Por Joana Silva, da Embrapa | Estudo desenvolvido em parceria entre a Embrapa Instrumentação (SP) e a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) conseguiu aumentar de 5 para 12 dias o tempo de vida do morango. O resultado é fruto do avanço da nanotecnologia, que proporcionou o desenvolvimento de uma nova nanoemulsão antimicrobiana à base de diferentes compostos vegetais. Os cientistas combinaram as propriedades dessas substâncias para gerar um material de revestimento funcionalizado com resistência mecânica, térmica e à água, além de propriedades ópticas e antimicrobianas.
Para isso, incorporaram a uma matriz de amido de araruta nanocristais de celulose, nanoemulsão de cera de carnaúba e óleos essenciais de hortelã-verde e palmarosa. Com a absorção dos óleos essenciais, o revestimento foi capaz de reduzir significativamente a severidade do mofo cinzento causado pelo fungo Botrytis cinerea, um dos principais patógenos em morango, que acomete o fruto tanto em campo como na pós-colheita, e pelo Rhizopus stolonifer, responsável pela podridão mole em frutos, principalmente em pós-colheita.
Além de demonstrar uma excelente barreira contra o crescimento de fungos, o revestimento ainda foi eficaz em impedir a desidratação dos frutos e aumentar o teor de compostos bioativos benéficos para a saúde como a vitamina C e antocianinas durante o armazenamento dos morangos. Entre as vantagens do uso desse revestimento, destaca-se a composição de origem totalmente vegetal e natural, sua capacidade antimicrobiana, além da simples tecnologia de obtenção.
O estudo foi conduzido pelo bacharel em Agroecologia Josemar Gonçalves de Oliveira Filho, para a obtenção do título de doutor em Alimentação e Nutrição pela Unesp, sob a orientação do pesquisador da Embrapa Instrumentação Marcos David Ferreira.
A proposta da pesquisa foi oferecer uma nova abordagem de revestimento, baseado em produtos naturais, em conformidade com a alta demanda por soluções sustentáveis, tanto em âmbito nacional como internacional.
Ele investigou o efeito de revestimentos de bionanocompósitos desenvolvidos a partir de amido de araruta, nanoemulsão de cera de carnaúba, nanocristais de celulose e óleos essenciais de hortelã-verde e palmarosa na pós-colheita, controle de doenças e características físico-químicas, aromáticas, microbiológicas, bioativas e antioxidantes de morangos da cultivar de origem americana Oso Grande.
Oliveira Filho explicou que os frutos foram imersos em soluções de revestimento bionanocompósito, secos ao ar e, então, colocados em caixas plásticas e armazenados por 12 dias em temperatura refrigerada, além de serem avaliados quanto aos atributos de qualidade desde o início do experimento.
Segundo ele, em escala laboratorial, a imersão é um dos principais métodos utilizados para o revestimento de frutas devido à sua simplicidade, sem dependência de equipamentos. “Neste método, toda a superfície do alimento é submersa na solução formadora de filme a uma velocidade constante, permitindo a cobertura total, garantindo a completa molhabilidade (habilidade de um líquido em manter contato com uma superfície sólida) do fruto”, esclarece.
O pesquisador constatou que os revestimentos bionanocompósitos melhoraram a qualidade dos morangos durante o armazenamento, minimizando a desidratação, alterações na cor, textura, sólidos solúveis, pH, acidez titulável (quantidade total de ácido em uma solução) e teor de compostos bioativos benéficos para saúde humana (como compostos fenólicos, antocianinas, ácido ascórbico e atividade antioxidante) em comparação com morangos não revestidos.
De acordo com ele, os revestimentos bionanocompósitos apresentaram atividade antimicrobiana, reduzindo a deterioração visual por fungos – grupo grande de micro-organismos – e contagem de bactérias aeróbias mesófilas, fungos e leveduras durante o armazenamento.
“Além disso, revestimentos de bionanocompósitos carregados com óleo essencial de hortelã-verde e palmarosa foram capazes de reduzir em mais de 60% a severidade das podridões causadas pelos fungos B. cinerea e R.stolonifer inoculados em morangos”, avalia Oliveira Filho.
Os pesquisadores concluíram que os revestimentos de bionanocompósitos, principalmente aqueles formulados com o óleo essencial de hortelã-verde, podem ser usados como materiais de revestimento antimicrobianos para preservar a qualidade e aumentar a durabilidade de morangos frescos durante a pós-colheita. Essa associação pode representar uma estratégia inovadora, eficiente e alternativa aos fungicidas para o controle de doenças pós-colheita em morangos, além de aumentar o período de comercialização da fruta, que hoje não ultrapassa uma semana.
Especialista em estudos e desenvolvimento de tecnologias para o pós-colheita, Ferreira diz que revestimentos comestíveis preservam a qualidade do fruto por meio da formação de uma barreira física semipermeável na superfície do fruto. “Isso retarda a troca de gases e umidade, resultando em redução da perda de água, respiração e taxas de amadurecimento”, afirma.
