Sistema utiliza barco e drone autônomos para monitorar vazamentos de óleo em plataformas de petróleo offshore
Por Domingos Zaparolli em Revista Pesquisa Fapesp – Um novo sistema autônomo procura aumentar a eficiência do monitoramento marítimo e reduzir o tempo de resposta diante da ocorrência de vazamentos de óleo em plataformas marítimas de extração de petróleo. Batizado de Ariel (acrônimo para Autonomous Robot for Identification of Emulsified Liquids), o conjunto de máquinas combina uma embarcação, denominada Tupan, e um drone que trabalham de forma integrada, coletando dados visuais e amostras na água. “Não existe nada similar no mundo. Até onde sabemos, é o único sistema autônomo de dupla verificação e o único capaz de fazer coletas de amostras no mar sem presença humana”, diz o engenheiro eletricista Alessandro Jacoud, professor do Programa de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do projeto.
O Ariel se encontra em fase de protótipo funcional, sendo que os primeiros testes já foram realizados na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e outras avaliações serão feitas em alto-mar este ano. O conjunto de equipamentos está sendo desenvolvido pelo Grupo de Simulação e Controle em Automação e Robótica, inserido no Programa de Engenharia Elétrica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ em parceria com a startup Tidewise e a empresa de exploração e produção de óleo e gás Repsol Sinopec. Em novembro de 2021, conquistou o Prêmio de Inovação Tecnológica 2020 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) na categoria Redução de Impactos Ambientais e Energias Renováveis.
A embarcação Tupan tem propulsão híbrida (diesel e elétrica), com autonomia para até 12 dias. Em uma segunda fase de desenvolvimento está previsto o funcionamento em campo por pelo menos 30 dias ininterruptos. O barco, com 5 metros (m), é responsável por levar o drone até as áreas predeterminadas para o monitoramento. A vistoria tem periodicidade e roteiro estabelecidos de acordo com as necessidades definidas pelos operadores da plataforma de petróleo. No local, o drone decola automaticamente para sessões de voos livres que podem durar até 30 minutos. Esgotado esse tempo, o veículo retorna à embarcação para recarregar a bateria.
Dotado de sensores de localização, câmera de vídeo e câmera térmica com sensor infravermelho, o drone aciona a embarcação quando detecta indícios da presença de óleo – isto é, quando identifica uma mancha de cor ou temperatura diferente na água. A informação é enviada imediatamente ao Tupan, que segue até o local para a coleta de amostra de água e a realização de testes com sensores fluorímetros, que medem a fluorescência da amostra e fornecem a possível contraprova da impureza. A confirmação da presença de óleo gera um alerta para a central de monitoramento em terra e para as plataformas de petróleo próximas, que adotam as medidas necessárias.
“O Ariel permite uma rápida resposta de acionamento das embarcações empregadas na operação de contenção e limpeza, além de eliminar alarmes falsos de vazamento”, detalha Marcelo Andreotti, gerente de Pesquisa em Instalações de Produção e Operações na Repsol Sinopec Brasil. Hoje, os sistemas predominantes de monitoramento funcionam com dados coletados por satélites que utilizam radares de ondas eletromagnéticas para a leitura da rugosidade da superfície marítima e também por sensores instalados próximos às plataformas.
Inteligência artificial
Segundo o engenheiro civil Luiz Landau, professor da UFRJ e coordenador do Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia da Coppe, para acelerar o processo e reduzir a ocorrência de falsos positivos, os dados coletados por satélite são processados com o auxílio de inteligência artificial. O óleo altera a rugosidade e a cor da superfície do mar. Na imagem processada do satélite, essa alteração aparece como uma mancha escura. No entanto, nem tudo que é escuro é óleo. O falso positivo ocorre, por exemplo, quando há uma concentração de algas ou chuva intensa que emitem sinais de rugosidade parecidos com as manchas de óleo.
Todo o procedimento, desde a recepção dos dados do satélite até a análise pelo sistema, pode demorar entre quatro e cinco horas. A agilidade da resposta também depende da quantidade de imagens de satélites contratados, uma vez que os dados só são capturados quando cada satélite passa pela área de monitoramento. “É um sistema eficiente, mas ainda um pouco lento. O Ariel aspira proporcionar informações em tempo real, reduzindo substancialmente o risco de erro de interpretação”, avalia Landau.
