A exploração de petróleo na região da bacia do rio Napo ocorre há mais de 50 anos, causando desastres ambientais e impactos sociais
O rio Napo é o principal rio da Amazônia equatoriana e um dos maiores de todo o Equador, com uma extensão total de 1130 km. Ele nasce no Equador e percorre o Peru até chegar ao Brasil, desaguando no rio Amazonas.
A maior parte da bacia do rio Napo pertence ao Equador, cerca de 60%. Nessa região também está a maior parte das reservas de petróleo do país. Em junho de 2024, o rio Napo foi contaminado por conta da ruptura de um oleoduto, o que causou um vazamento de petróleo próximo à província de Orellana.
No entanto, essa não foi a primeira vez que um desastre do tipo ocorreu. Episódios como esse se repetem na Amazônia equatoriana desde a década de 1970.
Contaminação por petróleo na Amazônia equatoriana
Um estudo, publicado no jornal Toxics da MDPI, no início de 2024, investigou os impactos da contaminação por petróleo no bioma da Amazônia equatoriana, inclusive na estrutura da comunidade microbiana do ecossistema florestal.
A parcela equatoriana da floresta amazônica sofre com a exploração do petróleo desde a década de 1970. Essa exploração é acompanhada, ao longo dos anos, por episódios de derramamento de petróleo e graves consequências socioambientais.
O Equador é considerado um dos países mais afetados pela indústria de petróleo e minérios no mundo. Apenas entre 1972 e 2015, foram mais de 400 mil barris de petróleo bruto derramados na Amazônia, uma região prioritária para a conservação da biodiversidade e vulnerável à exploração e consequente degradação que as atividades causam. Destes desastres ambientais, a bacia do rio Napo recebeu a maior densidade de petróleo derramado.
Apesar disso, a poluição causada não fica concentrada em um só local, mas atinge enormes áreas e impacta diretamente na biodiversidade e em todos os serviços ecossistêmicos oferecidos pela floresta. Além disso, algumas das regiões exploradas pela indústria petrolífera estão localizadas em áreas protegidas, como citam os pesquisadores.
Áreas protegidas
Essas áreas incluem o Parque Nacional Yasuní, nomeado Reserva da Biosfera pela Unesco, em 1989 e a Reserva Biológica Limoncocha, que recebeu o título de Ramsar Wetland, o que significa que a área é uma zona úmida de importância ecológica mundial. Dentre parques nacionais, reservas da biosfera e importantes rios amazônicos, estão também terras habitadas pelos povos originários das etnias Kichwa, Cofán, Waorani, e Ai’cofan, que somam mais de 40 mil habitantes.
O sistema hidrológico dessas áreas está conectado às bacias do rio Coca (que em 2020 foi atingido pelo derramamento de mais de 15 mil barris de petróleo), Napo e Aguarico, além da lagoa de Limoncocha e os rios Capucuy, Itaya, Jivino, e Indillana.
Com base no histórico de desastres ambientais ocorridos na Amazônia equatoriana, os pesquisadores recolheram e analisaram, de forma abrangente, amostras de sedimentos de água doce em 24 regiões distintas do rio Aguarico e da bacia do rio Napo, nas províncias de Orellana e Sucumbios, dentro da floresta amazônica. Foram analisados parâmetros como a temperatura do ar e da água, a condutividade, o pH do solo e as concentrações de hidrocarbonetos.
Hidrocarbonetos
Os hidrocarbonetos são compostos nocivos, obtidos a partir do petróleo bruto. Quando liberados no meio ambiente, esses compostos podem se modificar, de acordo com as condições ambientais e os processos de transformação físico-químicos existentes.
Após o derramamento de petróleo bruto, por exemplo, os hidrocarbonetos podem seguir três caminhos distintos. Os mais leves passam pelo processo de volatilização, que os transformam em gases, que vão para a atmosfera em um curto período de tempo. Os hidrocarbonetos pesados acabam sendo absorvidos pelos sedimentos atingidos, pois permanecem por muito tempo no local, até que ocorra degradação biótica ou algum tipo de oxidação, dissolução ou outro tipo de alteração abiótica.
Além disso, hidrocarbonetos intermediários, em forma líquida ou pastosa, podem acabar depositados no solo ou na própria água, formando uma espécie de película na superfície, como explicam os pesquisadores.
Os hidrocarbonetos pesados tendem a ficar muito tempo no ecossistema, como é o caso da bacia do rio Napo, que conta com a presença de petróleo bruto, fruto de diversos vazamentos ao longo das décadas.
