O rio Coca está localizado na região Nordeste do Equador, entre as províncias de Napo, Sucumbíos e Orellana. Sua bacia hidrográfica é fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país.
É pela confluência de dois outros rios, Quijos e Salado, que nasce o rio Coca, a cerca de três mil metros acima do nível do mar, dentro do Parque Nacional Cayambe-Coca, na Amazônia equatoriana.
O Coca desce serpenteando ao longo de pouco mais de cinco mil quilômetros de extensão, até desaguar no rio Napo. Pelo caminho, entre outras características importantes, está o Codo Sinclair (cotovelo Sinclair, em tradução livre).
O Codo Sinclair é uma das inúmeras curvas do rio Coca que, nesse ponto, apresenta uma queda d’água de 620 metros de altura. O nome é uma homenagem a Joseph Sinclair, um geólogo norte-americano, que imigrou para o Equador na década de 1920, contratado por uma companhia de mineração. No país, estudou a região que envolve o rio Coca, realizando medições e registrando suas características.
Em 2016, foi inaugurada uma hidrelétrica exatamente na região de Codo Sinclair. A Central Hidrelétrica Coca Codo Sinclair (CHCCS) está localizada no início da confluência que dá origem ao rio Coca. Sua barragem tem quase 58 metros de altura e a central tem 1500 MW de potência total.
A construção da hidrelétrica foi cercada de debates e acusações e é alvo de investigações. Uma revisão de estudos sobre o tema, realizada por pesquisadores da Universidad Andina Simón Bolívar (UASB), afirma que a obra foi realizada muito mais por aspectos políticos do que, de fato, socioeconômicos. Isso porque estudos anteriores já haviam alertado sobre os impactos que a construção de uma central hidrelétrica, na região de Codo Sinclair, poderia causar. Impactos esses que afetam as esferas ambiental, social e econômica do Equador.
O projeto hidrelétrico para o rio Coca já existia desde a primeira metade do século XX. Em 1976, o extinto Instituto Ecuatoriano de Electrificación (Inecel) solicitou o primeiro estudo de pré-viabilidade do projeto. Foram realizadas duas avaliações, por empresas distintas, que observaram a pré-viabilidade e a capacidade de utilização do local.
Em 1987, houve um terremoto na região, que fica próxima ao vulcão Reventador, ainda ativo. Com isso, algumas modificações foram realizadas no projeto inicial e, em 1992, o Inecel encomendou um estudo de viabilidade. Alguns pesquisadores afirmam que o estudo foi realizado para uma potência de 859 MW, enquanto outros afirmam que o valor chegava a 1000 MW, ambos distribuídos em duas etapas.
De qualquer modo, as recomendações de capacidade de geração foram baseadas na disponibilidade de água, considerando as variações naturais da bacia, que ocorrem sazonalmente. Além disso, também foi considerada uma vazão ecológica, o que significa que o projeto levaria em conta o uso de uma vazão que não prejudicasse os ecossistemas regionais.
No entanto, a partir de 2007, com a ascensão de Rafael Correa na presidência do Equador, num mandato que durou 10 anos, o projeto foi redesenhado. Na época, foram realizadas novas avaliações pela Comisión Federal de Electricidad de México (CFE), que indicou o aumento da capacidade do projeto para 1200 MW. Outros relatórios foram realizados, por diferentes empresas. No entanto, o governo federal equatoriano optou por reprojetar a central hidrelétrica considerando, dessa vez, uma potência ainda maior, de 1500 MW.
De acordo com os pesquisadores, a remodelação do projeto levou apenas um mês e, em junho de 2008, um relatório justificou esse aumento de capacidade como uma necessidade de maior produção de energia. Estudos de impacto ambiental e viabilidade técnica foram realizados também em tempo recorde, aprovando a execução do projeto.
No entanto, o Consejo Nacional de Electricidad (Conelec), órgão regulador de energia equatoriano, justificou que a rapidez dos processos se deu pela inclusão prévia do projeto no chamado Plan Maestro de Electrificación (um plano de expansão governamental). Outro fator apontado foi a existência de um certificado de interseção de áreas protegidas, concedido pelo Ministério do Meio Ambiente do Equador.
Apesar disso, os pesquisadores são categóricos ao afirmar que os documentos citados não são suficientes para a concessão da licença ambiental, fundamental e obrigatória para regular a construção de uma central hidrelétrica.
Ainda em 2008, no 5º Foro de los Recursos Hídricos, uma publicação da Fundación EcoCiencia, uma organização científica equatoriana, chamou a atenção para os impactos ambientais iminentes à construção da hidrelétrica no rio Coca.
De acordo com a publicação, a água utilizada para o projeto de geração de energia elétrica tem origem em unidades protegidas pelo Sistema Nacional de Áreas Protegidas (SNAP), além de outras florestas, responsáveis por 80% da cobertura vegetal da sub-bacia do rio Coca. A organização reforça, ainda, que as florestas de pé é que garantem a vida útil de qualquer projeto hidrelétrico, pois são elas as reguladoras dos ciclos hidrológicos da Amazônia. Esse tema foi destacado pois, em outubro de 2007, o governo havia declarado total prioridade às obras relacionadas à geração elétrica em relação às unidades de conservação.