Em campos de petróleo onde o monitoramento por satélite não é constante e as informações coletadas são insuficientes para saber se há mesmo vazamento de óleo, é necessário o encaminhamento de uma embarcação tripulada até o local para a coleta de amostra e realização da contraprova. O procedimento demanda tempo, recursos financeiros e exposição a atividades em áreas de risco. “O Ariel aumenta a segurança e a eficiência do monitoramento e, consequentemente, diminui os custos associados a essa tarefa”, afirma Andreotti.
Os principais desafios técnicos que tiveram de ser superados no projeto estão relacionados às rotinas de controle do drone necessárias para suas tarefas de decolagem, voo e pouso. Jacoud relaciona quatro fases distintas de operação, todas realizadas com o auxílio do Sistema de Posicionamento Global (GPS), sensores, câmeras de vídeo e softwares que ajustam a trajetória.
A primeira fase da operação é o ato do drone levantar voo sozinho e sobrevoar a embarcação, desviando de obstáculos como o mastro. A segunda é a trajetória do drone no circuito pré-programado da área de monitoramento, superando incertezas como força do vento e a altura indeterminada de ondas. O veículo aéreo também precisa sobrevoar e parar de forma estável sobre o local onde há uma possível ocorrência de vazamento, para garantir a qualidade da amostra visual coletada.
A terceira tarefa é a localização do Tupan, que se move com a correnteza, e a programação da volta em tempo hábil de acordo com a autonomia da bateria. O drone é programado para não sair de uma área onde a comunicação com o barco é mantida via rádio, algo entre 2 e 3 quilômetros de raio, dependendo dos obstáculos, reduzindo riscos operacionais.
A quarta fase da operação é a mais problemática. “Achar o barco não é um grande desafio técnico, mas o pouso é”, comenta Jacoud. O vento e o balanço do mar, principalmente quando a água está agitada, dificultam o procedimento. O veículo aéreo precisa realizar a aproximação evitando o mastro, achar o ponto preciso que deve ocupar na embarcação – em uma espécie de heliponto – e fazer o cálculo da trajetória e velocidade do pouso.
O projeto Ariel começou em 2019 e recebeu R$ 7,3 milhões de investimentos da Repsol Sinopec na primeira fase. Em novembro de 2021 iniciou a segunda etapa de desenvolvimento, com duração prevista de 18 meses. Uma nova embarcação está sendo projetada pela Tidewise, startup fundada pelos sócios Rafael Coelho, engenheiro naval, e Sylvain Joyeux, engenheiro francês de software, que foi pesquisador do Centro Alemão de Pesquisa para Inteligência Artificial (DFKI GmbH). “O novo barco terá mais de 12 metros e provavelmente utilizará combustíveis não fósseis, como impulsão a hidrogênio, com autonomia para 35 dias em mar”, detalha Coelho.
A embarcação também terá novas funcionalidades e sensores de leitura de amostras cuja configuração ainda não está completamente definida. “Um dos nossos objetivos será determinar a estrutura química do óleo encontrado de modo a saber qual é seu campo produtivo de origem”, antecipa Coelho. A informação é importante para identificar de qual plataforma o óleo está vazando e acelerar a interrupção das operações, evitando a expansão da mancha de óleo.
Outra funcionalidade desejada é preparar o sistema computacional, que simula as condições meteoceanográficas em tempo real, para alimentar modelos de dispersão de óleo no mar, permitindo uma ação preditiva de contenção de danos. Para Luiz Landau, com essas duas novas funcionalidades, o Ariel deverá mudar de patamar e se tornar um sistema completo de monitoramento de vazamento de óleo em plataformas marítimas.
O sistema também está sendo testado para atuação em outras atividades offshore. Em junho de 2021, a Tidewise venceu o Open Innovation Challenge promovido pelo Grupo Elia, um dos principais geradores de energia elétrica da Bélgica, em parceria com a empresa de transmissão elétrica alemã 50 Hertz. O certame reuniu 78 startups de vários países que desenvolvem soluções inovadoras para diversas aplicações relacionadas à geração e transmissão de energia offshore.
Além do prêmio de € 20 mil, a Tidewise terá a oportunidade de testar seu sistema de monitoramento em parques eólicos offshore do Elia na Bélgica. “Em um primeiro momento, vamos fazer a inspeção visual autônoma das plataformas e turbinas eólicas e dos cabos elétricos submarinos que fazem a transmissão da energia até a terra”, informa Coelho. Para Marcelo Andreotti, da Repsol Sinopec, o Ariel tem um grande potencial de aplicação além do monitoramento da produção de petróleo. “É um sistema com várias possibilidades de aproveitamento para o monitoramento de dados relevantes para controle ambiental”, afirma.
Este texto foi originalmente publicado por Revista Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.