Por Sarah Lídice em Jornal da USP – Uma pesquisa, que reuniu dados de mais de 800 mil pessoas, concluiu que a cada hora que uma pessoa matutina acorda mais cedo, seu risco de desenvolver depressão grave poderia ser reduzido em 23%. Os autores estudaram especificamente como era a relação entre ser matutino e desenvolver depressão, usando um banco de dados genéticos do Reino Unido. Com uma técnica de genética estatística chamada randomização mendeliana, estimaram se a pessoa era matutina ou não.
Publicado na Jama Psychiatry e desenvolvido por pesquisadores da University of Colorado Boulder e do Broad Institute of MIT and Harvard, esse é um trabalho importante, segundo a professora Cláudia Moreno, da Faculdade de Saúde Pública da USP, porque fornece dados quantitativos para avaliar melhor os riscos associados à falta de sono.
A interpretação dos resultados poderia ser extrapolada para populações com características similares às de áreas urbana que participaram do estudo. E eles acendem um alerta para a questão da manutenção do ritmo biológico e dos impactos da falta de sono para a saúde. “É importante a gente pensar que, se você fica sem comer, sem beber água, você morre. Mas você também morre se você ficar sem dormir. E não demora muito. Dependemos, de fato, do sono para viver”, alerta a professora, que é especialista em estudos do sono.
As funções do organismo são sequenciais e seguem o chamado ritmo circadiano. Quando as pessoas vão dormir, o hormônio melatonina aumenta, deixando de ser produzido no momento do despertar. Começa então a liberação de cortisol, responsável pelo estado de alerta, que vai se esvaindo até que haja novamente o início de liberação de melatonina, preparando o corpo para o descanso.
Essas funções são um preparatório para o organismo dormir à noite e ficar acordado durante o dia, porque a espécie humana é diurna. Mas há uma pequena variação, chamada de cronotipo: há pessoas mais matutinas — que foram o foco do estudo —, vespertinas e ainda aquelas intermediárias, que não sofrem tanto com o dormir e acordar cedo ou muito tarde.
Essas características são determinadas geneticamente e sofrem influência de alguns fatores ambientais, como a exposição à luz, o fotoperíodo (número de horas de luz natural existente em um dia) e também da vida social da pessoa. A quebra desse ciclo, com a inversão dos ritmos biológicos, não está relacionada somente à depressão, que foi o foco do estudo. Outras pesquisas mostram evidências dos riscos para a saúde em trabalhadores de turno, por exemplo, por conta das restrições de sono.
“A principal evidência dessas alterações vem de pessoas que tentam inverter essa relação que a gente tem com o claro e o escuro”, explica a professora, quando as pessoas ficam acordadas durante a noite, o período escuro, e tentam dormir durante o dia. “Já sabemos, por exemplo, que esse sono diurno é menor em pelo menos duas horas em média para as pessoas que trabalham à noite.”
Uma série de doenças está associada à inversão prolongada do dia e da noite, o que altera o ciclo natural de sono. Caso isso ocorra cronicamente, aumentam as chances de desenvolver problemas gastrointestinais, cardiovasculares, câncer de próstata nos homens e câncer de mama nas mulheres. “O risco aumenta muito, dependendo das características e do tempo dessa inversão”, diz a professora, com efeitos diferenciados em quem passa uma noite acordada ou em quem passa vários anos com a rotina desregulada.
No caso de gestantes que trabalham à noite, a desregulação do ciclo natural de sono pode estar associada a abortos espontâneos e à diminuição do peso do bebê ao nascer. São riscos associados ao trabalho noturno, como explica Cláudia: “Quando conseguirmos divulgar isso para a população e as pessoas começarem a prestar um pouco mais de atenção nas necessidades delas, vamos conseguir dizer, por exemplo, que gestante não deveria trabalhar à noite”.
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