Por Ryan Smith e Frances Seymour em WRI Brasil | Muitas pessoas consideram a restauração florestal uma maneira de reverter as mudanças climáticas, por meio da qual o replantio de florestas armazena carbono nas árvores e no solo. No entanto, surgem novas evidências que mostram como a restauração pode trazer também benefícios ambientais não relacionados ao carbono – em particular, a diminuição do calor e a regulação de chuvas.
A seguir, confira o que já se sabe a respeito e por que essa é uma questão importante, além de uma série de oportunidades que despontam para ampliar nossos conhecimentos sobre os benefícios da restauração como uma estratégia para trazer de volta um clima mais ameno e úmido.
Por meio do processo de evapotranspiração, as florestas ajudam a reciclar a umidade que vem dos oceanos e cai na forma de chuva. As árvores bombeiam a umidade do solo de volta para a atmosfera, onde ela condensa novamente e cai na forma de chuva, a centenas ou até milhares de quilômetros de distância. O vapor d’água liberado pelas florestas pode percorrer distâncias de até dois mil quilômetros nas regiões tropicais e de até cinco mil quilômetros nas zonas temperadas. Em partes da Bacia Amazônica Ocidental, até 50% da precipitação anual vem da própria floresta – índice que chega a até 70% na estação seca.
Considerando o papel fundamental das florestas na reciclagem das chuvas, sua degradação pode interromper padrões dentro e além das fronteiras nacionais. Em Bornéu, as bacias hidrográficas que perderam mais de 15% de suas florestas entre 1973 e 2007 registraram uma redução de mais de 15% nas chuvas no mesmo período. Um cenário modelado na Amazônia prevê que, se mantida a atual trajetória de desmatamento, a média anual de chuva pode cair 8,1% na região até 2050.
Embora poucos estudos tenham medido os impactos da restauração de larga escala sobre a precipitação – e os que mediram focaram principalmente em latitudes temperadas –, evidências recentes sugerem que restaurar áreas degradadas pode beneficiar o regime de chuvas.
Um estudo recente demonstrou que o amplo programa do governo chinês intitulado Green for Grain (O Verde pelos Grãos, em tradução livre) – o maior programa de reflorestamento do mundo, por meio do qual árvores foram plantadas ou retiradas de áreas de cultivo para reduzir inundações e a erosão do solo – aumentou a precipitação em 58%, o equivalente a uma média de 54,62 milímetros por ano nas áreas reflorestadas. Depois do plantio das árvores, a umidade atmosférica que entrava na região diminuiu, mas a quantidade de umidade caindo na forma de chuva aumentou, assim como a proporção de chuvas que caíram, foram recicladas e viraram novas precipitações na região.
Além disso, diversos modelos preveem que o aumento da cobertura vegetal também aumenta a precipitação. Por exemplo, alguns modelos mostram que restaurar os ecossistemas de savana na Austrália (que incluem árvores) poderia aumentar as chuvas em quase 10%. Já na Europa, aumentar a cobertura florestal levaria a um aumento médio nas chuvas de 7,6% durante os meses de verão.
Nos trópicos, os modelos preveem que o reflorestamento na região do Sahel poderia aumentar as chuvas tanto na própria região quanto em áreas mais distantes, contribuindo para a ocorrência de chuvas mais pesadas, diminuindo a duração da estação seca e revertendo a tendência de seca da Bacia do Nilo. Colaboradores do Painel Científico para a Amazônia, uma referência em questões científicas, econômicas e morais relacionadas à conservação da Amazônia, defendem que “a restauração florestal poderia ajudar a Amazônia a manter sua integridade hidrológica, com a evapotranspiração da floresta restaurada contribuindo para a transferência da umidade de leste a oeste”.
Florestas localizadas em latitudes tropicais e temperadas reduzem as temperaturas locais ao bloquear diretamente a luz do sol, impedindo que chegue ao chão. Além disso, por meio da evapotranspiração e ao criar turbulências no vento, as florestas movimentam a umidade e o calor latente, fazendo com que subam na atmosfera e, consequentemente, resfriem a superfície terrestre e amenizem os extremos nas temperaturas locais e regionais. As temperaturas superficiais nos trópicos são em média 0,2°C a 2,4°C mais frescas nas florestas do que nas demais áreas do entorno; diferenças de temperatura de até 8,3°C já foram registradas nas horas mais quentes do dia.
Na Amazônia Brasileira e no Cerrado, pesquisadores detectaram os efeitos do desmatamento sobre o aumento das temperaturas diárias em locais a até 50 quilômetros de distância das áreas desmatadas.
