Técnica secular garantia a conservação do leite quando a refrigeração ainda não tinha sido inventada
Antes da invenção da geladeira, alguns povos da Rússia e da Finlândia tinham o hábito de colocar um sapo dentro do recipiente de armazenamento do leite. Essa prática perdurou até metade do século XX em algumas áreas rurais, mas ninguém sabia explicar o porquê dessa prática; só sabiam que dava certo.
Agora, a ciência explica que as peles de algumas espécies de sapos e rãs produzem peptídeos antibióticos. Esses peptídeos impedem que o leite azede sem a refrigeração e, ao serem ingeridos junto com leite pelo ser humano, protegem o organismo da pessoa de ser infeccionado pelas bactérias que ainda estão ali presentes no líquido.
Em 2010, pesquisadores dos Emirados Árabes Unidos relataram, em publicação científica, a descoberta de mais de 100 substâncias antibióticas nas peles de sapos e rãs de todo mundo. Elas os protegem contra as bactérias dos habitats úmidos, local onde vivem. Dentre elas, foi descoberta uma substância que poderia ser usada no combate de uma superbactéria chamada “iraqibacter”. Essa infecção tem sido resistente a drogas e é conhecida por afetar os soldados feridos no Iraque. A doença pode ser combatida com um composto encontrado na pele de um sapo nativo da América do Norte. “Pele de rã é uma excelente fonte potencial de tais agentes antibióticos”, disse o principal autor da pesquisa, Michael Conlon, em um comunicado sobre o estudo. “Eles têm uma evolução de 300 milhões anos, então tiveram muito tempo para aprenderem a se defender contra os micróbios causadores de doenças no ambiente. Seu próprio ambiente inclui águas poluídas, local no qual fortes defesas contra patógenos são uma obrigação.”
A espécie Rana temporaria, que habita a região da Eurásia, no hemisfério norte, até o círculo polar Ártico, tem sido pesquisada pela Universidade de Moscou por ter sido a espécie mais comumente utilizada para a conservação do leite. Eles identificaram 97 antibióticos a partir dela, inclusive contra a Salmonella e o Staphylococcus.
Outras espécies de anfíbios também podem atrasar a deterioração do leite, mas isolar esses peptídeos para fazer medicamentos é um pouco mais complicado. Os sapos e rãs também contém substâncias tóxicas para os humanos e os cientistas ainda não conseguiram isolar a fórmula molecular correta.
É sabido que, muitas vezes, essa atenção toda com relação aos sapos significa problemas para a vida selvagem, mas os pesquisadores afirmam que a busca por antibióticos é sustentável. “Nós realmente só usamos os sapos para obter a estrutura química do antibiótico e então fazê-la no laboratório”, diz Conlon. “Tomamos muito cuidado para não prejudicar essas criaturas delicadas e devolvê-las à vida selvagem após esfregar a pele para as secreções preciosas”. Mas isso não significa que esses anfíbios estão a salvo. Quase um terço de todas as espécies de anfíbios conhecidas estão ameaçadas de extinção, segundo a Lista Vermelha da IUCN, classificando-os entre os animais mais ameaçados do planeta. As principais ameaças incluem perda de habitat, espécies invasoras, doenças infecciosas, alterações climáticas, pesticidas e poluição, bem como a colheita de alimentos e do comércio de animais.
Mas, voltando ao “sapo no leite”, graças à ciência moderna, agora é sabido como o método funciona e o por quê. É claro que, a ciência também nos ensinou sobre doenças zoonóticas, portanto, conservar o leite junto com sapos e rãs não é muito recomendável, a não ser que seja uma questão de sobrevivência.