Hidrocarbonetos totais de petróleo
Ainda, em casos de derrame de petróleo do meio ambiente, uma mistura de produtos químicos é comumente encontrada no ecossistema. Nesse caso, o parâmetro para avaliar a contaminação causada ocorre pela presença dos hidrocarbonetos totais de petróleo (TPH, da sigla em inglês).
Os TPH podem incluir compostos como hexano, benzeno, naftaleno, tolueno, xileno, fluoreno, óleos minerais e componentes de gasolina. Esses elementos, além de tóxicos e nocivos à saúde, causam graves consequências ao meio ambiente, pois são capazes de se dispersar no solo ou nas águas, sejam elas superficiais ou subterrâneas.
Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos
Alguns dos TPH, como o benzeno e o naftaleno, por exemplo, podem ser classificados como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH, da sigla em inglês), formando poluentes orgânicos persistentes (POP). Os POP podem entrar na cadeia alimentar com características de bioacumulação (se acumulando nos organismos), biomagnificação (tendem a aumentar de concentração ao longo da cadeia alimentar) e apresentam toxicidade aguda, são cancerígenos e mutagênicos. Além disso, os PAH possuem características hidrofóbicas, o que significa que esse contaminante tende a ficar depositado fora da água, acumulando-se em sedimentos.
Resultado das análises
De acordo com os pesquisadores, com as amostras colhidas foi possível definir as concentrações de TPH e PAH presentes nos 24 locais escolhidos para coleta. Além disso, com o uso de alguns parâmetros bioindicadores, foi possível determinar o tempo de contaminação da região pesquisada. Em relação a estrutura da comunidade de microrganismos, foram analisados os riscos de contaminação de cada região, bem como os níveis de poluição.
Em todas as amostras foram detectados hidrocarbonetos. De acordo com os bioindicadores, algumas delas são bem antigas, coincidindo com áreas exploradas na década de 1970. Em relação a diversidade microbiana, os principais grupos de bactérias encontrados nos sedimentos são normalmente associadas a solos contaminados por hidrocarbonetos.
Um outro estudo, publicado pelo Moscow University Biological Sciences Bulletin, analisou sedimentos do rio Kamenka, na Rússia, que corre por um território explorado pela indústria de petróleo e gás natural, apesar de não haver instalações próximas ao rio. As bactérias encontradas nos sedimentos dos rios amazônicos se mostraram compatíveis com as detectadas no rio russo. Além disso, a pesquisa russa destacou que todos os sedimentos estavam altamente contaminados com hidrocarbonetos, apesar da ausência de instalações nas proximidades do rio.
Altas concentrações de contaminantes
As análises equatorianas também mostraram que as maiores concentrações de TPH e PAH foram encontradas em sedimentos do rio Blanco Chico, que é rodeado de blocos de extração de petróleo e gás natural. Além disso, no rio Indillana também foram detectadas altas concentrações de TPH e PAH. Já na margem Sul do rio Napo, os TPH demonstraram maior concentração.
A análise das amostras alerta para a presença de uma contaminação generalizada com hidrocarbonetos em áreas sensíveis da Amazônia equatoriana. Além disso, segundo os pesquisadores, o contaminante foi encontrado inclusive em regiões em que não se esperava que houvesse contaminação.
Em conclusão, as análises provaram como a exploração de petróleo na Amazônia pode trazer profundas consequências ao meio ambiente, por muito tempo, já que foram detectados contaminantes originados em derramamentos que ocorreram décadas atrás.
Maior ocorrência de doenças graves
Além disso, duas das amostras de solo, comprovadamente contaminadas, foram coletadas próximas a duas fazendas de piscicultura. Esse fato, segundo a publicação, aumenta as chances dos habitantes da região e dos consumidores dos peixes, de sofrerem com câncer e outros problemas de saúde, além de aumentar o risco de abortos espontâneos em gestantes.
Um estudo, publicado pela University of Southern California, mostrou que houve um aumento progressivo de casos de câncer entre os moradores das províncias de Orellana e Sucumbios. Nessas regiões, o número de crianças de até quatro anos com leucemia é três vezes maior do que no resto do Equador.
Outro estudo, publicado no Toxicology Reports Journal da Elsevier, mostra que nessa mesma região, também foi detectada uma maior ocorrência de casos de anemia em homens. Ambos estudos relacionam a contaminação por hidrocarbonetos com o desencadeamento das doenças apontadas.