Pesquisa leva em consideração o tempo de locomoção do usuário – o dado é chave na elaboração de políticas públicas efetivas no campo
Por Camilla Almeida em Jornal da USP | São Paulo é a capital com a maior quilometragem de ciclovias do País: de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), são 699,2 km de vias espalhadas por toda a cidade. Com a expansão das rotas cicloviárias, uma pesquisa realizada pela Escola Politécnica (Poli) da USP estudou a rentabilidade do transporte por bicicleta sob o aspecto do tempo de locomoção do usuário. Foram avaliados projetos com diferentes níveis de tráfego em 168 situações diferentes, classificados como produtivos ou não.
“É preciso saber a velocidade em que os ciclistas transitam, quanto custa o tempo de viagem desses usuários, qual é o preço da infraestrutura da ciclovia. Você precisa ter toda essa informação regional para preparar planos”, destaca a pesquisadora. De acordo com os resultados obtidos, projetos com estimativa de tráfego maior que 1000 bicicletas por dia são os que têm a maior chance de retorno socioeconômico. As vias consideradas de “baixo tráfego” (500 a 750 bicicletas por dia) apresentaram grandes riscos de rentabilidade, uma vez que, embora tenham demanda, esta se mostra muito dispersa e incompatível com os custos de manutenção e operação das ciclovias.
Para realizar essa análise foi utilizada a quarta versão do software Highway Development and Management (HDM-4), tipicamente empregado no planejamento de rodovias. O HDM-4 é usado para verificar a aplicabilidade e realizar uma avaliação econômica de projetos nesse campo. Ele colabora com a construção de melhores políticas de gestão, além de otimizar investimentos públicos. “O emprego do software para a parte de tráfego não motorizado não é muito conhecido e utilizado. O nosso objetivo era resgatar e entender por que esse modelo é passível de análise no HDM-4, e como ele poderia ser mais bem aproveitado”, explica Luisa Arango, primeira autora do estudo, ao Jornal da USP.
As informações alcançadas por Luisa Arango são importantes para a formulação de políticas públicas voltadas à implementação de ciclovias na cidade. “Afirmar que a ciclovia é positiva é possível sempre quando a ciclovia estiver bem planejada. É essencial que ela faça parte de uma rede estratégica e conectada”, diz a pesquisadora. “Vejamos a malha metroviária. Quando as linhas são interligadas, estabelecendo um tráfego intermodal, seu impacto é muito positivo. Mas quando elas ficam isoladas e não se ligam a outros sistemas, seu efeito não é tão positivo assim. Isso não quer dizer que a estrutura seja ruim, é que o planejamento pode melhorar.”
Demanda por ciclovias
O transporte cicloviário ganhou espaço na capital paulista nos últimos anos: de 2010 até 2020, mais de 500 km de vias foram construídas em São Paulo, de acordo com a CET. Em 2019 um Plano Cicloviário municipal foi traçado, com metas a serem cumpridas até o ano de 2028. Dentre elas, a implantação de bicicletários nas estações de transporte público coletivo; a ampliação do sistema de bicicletas compartilhadas para abranger 100% do território da cidade; e a implementação de mais de 1000 km de infraestrutura cicloviária.
Além disso, o Plano de Ação Climática (PlanClima SP), elaborado pela Prefeitura em 2021, estabelece o objetivo de chegar a 4% de viagens realizadas em bicicleta frente ao total de deslocamentos no município até 2030.
A expansão da malha cicloviária por meio de políticas públicas planejadas e efetivas é uma demanda constante dos chamados cicloativistas, que lutam pelo reconhecimento da bicicleta como um meio de locomoção. Ricardo Neres Machado, diretor-geral da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), ressalta a necessidade do planejamento prévio, com o cruzamento de dados e debate público, antes da execução dos planos de ampliação.
A implementação de ciclovias não pode ser de maneira aleatória. Se toda rua tivesse uma ciclovia ou se não precisássemos de ciclovias, esse seria o mundo ideal. Mas como isso não é uma realidade, elas precisam ser estudadas a ponto de conectar as pessoas”Ricardo Neres Machado
Ele destaca a importância das ciclovias para a segurança daqueles que optam pelo transporte não motorizado e ainda coloca a sua construção como um ótimo modo de incentivar a população a adotar a condução por bicicletas. “Se você tem uma ciclovia que passa próximo a sua casa e que te leva ao seu destino, fica mais propício pensar na bicicleta como meio de transporte. Agora, se você já vive em um bairro com avenidas cheias, com corredor de ônibus e carros passando a 80 por hora, a chance de se encorajar a começar a pedalar é muito distante.”
O crescimento da demanda por ciclovias bem estruturadas e que se conectem entre si desperta a necessidade de ações governamentais adequadas. Visto isso, a análise de rentabilidade promovida pela pesquisa fornece um importante instrumento para a elaboração de tais políticas de mobilidade. “É uma ferramenta que não é específica nem determinante, mas orienta e contribui muito”, diz Luisa Arango. “Analisamos muitas expectativas, muitas possibilidades e investimentos. Isso cria um projeto tão envolvente que pode ser um dispositivo de formulação de políticas públicas.”
Contudo, como a viabilidade econômica é verificada a partir do tempo de locomoção do usuário, os projetos de construção de ciclovias em periferias apresentam uma baixa rentabilidade. Frente a isso, a pesquisadora expõe a necessidade de critérios mais abrangentes para avaliar políticas de planejamento e destaca a possibilidade de impulsionar propostas com a implementação de outras. “É preciso planejar estrategicamente, de tal forma que os projetos que possuem maior viabilidade associados à renda dos seus habitantes constituam uma alavanca para outros projetos com menores possibilidades de rentabilização social”, defende Luisa Arango.
O artigo Economic analysis of bicycle tracks using the HDM-4 model – case study for São Paulo city foi publicado na revista científica Transportes e é produto da pesquisa de mestrado de Luisa Arango na Poli, sob orientação de José Tadeu Balbo.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.