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Comunidade acadêmica debate sobre a importância da divulgação científica e da alfabetização científica para disseminar conhecimento entre a população, sobretudo nas escolas

Embora a ciência climática tenha avançado muito nos últimos anos – seja em modelagem ou na avaliação de riscos e impactos – parte da sociedade ainda põe em dúvida o conhecimento científico acumulado sobre o assunto. Essa situação sui generis tem sido observada no Brasil e em outros países que lideram as pesquisas na área.

Para piorar a situação, esse ceticismo ocorre no mesmo período em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas alerta para a urgência de medidas para reduzir do ritmo das mudanças climáticas.

“As mudanças climáticas são um dos maiores exemplos de como a ciência é importante para a sociedade. Porque foi a ciência que descobriu que esse fenômeno estava e está ocorrendo. Isso já há décadas”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, na abertura da reunião anual do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), ocorrido na semana passada.

A reunião, que teve como proposta avaliar os 10 anos do programa, lançado em 2008, e propor novas abordagens, serviu também como reflexão para a importância da divulgação científica e da alfabetização científica – mais conhecida pelo termo em inglês science literacy, que tem por objetivo disseminar o conhecimento e o método científico para a população em geral, sobretudo nas escolas.

“Precisamos de excelência na ciência e também na comunicação com a sociedade, que sofre os impactos desse fenômeno”, disse Brito Cruz. “Não é questão de opinião, é uma questão comprovada por pesquisa, medição, teste e verificação há muitos anos por cientistas em todo o mundo. O que eu percebo é que nós brasileiros, mas também cientistas americanos, franceses e ingleses, não estamos conquistando os corações e mentes”, disse.

Entre 2008 e 2018, a Fapesp investiu R$ 276 milhões em pesquisa sobre o tema mudanças climáticas globais e R$ 151 milhões em estudos que fazem parte do programa.

“Um terço é por meio de colaboração internacional, ou seja, a cada R$ 1 da Fapesp outra agência internacional deposita também o equivalente a pelo menos R$ 1. Isso amplia recursos”, disse Brito Cruz.

Mudanças climáticas é a área de pesquisa mais internacionalizada na Fapesp, destacou Brito Cruz. Nesse campo, 80% dos artigos publicados por cientistas paulistas são feitos em colaboração com colegas de outros países. A média do Estado de São Paulo é 40%.

“A Amazônia é fundamental para o estudo das mudanças climáticas e a Fapesp é a agência com a maior carteira de pesquisa nesse bioma. Então, não acreditem quando dizem que não existe pesquisa brasileira sobre a Amazônia”, disse.

Descarbonizar a atmosfera

Na reunião do PFPMCG, os participantes destacaram também que, além de fazer ciência eficiente, é preciso conectar os resultados com os benefícios econômicos e sociais das pesquisas. Nesse sentido, estudos que integrem as ciências sociais e os temas cidades e saúde ganham relevância, por exemplo. Outra área que precisa ganhar espaço é o estudo das mudanças climáticas nos oceanos.

De acordo com os cientistas que participaram do evento, é preciso também estudar medidas e a modelagem de descarbonização da atmosfera.

“Se somarmos tudo que os países se comprometeram ao adotar no Acordo de Paris, em 2015, não vamos conseguir limitar o aquecimento global em 1,5ºC. Se tudo for feito, deve ficar acima de um aumento médio de 3ºC. Vamos precisar dos cientistas”, disse Thelma Krug, membro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do IPCC.

Isso quer dizer que, além de reduzir as emissões de dióxido de carbono, será necessário também descarbonizar a atmosfera. Na reunião, foram apresentadas variáveis que devem ser incluídas nas modelagens climáticas com essa nova realidade. Entre as variáveis está a resposta da natureza frente às mudanças climáticas.

“Basicamente, descobriu-se que a fotossíntese fica mais eficiente quando tem mais CO2 na atmosfera, assim como o aumento na capacidade de estocagem de carbono nos oceanos. Porém, quanto mais se retira CO2 ativamente [por tecnologias de descarbonização], menos a natureza trabalha. Os processos vão diminuindo e deixam de ficar eficientes”, disse Marcos Heil Costa, professor do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Segundo Costa, isso torna a modelagem climática mais complexa e os processos de descarbonização ainda mais caros.

Dados abertos e impactos nas cidades

A maioria dos participantes do encontro destacou a necessidade da criação de um programa de dados abertos para os cientistas.