As florestas são especialmente eficientes em moderar os extremos das temperaturas durante os períodos mais secos, melhorando a resiliência local ao aquecimento global. Uma menor cobertura de nuvens durante a época de seca aumenta a radiação solar, o que faz com que as árvores realizem mais fotossíntese e, portanto, bombeiem mais umidade do fundo do solo em direção à atmosfera, resfriando o ar.
A cobertura florestal nas regiões tropicais fornece os maiores benefícios em termos de resfriamento. Os efeitos biofísicos combinados das florestas tropicais são tão significativos que, quando associados aos efeitos das emissões globais sobre o aquecimento, a perda das florestas pode dobrar o aquecimento local causado pelas emissões globais. Em escala global, a perda de florestas tropicais efetivamente amplifica o aquecimento causado pelas emissões decorrentes do desmatamento em cerca de 50%.
Cada vez mais evidências demonstram que restaurar a cobertura florestal pode reverter os efeitos do desmatamento sobre as temperaturas locais. No entanto, esse efeito pode variar dependendo da latitude em que o desmatamento ocorre, entre outros fatores.
Um estudo mostrou que, entre 2000 e 2010, o reflorestamento e a arborização nas regiões tropicais e temperadas reduziu o aquecimento decorrente do desmatamento em 0,2°C. O aumento da cobertura arbórea na região boreal não apresentou efeitos, possivelmente porque o solo coberto pela neve reflete mais calor para longe da superfície do que uma floresta. Modelos mostram que aumentar a cobertura de árvores no Sahel poderia reduzir as temperaturas locais em algumas áreas e aumentar em outras. Em ilhas de calor urbanas – pontos de temperatura mais alta dentro das cidades –, árvores grandes plantadas a fim de fornecer sombra podem amenizar o calor mais intenso ao bloquear o sol e refrescar o ar por meio da evapotranspiração.
Acrescentar árvores em áreas agrícolas (nos casos em que for ecologicamente adequado fazer isso) também pode amenizar os extremos de temperatura locais e impulsionar os rendimentos. O gado é vulnerável ao estresse térmico, o que pode afetar negativamente seu crescimento, reprodução, saúde e a produção de carne e leite. Um estudo comparativo entre as savanas tropicais onde há pastagem de gado descobriu que os benefícios do resfriamento fornecidos pelas árvores aumentavam na mesma proporção que a quantidade de carbono armazenada por elas: a cada 10 toneladas métricas de carbono adicionais armazenadas por hectare, as temperaturas locais ficavam 0,83°C mais baixas na África e 1,1°C mais baixas nas Américas.
Embora esses dados não comprovem que acrescentar árvores em áreas degradadas resulte em resfriamento, pesquisas recentes baseadas em dados históricos sugerem que isso pode acontecer: árvores plantadas na década de 1930 pela iniciativa Great Plains Shelterbelt, a qual abrange uma área que vai do norte do Texas até a fronteira dos Estados Unidos com o Canadá, diminuíram as médias regionais de temperatura entre 1,7% e 2,1%, reduziram o número de dias de calor extremo em 12,9% e aumentaram a precipitação entre 4,4% e 8%. Como consequência, essas mudanças aumentaram a produção de milho em 54,3% e influenciaram as decisões dos agricultores sobre quais culturas cultivar.
Em relação às regiões tropicais, existem evidências de que o aumento das temperaturas decorrente da perda de cobertura arbórea pode reduzir os rendimentos das culturas, enquanto acrescentar árvores nas áreas de cultivo – prática conhecida como sistemas agroflorestais – pode proteger as culturas do estresse térmico. No Brasil, a conversão de terras e a perda de florestas ente 1985 e 2021 diminuíram a produtividade de soja entre 6% e 12%, o equivalente a uma redução de lucratividade de US$ 152 por hectare. Em paralelo, modelagens com sistemas agroflorestais na Etiópia indicam que, sob futuras condições climáticas, estes sistemas podem aumentar a produção nacional de milho entre 3,1% e 7,5% em comparação às fazendas desprovidas de árvores.
Esses estudos demonstram que, em alguns casos, o acréscimo de árvores em áreas agrícolas pode ajudar as culturas e os animais a se adaptarem ao estresse térmico causado pelas mudanças climáticas induzidas pelos gases de efeito estufa. Cientistas que colaboraram com o Painel Científico para a Amazônia concluíram que aumentar a cobertura florestal pode fornecer para a sociedade benefícios adicionais que vão além da produção agrícola ao amenizar as altas temperaturas.
