Por Henrique Evers, Lara Caccia, Magdala Satt Arioli, Bruno Incau, Vitor Tornello e Fernando Corrêa, para o WRI Brasil | Soluções baseadas na natureza (SBN) têm se difundido como abordagens eficientes para adaptar as cidades à crise do clima e mitigar os desastres cada vez mais frequentes. Projetos como jardins de chuva, parques lineares, restauração de encostas e agricultura urbana, ajudam a tornar as cidades mais resilientes diante de eventos climáticos extremos, enquanto geram benefícios adicionais para a sociedade, a economia e o meio ambiente.
No Brasil, deslizamentos de encostas, alagamentos e enchentes desafiam os centros urbanos e impactam de modo desproporcional as populações mais pobres e desassistidas. As soluções baseadas na natureza e a criação de políticas públicas para promovê-las têm avançado em algumas cidades. Para a maioria dos municípios, no entanto, as SBN ainda são um conceito novo.
Conhecer casos de sucesso na implementação de SBN pode ajudar mais municípios a iniciarem novos ciclos de adaptação baseada em ecossistemas saudáveis, com inclusão social e redução de vulnerabilidades. A seguir, confira exemplos de cidades brasileiras que têm enfrentado desafios com ajuda da natureza.
Belo Horizonte conta com três jardins de chuva implementados – no Parque JK, na rua Prof. Ricardo Pinto e no Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado. Agora, a cidade planeja implementar outros 60 na Bacia do Córrego do Nado, região norte da capital mineira, a partir de projeto elaborado pela Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU), Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi) e pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap).
O Plano Diretor de Belo Horizonte, de 2019, aponta 44 áreas com elevado risco de inundação na cidade, e a tendência de aumento de 32% em problemas associados a chuvas intensas em decorrência das mudanças climáticas. Melhorar a permeabilidade do solo urbano é um dos desafios da política, que prevê 930 km de conexões arborizadas entre áreas verdes, restauração dos cursos d’água, formação de parques lineares e priorização de pavimentos permeáveis, para contribuir para a drenagem urbana.
Campinas tem políticas públicas para a resiliência e a biodiversidade que preveem a implementação de SBN, como o Plano Municipal do Verde e o Plano de Ação para Implementação da Área de Conectividade da RMC. Este último foi elaborado com outros 19 municípios de sua região metropolitana e prevê SBN como parques lineares, arborização urbana e corredores ecológicos conectando as áreas verdes remanescentes na região, para recuperação da paisagem, de forma integrada e em nível regional.
O WRI Brasil apoiou o aprimoramento dos mapas desses corredores. Os mapas identificam as melhores oportunidades de restauração para a reconexão dos remanescentes florestais, de modo a reverter a fragmentação da Mata Atlântica, protegendo e recuperando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Em 2022, a cidade deve concluir a revisão de seus planos ambientais e uma estratégia para implementação de soluções baseadas na natureza, que também contaram com o apoio do WRI Brasil.
Em março de 2022, Contagem inaugurou seu primeiro jardim de chuva, instalado na Praça Presidente Tancredo Neves.
O projeto Parque Orla Piratininga Alfredo Sirkis consiste em um parque linear na margem da Lagoa de Piratininga. O propósito do parque é criar, através de soluções baseadas na natureza, um ambiente que priorize e aproxime o usuário do meio natural, ainda que num contexto urbano. Com 680 mil metros quadrados de área, o parque foi planejado de modo a proteger e recuperar os ecossistemas da Lagoa de Piratininga e o seu entorno, recuperar a qualidade ambiental de suas águas e oferecer equipamentos de lazer, recreação, contemplação, cultura e educação ambiental. Entre as SBN previstas, estão 35.290 m² de jardins filtrantes. A área também contará com píeres de contemplação e de pesca, ciclovia integrada ao sistema cicloviário, um ecomuseu, entre outras infraestruturas.
São Paulo tem implementado jardins de chuva em diversas regiões da cidade para melhorar o sistema de drenagem urbana. No início de 2021, a cidade lançou o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, elaborado com apoio do WRI Brasil. Além de uma perspectiva sistêmica, sustentável e segura para o desenho das vias, o manual incorporou também orientações para a implementação de soluções baseadas na natureza como parques lineares e jardins de chuva.
O Parque Linear Rachel de Queiroz é um parque composto por 19 trechos, e passou por uma requalificação no âmbito do Programa Fortaleza Cidade Sustentável. O parque na capital do Ceará tem 134 hectares de área e interliga diversos recursos hídricos, como os açudes João Lopes e Santo Anastácio, e a Lagoa do Alagadiço. Além de funcionar como instrumento para fortalecer a Rede de Sistemas Naturais de Fortaleza, por ser um extenso parque linear, conta com uma série de soluções baseadas na natureza para manejo do ecossistema e dos recursos hídricos. As SBN formam um dos eixos do Plano Municipal de Ação Climática de Fortaleza.
Recife está implementando um jardim filtrante de 7 mil m² no Riacho do Cavouco, um dos mais importantes da zona oeste da capital pernambucana. O projeto-piloto irá contribuir diretamente no processo de despoluição local, realizando a filtragem das águas no trecho em que o riacho corta o Parque do Caiara e deságua no Rio Capibaribe. A iniciativa é um piloto do projeto CITinova, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente, e é implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em parceria com a Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), Porto Digital e Prefeitura do Recife.