Vários biopolímeros, como proteínas, lipídios e polissacarídeos são utilizados como matrizes para o desenvolvimento de revestimentos comestíveis. O amido, um polímero natural muito promissor, de baixo custo e boas propriedades de formação de revestimento, além de ser biodegradável, é um dos polissacarídeos.
O amido de araruta, obtido do tubérculo da Panc (planta alimentícia não convencional) Maranta arundinacea, é de baixo custo e mais resistente mecanicamente, devido ao alto teor de amilose, em comparação com outros amidos como o de mandioca e milho, mas sua característica hidrofílica resulta em propriedades fracas de barreira à água. Por isso, os pesquisadores empregaram recursos da nanotecnologia como estratégia para melhorar os revestimentos e dar origem a novos materiais com propriedades eficazes, conhecidos como bionanocompósitos.
A aplicação de partículas em nanoescala proporciona propriedades diferentes e melhoradas em comparação com partículas de maior tamanho. De acordo com o pesquisador, essas melhorias são importantes para garantir a manutenção da qualidade dos alimentos, bem como reduzir o desenvolvimento de microrganismos, como bactérias, fungos filamentosos e leveduras, e a ação de radicais livres que deterioram os alimentos e reduzem a vida de prateleira.
Outra vantagem da adição de agentes ativos aos nanossistemas, apontada por ele, é que para obter uma boa atividade basta apenas uma proporção menor dessas substâncias, que em baixas concentrações não afetam negativamente as propriedades sensoriais dos alimentos.
A nanoemulsão de cera de carnaúba, desenvolvida por Ferreira e equipe, já presente no mercado nacional e internacional, é um desses materiais. Ele conta que a incorporação da nanoemulsão melhorou as propriedades de barreira à água em revestimentos à base de amido, com impacto mínimo nas propriedades mecânicas e microestrutura do material em comparação com a emulsão convencional.
“Os nanocristais de celulose, utilizados como nanoreforço, ajudaram a fortalecer a matriz biopolimérica e as características mecânicas dos revestimentos, além de melhorar a sua adesão à superfície da fruta, enquanto as propriedades antimicrobianas foram incorporadas por meio dos óleos essenciais – agente antimicrobiano natural”, explica.
Segundo ele, a demanda por revestimentos baseados em produtos de origem vegetal é crescente devido às exigências dos consumidores por alimentos mais naturais e sem a presença de compostos sintéticos. “A nanotecnologia é uma ferramenta promissora para atender a essa demanda pela capacidade de melhorar as propriedades desses revestimentos, principalmente à base de cera, reduzindo a necessidade de soluções sintéticas”, afirma o pesquisador.
A pesquisa recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI/SisNano) e Rede de Nanotecnologia para o Agronegócio (Rede Agronano).
Diversos artigos envolvendo o estudo sobre “Revestimentos comestíveis com bio-nanocompósitos à base de amido de araruta/nanocristais de celulose/nanoemulsão de cera de carnaúba contendo óleos essenciais visando preservar a qualidade e melhorar a vida útil do morango” já foram publicados em periódicos internacionais renomados. O mais recente pode ser acessado aqui.
O morango é fonte de compostos bioativos devido aos altos níveis de vitaminas C e E, além de compostos fenólicos, como as antocianinas, que são pigmentos que conferem a cor vermelha ao fruto e estão relacionados aos benefícios para a saúde.
Mas é uma fruta de vida curta na pós-colheita, devido à sua alta taxa de respiração, textura macia e sensibilidade à temperatura, choques mecânicos e vibrações, fatores que podem resultar em alto grau de deterioração por vários agentes patogênicos. Isso pode impactar em mudanças no pH, acidez, teor de sólidos solúveis totais, perda de cor, firmeza e massa, que reduzem a vida útil do fruto e contribuem para o desperdício de alimentos.
Esses são fatores que o fazem ocupar o terceiro item na lista de maiores perdas em valor do setor de frutas, legumes e verduras, conforme a 21ª avaliação de perdas no varejo brasileiro de supermercados. O documento foi apresentado no Fórum de Prevenção de Perdas 2021 da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e aponta ainda que a fruta está atrás apenas do tomate e da batata, que registram perdas significativas.
Tecnologias para reduzir perdas e desperdícios de alimentos contribuem com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 12) da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma de suas metas até 2030 é reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os desperdícios de alimentos chegam a mais de 30% da produção mundial anualmente, sendo considerados potencializadores da insegurança alimentar e da fome.
A próxima etapa é a finalização da tecnologia com avaliações em condições comerciais para inserção no sistema de produção e análise de aceitação no consumidor. As parcerias público-privadas têm sido utilizadas para viabilizar essa etapa com transferência de tecnologia.
“O tempo estimado para validação da nanoemulsão junto ao setor de produção e comercialização, incluindo análise de mercado e escala industrial, é de dois a quatro anos”, conclui Ferreira.
Este texto foi originalmente publicado pela Embrapa de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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