Por André Julião | Agência FAPESP – Um grupo internacional de pesquisadores apoiado pela FAPESP realizou o cruzamento de milhares de dados sobre o funcionamento do sistema imune de pacientes com COVID-19 e estabeleceu possíveis fatores para explicar a menor incidência de casos graves entre mulheres. As informações possibilitam o estudo de possíveis alvos terapêuticos para a doença, podendo reduzir a incidência de casos graves. Os resultados foram divulgados na plataforma medRxiv, ainda em versão preprint (sem revisão por pares).
“Percebemos que as mulheres conseguem responder mais apropriadamente ao vírus. O sistema imune feminino ativa respostas de citocinas de forma bem intensa, porém, não tanto de determinados tipos que poderiam causar danos aos órgãos. Ao mesmo tempo, nas mulheres infectadas é reduzida a expressão de genes dos neutrófilos, que são células que podem causar dano tecidual, algo crítico na COVID-19”, explica Otávio Cabral Marques, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador do estudo.
A FAPESP apoia a pesquisa, à qual estão vinculados outros três projetos, dois deles coordenados por Marques, além da bolsa de pós-doutorado no ICB-USP de Paula Paccielli Freire, primeira autora do trabalho.
Com o auxílio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores analisaram dados genômicos disponíveis publicamente no repositório GEO Database (Gene Expression Omnibus). As informações foram obtidas de material coletado de secreções da nasofaringe e de exames de sangue, somando mais de mil pacientes com COVID-19. Ao cruzar as informações, o grupo concluiu que as mulheres de várias faixas etárias têm um perfil imunológico mais parecido ao de pacientes jovens, enquanto os homens se assemelham aos mais velhos. É sabido, desde o surgimento do novo coronavírus, que o segundo grupo tem uma pior resposta à infecção pelo SARS-CoV-2.
Não se sabe por que razão as mulheres têm maior proteção ao vírus. Uma vez que vários receptores para hormônios femininos são expressos no sistema imune, porém, é possível que isso colabore para que as pacientes tenham uma imunidade mais desenvolvida.
Outro fator que poderia explicar as diferenças seria o estilo de vida dos pacientes, como uma menor ocorrência de tabagismo e alcoolismo entre as mulheres, por exemplo. Esse tipo de informação, porém, não estava disponível nos bancos de dados usados. “Talvez seja uma combinação desses diferentes fatores, hormonais e comportamentais, mas não temos como saber com as informações de que dispomos”, diz Marques.
O grupo encontrou uma série de vias de sinalização molecular diferentemente expressas em homens e mulheres. Esses conjuntos de genes podem ser alvos para futuros tratamentos. Fármacos já conhecidos por regular essas vias poderiam ser usados para inibir, por exemplo, a expressão excessiva de citocinas. Essas moléculas são liberadas pelo organismo para se defender do vírus, mas em excesso podem causar danos aos órgãos, principalmente o sistema respiratório, podendo levar à morte.
A inibição de algumas dessas vias, como as chamadas CXCR2 e IL1beta, tem tido resultados promissores em experimentos com doenças autoimunes. Esse tipo de tratamento poderia ser uma alternativa para evitar o agravamento dos casos de COVID-19 tanto em homens como em mulheres de todas as idades.
“Os resultados trazem informações úteis para o tratamento. Embora o estudo dê sugestões de por que os homens são mais suscetíveis à forma grave da doença, em qualquer pessoa essas vias parecem ser importantes no agravamento dos casos. Um paciente internado, antes de começar ter um comprometimento do pulmão, por exemplo, poderia receber um medicamento para fazer a inibição de uma dessas vias, evitando uma inflamação excessiva. É uma hipótese que queremos investigar”, afirma o pesquisador.
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