O documento afirma, também, que a região visada pelo projeto, parte do Alto Coca, abrange uma área de grande instabilidade geomorfológica (superfície e relevo), com elevados índices de chuva. Além disso, a região está dentro de uma zona de elevado risco vulcânico e com deslizamentos de terra. Essas são razões apontadas como as limitações que adiaram o projeto por tantas décadas.
Com as obras já em andamento, ocorreram uma série de violações na legislação ambiental, como explica a EcoCiencia. Construções ocorreram dentro de áreas protegidas sem qualquer Estudo de Impacto Ambiental (EIA), solicitação de licença ou consulta prévia com a população local. Além do desmatamento em áreas de conservação, a ação abriu um precedente para a atividade madeireira e pecuária, de forma ilícita, nessas regiões.
Os rastros da degradação ambiental também atingiram um dos trechos mais importantes do Alto Coca. Existia, na região, um dos cartões postais mais famosos do Equador, a cascata de San Rafael. Formada há milhares de anos, por detritos e lava do vulcão Reventador, sua queda d’água alcançava 160 metros de altura e era considerada a maior do país.
A publicação da EcoCiencia, em 2008, já alertava sobre as consequências destrutivas que a construção da Coca Codo Sinclair poderia trazer para o ecossistema regional. Foi previsto que a captação de água deveria afetar San Rafael, diminuindo sua vazão em 60%. Do estudo de impacto ambiental prévio (aquele realizado em tempo recorde) foram apontados diversos riscos, dentre eles:
De acordo com a UASB, a Coca Codo Sinclair é a maior central hidrelétrica do Equador e está situada na região de maior risco sísmico de todo o país. Colaborando com todos os equívocos expostos do projeto, desde de 2020 o rio Coca sofre com os efeitos de uma erosão regressiva, que teve início com o colapso da cascata San Rafael.
A erosão regressiva é um processo que ocorre em canais fluviais, se propagando na direção da nascente como uma resposta ao estado de desequilíbrio em que se encontram, como explica um artigo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A diminuição do fluxo da água em determinada parte rio é uma das principais razões que afetam o perfil de equilíbrio do sistema fluvial, pois isso reduz os declives rio abaixo (a jusante, no sentido da foz) e a velocidade da correnteza da água, o que aumenta a deposição de sedimentos causando, assim, a elevação de seu leito.
Em paralelo, no sentido oposto (rio acima, a montante), a diminuição do nível das águas aumenta os declives. Isso faz com que a velocidade da correnteza também aumente, iniciando um processo de erosão no sentido da cabeceira do rio.
O perfil de equilíbrio de um rio relaciona o fluxo das águas com a resistência de seu leito, as dimensões do canal, o volume de água, a quantidade e tamanho dos sedimentos existentes, além da velocidade da correnteza. Dessa forma, a captação de água, que ocorre nas usinas hidrelétricas, modifica essas características, trazendo desequilíbrio.
Em fevereiro de 2020, quatro anos após o início do funcionamento da hidrelétrica do rio Coca, a cascata de San Rafael desabou como consequência da erosão. Na sequência, o desabamento e o acúmulo de sedimentos modificaram o curso do rio nesse ponto, o que reforçou o processo de erosão regressiva, rio acima.
A erosão atinge grandes proporções, derrubando as margens e levando consigo encostas, partes de estradas e, inclusive, tubulações de petróleo instaladas na região.
Poucos meses depois do desabamento de San Rafael, um deslizamento da margem do Coca, causado pela erosão, rompeu a infraestrutura de sistemas de oleodutos, provocando o derramamento de mais de 15 mil barris de petróleo nas águas do rio.
Inúmeros efeitos deletérios são sentidos pelo vazamento de petróleo mas, de forma mais direta, a degradação ambiental causou profundos impactos sociais às comunidades ribeirinhas da região, compostas por povos nativos da Amazônia Equatoriana. O rio Napo, que recebe as águas do Coca, é um afluente do rio Amazonas e também está contaminado.
A erosão regressiva permanece ativa na região, colocando em risco as comunidades, o meio ambiente e as infraestruturas existentes, se aproximando rapidamente da central hidrelétrica Coca Codo Sinclair. Enquanto a erosão avança, especialistas sugerem que os danos causados pela contínua erosão devem inutilizar a hidrelétrica.
Por outro lado, o governo estuda alternativas para tentar conter um desastre iminente. Pesquisadores do Oak Ridge National Laboratory, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, mapearam toda a região do rio Coca, em 2023, por meio de um drone. A esperança é de que as imagens de alta resolução, com atributos térmicos e multiespectrais, possam ser aplicadas na atualização de mapas e na criação de modelos de engenharia mais eficientes, além de contribuir na busca por uma solução para a erosão regressiva.
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