Soluções para o desmatamento existem; falta interesse para implementá-las, diz professor da USP

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“Brasil já foi referência mundial no controle do desmatamento, e as ferramentas e normativas necessárias para isso melhoraram muito na última década”, afirma Gerd Sparovek, da Esalq em Piracicaba

Imagem de Dave Herring no Unsplash

Apontar o agronegócio como único culpado pelo desmatamento da Amazônia é uma “simplificação indevida” de um processo complexo e que envolve diversos atores, segundo o pesquisador Gerd Sparovek, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, e coordenador do Laboratório de Planejamento de Uso do Solo e Conservação (Geolab), dedicado ao estudo das interfaces entre agricultura e meio ambiente. “A grande maioria dos produtores rurais não se dispõe a participar de atividades ilegais. São trabalhadores”, afirma. “Combater o desmatamento ilegal é algo complexo, mas pode ser feito. Os caminhos são bem conhecidos e eficientes, caso houvesse vontade dos agentes políticos e privados para isso.”

Sparovek conversou com o Jornal da USP sobre a nova alta do desmatamento na Amazônia, em 2020.

O agronegócio é frequentemente apontado como o grande vilão do desmatamento na Amazônia. Essa acusação é justa? Qual é a participação do agronegócio, de fato, nesse cenário de ocupação ilegal da floresta?

Olhando numa perspectiva histórica, o Brasil expandiu sua área de uso agropecuário numa média de 600 mil hectares por ano desde a chegada dos portugueses, convertendo diferentes tipos de vegetação nativa em pastos ou lavouras. Esta taxa média histórica é comparável à média de desmatamento das últimas décadas.

Atribuir um processo tão resiliente e constante a uma causa única é uma simplificação indevida. O desmatamento pode ser motivado por diversas razões. A grilagem, com a transferência ilegal de terras públicas para o setor privado, a absurda valorização imobiliária decorrente da remoção da floresta e da ocupação produtiva da área, a exploração dos recursos madeireiros – setor conhecido por ser em grande parte ilegal —, a tradição expansionista dos agricultores que vendem as terras valorizadas em áreas consolidadas para comprar muito mais terra nas fronteiras, ou o desmatamento visando a expandir a produção agropecuária.

De todas essas atividades que se vinculam ao desmatamento, aquela motivada pela produção agropecuária é, provavelmente a menos rentável, mais arriscada e mais desnecessária de todas. Temos áreas abertas o suficiente para atender à demanda esperada de produtos agropecuários do Brasil pelo menos pelos próximos 50 anos. Podemos produzir o suficiente sem desmatamento adicional, mas isso não anula as outras causas do desmatamento, que são as causas que sustentam essa dinâmica e sua enorme resiliência.

Como o desmatamento da Amazônia impacta o agronegócio brasileiro — seja do ponto de vista ambiental, climático, econômico ou de mercado?

Quase todo o desmatamento na Amazônia é ilegal, feito sobre terras públicas (fomentando o negócio da grilagem de terras) ou em terras privadas, sem a autorização legal para supressão da vegetação. Quem se beneficia do desmatamento é quem se dispõe à ilegalidade, e essa ilegalidade dificilmente vem isolada. Quem desmata ilegalmente também irá estabelecer relações de trabalho abusivas, irá sonegar tributos, poderá usar a violência para impor sua conduta, e não irá assumir responsabilidades com as comunidades ou com o ambiente onde atua.

A grande maioria dos produtores rurais não se dispõe a participar de atividades ilegais. São trabalhadores. Se estiverem ilegais, perdem acesso a crédito e podem ter suas áreas embargadas. São pessoas com visão de longo prazo na área em que atuam e por isso têm uma postura responsável com a região onde produzem e com as comunidades locais. Os prejudicados pelo desmatamento são aqueles que não o praticam, que usam a terra como forma de produzir e distribuir produtos e riquezas. Esse grupo deveria ser o mais combativo contra o desmatamento, mas, infelizmente, o Brasil como um todo, e em específico os produtores rurais, são excessivamente coniventes com o negócio ilegal que fomenta e alimenta o desmatamento.

O que o agronegócio pode fazer para ajudar o poder público a combater o desmatamento ilegal? Isso está sendo feito? Se o desmatamento é tão prejudicial à imagem do agronegócio brasileiro, o setor não deveria se engajar mais fortemente no combate a essa atividade?

Essa é a pergunta de um milhão de reais. Combater o desmatamento ilegal é algo complexo, mas pode ser feito. Os caminhos são bem conhecidos e eficientes, caso houvesse vontade dos agentes políticos e privados para isso. No nosso passado recente temos um ótimo exemplo: o Brasil já foi referência mundial no controle do desmatamento; e as ferramentas e normativas necessárias para isso melhoraram muito na última década. Temos o Código Florestal, uma normativa ótima para ajudar no controle do desmatamento, mas que foi sistematicamente adiada desde 2012 sem ter sido de fato implementada.

O monitoramento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado do Brasil é excelente; sabemos em tempo real o que está sendo desmatado, se o desmatamento é legal ou não, e por meio do CAR (Cadastro Ambiental Rural) temos o registro do responsável pelo desmatamento. Não faltam normativas, capacidade institucional nem ferramentas; isso tudo nós temos sobrando. Falta vontade ou competência para usar o que já temos de maneira eficiente. Falta quem é o mais prejudicado pelo desmatamento levantar a sua voz.



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