A aplicação da ROAM na paisagem identificou oportunidades para restauração a partir de modelos como a silvicultura de nativas, os sistemas agroflorestais e a integração da pecuária com a floresta.

O estudo buscou entender a presença de atores e a governança para garantir que essa restauração aconteça. A região analisada possui 202 municípios, cerca de 2,7 milhões de habitantes, e a oportunidade da restauração por meio de adequação legal ao Código Florestal é de 1,5 milhão de hectares.

Na bacia do rio Doce (MG), a rede de governança da restauração conta com 125 atores:

Entre os principais resultados da análise de governança, estão:

  • As organizações governamentais têm o maior número de conexões na paisagem, com maior capacidade de articulação e influência;
  • A presença de instituições de ensino superior é fundamental para trazer qualidade à restauração na paisagem;
  • A Fundação Renova, criada para as ações de reparação após o rompimento da barragem de Fundão, possui uma estrutura própria de governança, com a presença de mais de 70 atores diferentes.

Vale do Paraíba Paulista

Em São Paulo, o Vale do Paraíba é uma das paisagens com grande potencial para dar escala a modelos econômicos da restauração. A paisagem fica entre dois grandes centros consumidores – São Paulo e Rio de Janeiro – e conta com engajamento de atores que buscam expandir a agroecologia, como é o caso da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. A aplicação da ROAM na paisagem identificou uma oportunidade de aumentar em até 32% o PIB agropecuário da região a partir de técnicas de restauração florestal.

A paisagem analisada pelo estudo de governança tem 36 municípios e 2 milhões de habitantes. A oportunidade de restauração por meio de recuperação de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal é de 80 mil hectares.

No Vale do Paraíba Paulista, a rede de governança da restauração conta com 103 atores:

Entre os principais resultados da análise de governança, estão:

  • Organizações públicas e privadas com fins lucrativos compõem majoritariamente a paisagem social;
  • Organizações com papel de articulação e mobilização de recursos assumem protagonismo na rede;
  • A rede integra desde atores no nível comunitário até atores com atuação internacional.

Resultados que podem subsidiar políticas em todo o país

Para além da Mata Atlânticas, alguns resultados em comum dessas três paisagens trazem lições que podem inspirar outras regiões do Brasil – afinal, há muitas oportunidades de restauração em outras partes da Mata Atlântica e em biomas como Amazônia, Caatinga e Cerrado.

Uma das evidências disso foi o papel central assumido pelos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) nas três paisagens. Isso acontece especialmente porque o papel das florestas na qualidade da água que abastece as grandes cidades já está bem estabelecido, funcionando como uma infraestrutura natural que traz benefícios sociais e econômicos no tratamento de água.

Os CBHs se mostram um dos principais espaços de governança da restauração no Brasil por terem o poder de deliberação e execução e estarem formados igualmente por representantes do poder público, usuários e sociedade civil, assim trazendo representantes de produtores rurais ao centro das decisões.

Outro ponto crucial identificado é o papel de produtoras e produtores rurais nas redes de governança. O mapeamento da paisagem social mostra que são eles os principais agentes na restauração de paisagens e florestas. No entanto, as redes de fluxos de informação e recursos indicam que os recursos e financiamentos não chegam diretamente aos produtores rurais. Criar novas formas de incentivar a restauração (como pagamentos por serviços ambientais, mercados institucionais de produtos agroflorestais e mercado de carbono) e ampliar a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) são ferramentas cruciais para dar escala à restauração.

Por fim, a principal mensagem do estudo é trazer para os tomadores de decisão o entendimento de que as pessoas são a parte mais importante da governança da restauração. É preciso criar condições para que os atores locais sejam protagonistas em todas as fases da restauração: do planejamento até a implementação de fato.

Acelerando a restauração na Mata Atlântica

O conhecimento da rede de atores sociais que são parte da governança da restauração e dos recursos que fluem por essa rede pode ajudar a melhor direcionar capacitação e financiamento para que negócios florestais prosperem.

Um projeto do WRI Brasil que dialoga com os resultados do estudo justamente se propõe a trazer assistência técnica e “seed money”, o capital-semente, para impulsionar esses negócios. Trata-se da Aceleradora de Negócios Florestais, um programa de treinamento e rede de relacionamento para empreendedores que restauram florestas. A Aceleradora de Negócios Florestais selecionará 20 negócios da cadeia da restauração na Mata Atlântica brasileira para oferecer mentoria e treinamento. Destes 20, serão selecionados e os 5 mais promissores vão receber um recurso ou financiamento para apoiar a expansão das suas atividades. Saiba como aplicar neste link.

Agradecimento dos autores: A publicação “A paisagem social no planejamento da restauração” foi possível graças ao compartilhamento das informações e esclarecimentos necessários ao longo da elaboração do estudo por parte das organizações implementadoras ou envolvidas nas entrevistas e reuniões bilaterais. Os autores agradecem aos participantes de oficinas presenciais realizadas entre 2018 e 2020, bem como o apoio dos consultores locais nos municípios onde as atividades foram realizadas.

Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

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