O Brasil vive um momento de grande atividade para a restauração de paisagens e florestas. Pequenos produtores, organizações locais, empresas e governos estaduais e municipais estão engajados nessa agenda.
Desde 2015, a metodologia ROAM vem sendo aplicada em diversas regiões em todo o país para ajudar na identificação de motivações e oportunidades de restauração nas diferentes paisagens. Um ponto importante da ROAM é mapear quem são os atores que estão fazendo a restauração acontecer. A aplicação dessa metodologia em algumas paisagens do país identificou um grupo de atores sociais com muita relevância para a restauração: os pequenos produtores assentados pela reforma agrária, organizados por meio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Esse engajamento com a restauração não acontece apenas em alguns territórios, mas tem um direcionamento nacional. O MST tem um plano nacional, chamado “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, que propõe um modelo que permite produzir alimentos ao mesmo tempo em que preserva e restaura florestas. Com esse plano, o movimento espera conseguir plantar 100 milhões de árvores até 2030 em todo o país.
Para execução do plano é fundamental estabelecer parcerias. Em Minas Gerais, o plano começou a ser estruturado a partir da colaboração tanto com o governo do estado através da empresa estatal Codemig, quanto com outras iniciativas de restauração como as lideradas pela Fundação Renova. O estabelecimento dessas conexões permitiu ao MST materializar algumas das ações previstas no plano, como a criação e estruturação de viveiros de mudas e coletas de sementes, por exemplo.
Quem está na linha de frente da restauração são os pequenos produtores e agricultores familiares. E para que consigam focar na produção de alimentos incluindo espécies florestais nos sistemas de produção, é importante que eles tenham capacitação e treinamento.
Uma das dificuldades para fazer com que a restauração ganhe de escala no país está na falta de assistência técnica e extensão rural especializada no tema para aqueles que estão trabalhando diretamente com a terra.
São as pessoas que fazem a restauração acontecer. E nesse caso é fundamental investir no apoio para que os assentados da reforma agrária possam fazer a diferença. Pequenos produtores e produtoras rurais em todo o país podem se beneficiar da melhoria na qualidade do solo, da água, e em comercialização de produtos florestais madeireiros ou não madeireiros, mas para isso precisam contar com apoio técnico para adotar medidas de baixa emissão de carbono.
A colaboração do WRI Brasil com o MST vem na direção desse compartilhamento de conhecimento técnico, promovendo atividades para a capacitação sobre restauração em várias paisagens do país.
Em Minas Gerais e Espírito Santo, juntamente com o Cepan, foram conduzidos dois treinamentos com membros do movimento: o primeiro para a construção de redes de sementes e o segundo para apoiar a elaboração de projetos de restauração. Ambos são fundamentais para garantir que haja orientações técnicas para alcance das metas propostas no plano de plantar 100 milhões de árvores.
A aplicação do ROAM busca, entre outras finalidades, identificar quais as motivações principais para que os atores se engajem na restauração de paisagens e florestas. No caso do MST, há um grande motivador: a produção de alimentos.
Para o movimento, a produção de alimentos naturais, orgânicos, tradicionais e saudáveis é um ponto crucial. A restauração pode ajudar muito nesse objetivo. A começar porque recuperar áreas degradadas melhora a qualidade da água, do solo e das condições ambientais de uma região, mas também porque existem modelos de produção em que as florestas e os alimentos caminham lado a lado, como nos Sistemas Agroflorestais.
Mais do que o mero ato de produzir alimentos, o movimento espera trazer uma mudança de filosofia: um novo olhar sobre a terra, um olhar regenerativo, em que ocupar a terra e produzir alimentos não é feito de forma predatória, mas sustentável e reparadora.
Garantir recursos financeiros é outra lacuna que precisa ser vencida. Há diversos fundos interessados em apoiar ações de restauração para a melhoria da qualidade de vida das comunidades através da promoção da segurança alimentar, recuperação dos recursos hídricos e fortalecimento de grupos vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Para isso, garantir um arcabouço robusto de mensuração, avaliação e aprendizagem dos projetos é fundamental. E a consolidação do marco lógico do plano nacional do MST trilhou essa direção para atrair novas parcerias e financiadores que desejam apoiar a restauração atrelada à produção de alimentos e permanência de famílias no campo.
A plataforma TerraMatch, lançada em junho de 2020 pelo World Resources Institute, reúne implementadores e financiadores de projetos do mundo todo interessados em unir esforços para que as ações sejam concretizadas. Um esforço conjunto é oportunidade para incluir propostas de projetos para receberem aporte financeiro. A expectativa é que a plataforma contribua para essas conexão e posterior implementação, garantindo sempre um monitoramento de qualidade das ações desenvolvidas.
Outro ponto importante do plano de plantar árvores do MST é permitir que a restauração abra espaço para o protagonismo feminino.
Historicamente, o ambiente rural é muito centrado na figura masculina para a tomada de decisões e o controle da produção. O movimento tem o compromisso de abrir espaços para que lideranças femininas também atuem, trazendo diversidade e equilíbrio para o trabalho.
O olhar de gênero para a restauração é um tema que o WRI Brasil já trabalha em outras paisagens, como na Amazônia paraense e na Caatinga baiana. Para os produtores da bacia do rio Doce em Minas Gerais, por exemplo, a demanda das mulheres é por aumentar a participação na gestão e tomada de decisões no campo e na comercialização de produtos. A ideia é aumentar a autonomia das mulheres, buscando aumentar a igualdade entre gêneros no campo.
Com um plano para plantar 100 milhões de árvores e se apoiando em treinamentos e capacitações, o MST tem a oportunidade de contribuir com ações da Década da Restauração de Ecossistemas.
Mais importante que apenas plantar, o movimento mostra um novo olhar para a restauração: o da dignidade do trabalhador rural. A restauração pode ser uma forma de ajudar os pequenos produtores e assentados a ter qualidade de vida, manter a juventude engajada na terra, gerando renda e prosperidade. O movimento aposta que o trabalho na terra não pode ser sinônimo de pobreza. Uma agricultura regenerativa pode ao mesmo tempo reviver a natureza, garantir o sustento para os assentados e fornecer alimentos de qualidade para toda a sociedade.
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