“Extraímos dados para produzir conhecimento. Portanto, precisamos já no início do projeto determinar a gestão e os processos de análise de big data. Temos exemplos de boa gestão e análise de big data”, disse Pedro Luiz Pizzigatti Corrêa, professor do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

O aspecto urbano foi outro ponto que deve ganhar relevância nos estudos de mudanças climáticas. “Os cientistas pensam no futuro mas as cidades ainda são pensadas como no século 19, quando começou a urbanização. Ainda enfrentam problemas de saneamento, mobilidade, lixo”, disse José Puppim de Oliveira, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para Oliveira, os problemas e as soluções estão nas cidades dos países emergentes. “A emissão per capita na China é maior que na Europa enquanto o PIB per capita chinês é mais que a metade do europeu. Isso tem relação com a urbanização”, disse.

Ele comentou que a cidade chinesa de Xangai e a capital paulista têm o mesmo PIB, porém Xangai emite 10 vezes mais CO2. “Isso mostra que é possível melhorar e não é preciso rocket science, já temos as soluções. Elas já existem”, disse.

Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da USP e coordenadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fapesp –, alertou para a agenda ambiciosa.

“As ciências sociais brasileiras precisam se adensar sobre o tema. Olhar para a questão urbana das mudanças climáticas exige um novo modelo de cidade e isso implica um novo estilo de vida e a implementação de políticas públicas”, disse.

A pesquisadora sugeriu que os cientistas climáticos tivessem como base outras políticas públicas no Brasil para formular uma agenda. “Problemas urgentes requerem convencimentos urgentes”, disse. Em sua apresentação, ela usou como exemplo de implementação de políticas públicas a ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos 30 anos.

“Antes de 1988, o padrão do SUS era atender quem tinha carteira assinada. Isso deixava de fora do sistema cerca de 60% da população. Se olharmos historicamente, o SUS incorporou mais da metade da população brasileira. Tem milhões de problemas, mas incorporou. E só conseguiu isso sensibilizando o poder central”, disse.

“A questão das mudanças climáticas exige participação de governos, empresas e cidadãos. Ela requer uma revolução copernicana. Não é trivial, é mais que uma operação de guerra”, disse Arretche.

Problema global com impacto individual

Outro ponto destacado na reunião anual do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais foi a abordagem das mudanças climáticas no nível local e até individual, além de seus impactos em áreas sensíveis da economia, como agricultura, energia, relações internacionais e na saúde do cidadão.

Entre as áreas de estudo que ganham relevância estão o cálculo do risco sistêmico desses setores-chave da economia e o desenvolvimento e implementação de tecnologias que garantam maior eficiência.

“O que comove o agricultor não é a redução das emissões. Ele precisa se manter na atividade agrícola, precisa produzir. Portanto, promover a mitigação, aumentando a eficiência, é o que vai funcionar”, disse Giampaolo Pellegrino, coordenador do Portfólio de Pesquisa em Mudanças Climáticas da Embrapa.

Para Pellegrino, o maior desafio é institucional, não científico. “No caso da agricultura, já temos muitas soluções, mas como tornar isso acessível, fazer com que seja utilizado pela sociedade?”

Ele mencionou como exemplo positivo e institucional a implantação do plano ABC – Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. “O plano conta com uma linha de crédito para que medidas de mitigação sejam implementadas para a agricultura de baixo carbono”, disse.

Segundo Pellegrino, é preciso também municiar o governo federal e os negociadores climáticos que participam das conferências do clima e cúpulas internacionais. “Quando não fazemos isso, perdemos dinheiro”, disse.

A maior eficiência também é uma questão importante no campo energético. “Todas as transformações estão acontecendo não por causa de uma aflição com as mudanças climáticas, mas porque elas são mais eficientes, gastam menos energia e, portanto, são mais interessantes”, disse José Goldemberg, professor da USP e ex-presidente da Fapesp.

Para Goldemberg, a competição entre os países industrializados é importante para aumentar a eficiência energética e, com isso, reduzir as emissões.

Na saúde não é muito diferente. “Análises do número de mortes por variação de temperatura, mostram que vamos morrer de acordo com o nosso CEP [Código de Endereçamento Postal]. As cidades precisam estar preparadas para as mudanças climáticas. Há muita vulnerabilidade e nós cientistas precisamos mostrar que as mudanças de hábito são para benefício próprio”, disse Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP.



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