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Com diálogo e envolvimento da população, São José dos Campos substituiu vagas para carros por calçadas e obteve apoio dos comerciantes

A transformação das cidades construídas para os carros em ambientes que priorizam o bem-estar e a mobilidade de todas as pessoas pode tornar os centros urbanos mais resilientes e inclusivos. Não é trivial mudar ideias e práticas tão arraigadas no planejamento das cidades. Mas um novo relatório do WRI Brasil, “Ruas Completas no Brasil – Promovendo uma mudança de paradigma”, mostra que a mudança foi semeada e já gera frutos.

publicação documenta o resultado de quatro anos de atuação da Rede Nacional para Mobilidade de Baixo Carbono, iniciativa do WRI Brasil e da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) que reuniu 21 cidades brasileiras comprometidas com a mudança do paradigma no desenho das ruas e das cidades.

novo relatório detalha intervenções de ruas completas em CampinasCuritiba, Juiz de Fora, Niterói, Porto AlegreSalvador, São José dos Campos e São Paulo. Elas foram apresentadas ao público durante um webinar de lançamento, em que técnicos, gestores e especialistas debateram como a mudança de abordagem proposta pelas ruas completas pode ser incorporada ao planejamento e ajudar cidades a vencer barreiras para a transformação.

Conceitos que transformam práticas

Um dos trunfos das ruas completas é sua flexibilidade: é possível – e essencial – elaborar projetos adaptados ao contexto de cada rua, com sua vocação, seus frequentadores e demandas. “Cidades são muito complexas, e o conceito de ruas completas traz esse dinamismo”, explicou Paula Santos, gerente de Mobilidade Ativa do WRI Brasil. “Ruas completas e padronização não combinam.”

Os oito estudos de caso do relatório são prova disso. Em comum, as intervenções redistribuíram o espaço público priorizando o conforto e a segurança de todas as pessoas e incentivando a mobilidade sustentável. Os contextos e objetivos, no entanto, são únicos.

“São Paulo usou o conceito para melhorar o acesso a uma importante estação do transporte coletivo, com uma obra de baixo custo. Juiz de Fora demonstrou um melhor arranjo para o comércio informal. Salvador se valeu de um plano de transformação do centro histórico para tornar a rua melhor para as pessoas, com mais espaço para pedestres e ciclistas e para a convivência. Em Porto Alegre, a baixa vitalidade durante o dia incentivou a prefeitura a transformar a rua, envolvendo a população”, resumiu Paula.

Também são múltiplos os benefícios. “São José dos Campos valorizou a economia local realizando, inclusive, uma parceria com os comerciantes para fazer a zeladoria do mobiliário urbano instalado. Campinas envolveu alunos de uma escola para qualificar a rua com mais segurança e espaço de convivência. Curitiba mostrou que é possível prover acessibilidade universal em uma rua do centro histórico. E Niterói aliou a melhoria da mobilidade com pavimentos drenantes para tratar dos alagamentos recorrentes na área”, finalizou Paula.

Autores do relatório comentam as experiências em oito cidades brasileiras


Resiliência, inclusão, acesso: ruas completas permitem que cidades se transformem pouco a pouco, enfrentando grandes desafios urbanos, em linha com as agendas globais de combate às mudanças climáticas e redução das desigualdades. O que falta, então, para que essas intervenções se multipliquem e impulsionem a transformação das cidades?

Envolvimento da população

As experiências apontam caminhos para dar escala à mudança: articulação entre diferentes atores; envolvimento da população nas intervenções desde sua concepção; quebra de mitos e medos – como o de que redistribuir o espaço viário seja ruim para o comércio ou gere congestionamentos.

São José dos Campos aprendeu, na prática, que a participação da comunidade determina o sucesso – ou o fracasso – de uma intervenção. A prefeitura já havia retirado áreas de estacionamento para aumentar calçadas em uma rua comercial e, na ocasião, foi duramente criticada pelos comerciantes. Com a rua Coronel José Monteiro, um dos casos do novo relatório, acertou o prumo. “Fizemos uma pesquisa com apoio do WRI Brasil, um trabalho de convencimento, apresentação do projeto, reunião na associação comercial”, explica Paulo Roberto Guimarães Júnior, secretário de Mobilidade Urbana de São José dos Campos.

O resultado? “Hoje há uma demanda gigantesca para que todas as ruas do centro recebam projetos de ruas completas”, diz Guimarães. “Temos que quebrar o paradigma de que as soluções têm que ser pensadas por grupos em separado. Quando a gente traz todo mundo junto, a gente consegue evoluir.”

Senso de oportunidade

O relatório mostra que superar os entraves e conflitos iniciais vale a pena. Transformar as ruas com foco nas pessoas é como andar de bicicleta: depois dos primeiros quilômetros, a prática é assimilada e a população compreende os benefícios. A partir daí, pode-se fazer de toda obra viária uma oportunidade para qualificar o ambiente urbano e a mobilidade – mesmo em contextos adversos, como a crise econômica e a própria pandemia.

“Uma das grandes lições da pandemia foi sobre a importância de uma distribuição justa e equitativa do espaço público e viário nas cidades”, lembrou Guilherme Cipullo, moderador do webinar de lançamento e responsável pela frente de Mobilidade Urbana na área de relações institucionais do Itaú Unibanco, apoiadora do programa de Ruas Completas.

Belo Horizonte entendeu rápido a lição. “Vimos na construção de ciclovias uma alternativa possível, viável e necessária [para a mobilidade segura na pandemia]”, explicou Eveline Trevisan, coordenadora de Sustentabilidade e Meio Ambiente da BHTRANS. “Fizemos avanços significativos na malha cicloviária, interligando pontos importantes, e foi o momento em que senti menos resistência de colocar o assunto em pauta”, completou.

Das ruas completas às cidades que queremos

Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do WRI Brasil, ressaltou que a pandemia reforça o que já sabemos sobre a necessária transformação das cidades. Lindau mencionou uma pesquisa realizada pela prefeitura de São Paulo e pela USP há cerca de uma década, que apontou que os paulistanos desejavam uma cidade com deslocamentos de, no máximo, 30 minutos ao trabalho e 15 minutos a parques. “Isso já nos diz o que fazer numa cidade”, ponderou.

Para Gilberto Perre, secretário executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o momento é favorável para a transformação. “Toda esta agenda, não só do transporte sustentável, mas de como se ocupam espaços públicos, como taxar estacionamento, como lidar com o tema dos aplicativos, como redesenhar o espaço urbano para que seja mais acolhedor, é uma agenda cada vez mais presente e que veio para ficar”, afirmou Perre.

Lindau concluiu: “A infraestrutura no mundo vai ser mudada massivamente nos próximos anos. Precisamos mudar para melhor. Temos uma grande oportunidade, desde que façamos a coisa certa.”

Assista ao webinar:

Vídeo: O que são Ruas Completas?

Vídeo: Ruas Completas – Quais os desafios para implementação?


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