Salvador desenvolveu a estratégia Salvador Resiliente. Parte da estratégia, o Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Climáticas (PMAMC) foi lançado em 2020. Prevê a implantação de telhados verdes, SBN para drenagem, ampliação do espaço destinado a hortas e pomares urbanos, entre outras SBN, com ênfase em abordagens participativas e foco em populações vulnerabilizadas e de baixa renda.
Um projeto notável da cidade é a qualificação do Parque Pedra do Xangô, em Salvador – um exemplo de SBN que tem, em seu cerne, os benefícios da natureza para a espiritualidade. Em 2005, a pedra foi completamente desnudada e por pouco não foi implodida para dar lugar à construção da Avenida Assis Valente. Cerca de 90% dos materiais usados no parque são naturais e sustentáveis. A restauração da área empregou materiais sustentáveis, como tijolo de barro, pedra natural e madeira. Para as paredes, utilizou-se a técnica milenar de taipa de pilão, que usa apenas o barro.
O Parque Pajeú, em Sobral, no Ceará, é um exemplo concreto de planejamento integrado gerando soluções com benefícios múltiplos. A área de 51 mil m² foi requalificada para atender demandas ambientais, de lazer, educação, esporte, mobilidade e saúde. Houve plantio de novas árvores que melhoram o microclima e a drenagem, e a construção de academias, playgrounds e campo de futebol. Um jardim filtrante, que trata esgoto de forma natural e sustentável, também foi integrado ao paisagismo. A qualificação do Pajeú é um dos cartões de visita do Programa de Desenvolvimento Socioambiental de Sobral (Prodesol), criado em 2018 para melhorar a qualidade dos serviços públicos e o desenvolvimento socioambiental do município integrando investimentos em infraestrutura de saneamento ambiental à ampliação de equipamentos sociais e a requalificação de espaços públicos.
Anápolis iniciou, em 2017, um programa para lidar com os desafios concorrentes da falta de água durante a estiagem e de enchentes no período de chuvas. O Pró-Água já recuperou 123 nascentes, plantou mais de 250 mil mudas de árvores nativas do Cerrado, instalou viveiros, jardins sazonais, pomar, cacimbas para canalizar a água da chuva para o lençol freático, além de jardins de chuva em pontos críticos de alagamento na cidade. Uma compostagem municipal converte em matéria fértil 25 toneladas de resíduos orgânicos e 5 toneladas de galhos de podas diariamente, gerando economia de R$ 20 mil reais por mês para os cofres públicos. Os eixos de atuação articulam agendas como conservação de recursos hídricos e da biodiversidade, educação ambiental para redução do risco de queimadas e segurança alimentar.
Goiânia começou a implantar jardins de chuva em 2019, em rotatórias próximas a locais críticos de alagamento. A experiência deu tão certo que a cidade fez dos jardins de chuva uma política pública. Um projeto de lei aprovado em 2020 “institui o jardim de chuva nas rotatórias, calçadas e canteiros centrais na cidade de Goiânia, melhorando o escoamento e absorção de águas pluviais”, e obriga a implementação da solução baseada na natureza em alguns casos, como em novos empreendimentos que impermeabilizem áreas superiores a 500 m² e em calçadas de edifícios públicos. Além da drenagem, os jardins aumentam a beleza paisagística e podem ser integrados em intervenções para redução de velocidade veicular nas vias.
Em 2020, a capital paranaense inovou ao lançar sua primeira Fazenda Urbana, com 4 mil m2 dedicados integralmente ao cultivo de alimentos orgânicos. Uma nova unidade, com 11 mil m2, foi anunciada em 2022. A prefeitura de Curitiba dispõe de uma série de políticas para a agricultura urbana, incluindo programas de incentivo a hortas em comunidades, escolas e instituições. A cidade oferece apoio técnico, que avalia a viabilidade de implantação e realiza treinamentos teóricos e práticos sobre cultivo e manutenção de hortas, por um período estabelecido tecnicamente.
Florianópolis tem mais de 100 hortas orgânicas, segundo levantamento da prefeitura. Por meio do Programa Municipal de Agricultura Urbana de Florianópolis, o Cultiva Floripa, técnicos municipais dão orientações sobre preparo do solo, adubação, plantio e colheita. O Cultiva Floripa foi criado em 2017 para fortalecer a agricultura sustentável na capital catarinense. O programa prevê a implementação de hortas urbanas em áreas verdes de lazer e em prédios públicos, além de criar espaços de produção de mudas e compostagem, promover a produção de orgânicos e a recuperação de áreas degradadas de mata. Essas ações integradas contribuem para a melhoria das condições nutricionais, de saúde, lazer e saneamento. Valorizam a cultura, a interação comunitária, a educação ambiental e o cuidado com o meio ambiente. Também geram emprego e renda, promovem o turismo de base comunitária, a melhoria urbanística da cidade e a sustentabilidade.
Pela combinação de benefícios e serviços ecossistêmicos que prestam à cidade e às suas populações, as SBN são um caminho eficiente para reduzir as lacunas no acesso a infraestrutura e serviços urbanos, ao mesmo tempo em que promovem adaptação e resiliência climática, mitigam desastres e reduzem vulnerabilidades. Cidades que despertaram para a oportunidade das soluções baseadas na natureza podem se espelhar nos exemplos acima.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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