A dinâmica entre a restauração florestal, o resfriamento do clima e a precipitação local tem implicações importantes para a saúde das pessoas, economia, agricultura e para a resiliência climática.
Temperaturas mais altas impõem riscos extremos à saúde humana. Um modelo mostrou que, até 2100, a conversão da Amazônia brasileira em savana poderia expor um adicional de 11 milhões de pessoas ao estresse térmico por calor. Na Indonésia, um estudo demonstrou que a produtividade dos trabalhadores sofre um declínio de mais de 8% em áreas desmatadas devido à baixa qualidade do trabalho e à necessidade dos trabalhadores de operar mais devagar, com mais intervalos.
Os efeitos biofísicos que as florestas restauradas exercem sobre o clima local podem gerar benefícios significativos para a economia regional e a produção de alimentos. Das 29 megacidades existentes no mundo, por exemplo, 19 dependem das chuvas originadas a partir da terra para mais de um terço de seu abastecimento de água. Nas áreas agrícolas, o potencial das árvores para proteger os rendimentos soma-se a outras formas de adaptação agrícola às mudanças climáticas, como reduzir a erosão do solo e fornecer habitat para polinizadores.
Mitigar os impactos locais das mudanças climáticas globais é especialmente importante paras as pessoas mais vulneráveis a essas alterações, como povos indígenas e comunidades que dependem dos bens e serviços oferecidos pela floresta para suprir suas necessidades básicas, além de outras populações nos trópicos cuja produção agrícola é dependente das chuvas. Os benefícios não relacionados ao carbono fornecidos pelas florestas em termos de estabilidade climática, de imediato, podem ser mais relevantes para grupos de interesse locais, nacionais e regionais do que os benefícios relacionados ao carbono, uma vez que podem ajudar as pessoas a se adaptarem a climas mais quentes, com eventos mais extremos.
Ainda assim, muito ainda pode ser aprendido sobre o quanto a restauração florestal pode ajudar a restaurar também benefícios não relacionados ao carbono, protegendo comunidades locais e economias nacionais dos efeitos adversos do aquecimento global.
Atualmente, observa-se um interesse internacional sem precedentes na restauração florestal. Iniciativas como o Desafio de Bonn, a AFR100 e a Iniciativa 20×20 estabeleceram metas de escala continental e global para a restauração de ecossistemas. A ONU declarou o período 2021-2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas. Na One Planet Summit, em 2021, instituições financeiras se comprometeram a destinar US$ 19,6 bilhões para restaurar florestas e áreas degradadas na África. E, mais recentemente, o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, acordado durante a Convenção sobre Diversidade Biológica COP15 em dezembro de 2022, estabeleceu a meta global de restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030.
Para dar continuidade à construção de um amplo apoio para a restauração florestal em todas as escalas, a comunidade internacional de restauração deve entender e comunicar devidamente os benefícios climáticos da restauração. Isso inclui o quanto as florestas restauradas podem regular a temperatura e a precipitação por meio de benefícios não associados ao carbono, um aspecto muito menos compreendido do que o processo de remoção de carbono da atmosfera pelas árvores à medida que crescem.
É importante ressaltar que a incorporação de benefícios não relacionados ao carbono no planejamento da restauração pode criar novos grupos de interesse para a restauração florestal. Embora as comunidades e autoridades locais possam se sentir inaptas a influenciar a trajetória das mudanças climáticas globais, restaurar florestas e plantar árvores para estabilizar climas locais é uma ação que podem explorar. Mais pesquisas a respeito podem fornecer respostas que ajudem a comprovar o papel da restauração no combate às mudanças climáticas.
A restauração de larga escala em paisagens como a Mata Atlântica brasileira e o Sahel africano, bem como iniciativas de arborização como o programa chinês Green for Grain, tem amadurecido e pode ser a base de futuros estudos que ajudem a entender todos os impactos da restauração sobre o clima. Os avanços no sensoriamento remoto oferecem oportunidades para explorar essas questões por meio de dados empíricos. Uma parcela da energia e do financiamento por trás das iniciativas internacionais em andamento pode e deve ser canalizada para apoiar pesquisas fundamentais como essas.
A pauta de pesquisa sobre restauração já é bastante ampla. Incluir nessa agenda os benefícios das florestas não relacionados ao carbono preencheria uma lacuna importante.
Agradecemos a Carlos Nobre e Michael Wolosin por suas contribuições para este artigo, que foi publicado originalmente no Insights.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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