Dispositivo transforma ondas eletromagnéticas em corrente elétrica para alimentar sensores de internet das coisas em ambiente fabril
Por Tiago Jokura em Revista Pesquisa FAPESP O conceito de internet das coisas (IoT), em que objetos são capazes de gerar e compartilhar informações em rede, ganhou um bom exemplo prático no setor industrial brasileiro. Uma startup de Capivari, no interior paulista, desenvolveu um sistema utilizando IoT, no qual baterias são carregadas com energia garimpada no ar. Criada em 2018, a IBBX Inovação oferece à indústria uma tecnologia que capta a energia dispersa no ambiente fabril em forma de radiação eletromagnética – emitida por cabos de alta tensão e painéis e motores elétricos das próprias máquinas em funcionamento – e a transmite, sem fio, para baterias que alimentam sensores de IoT.
“Além da vantagem de reciclar a energia perdida, nossa solução é totalmente wireless [sem fio] e dispensa o uso de cabos que conectam e alimentam os sensores. A eliminação de cabos evita custos e o trabalho constante de conservá-los ”, destaca William Aloise, cofundador da IBBX.
O elemento-chave para a captação e a transmissão de energia pelo ar, explica o engenheiro eletricista Hugo Enrique Hernández Figueroa, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Feec-Unicamp), é um aparelho chamado retena. Híbrido de antena e retificador, ele capta ondas eletromagnéticas, de corrente alternada, e as converte em sinais de corrente contínua, adequados ao funcionamento dos sensores. “O espectro de frequências para essa aplicação é vasto: desde os poucos megahertz das ondas de rádio até as altas frequências ópticas. A eficiência energética pode chegar a 90%”, informa.
A coleta e a transmissão de energia pelo ar, ressalva Figueroa, não são exatamente uma novidade. A hipótese já era investigada desde o fim do século XIX por cientistas como o croata Nikola Tesla (1856-1943), conta o pesquisador. Como a ambição inicial era transmitir grandes quantidades de energia, os desafios fizeram com que a ideia fosse deixada de lado e retomada apenas nos anos 1960. “O mérito da IBBX foi desenvolver um produto com apelo comercial aplicando conhecimentos e tecnologias já disponíveis, como a reciclagem de energia em baixas frequências”, opina Figueroa, que não tem relação com a startup.
Segundo Aloise, a solução desenvolvida pela IBBX é inédita e fruto de um longo trabalho de pesquisa e desenvolvimento. “Nossa aplicação traduz-se na captura de energia e na conectividade por radiofrequência a longas distâncias para sensores de IoT. A combinação de capacidade de abastecimento energético, necessidade de transmissão de dados e baixo custo de implantação resolvem os gargalos da escalada de IoT na indústria”, afirma o empreendedor.
A empresa depositou 11 pedidos de patente relativos ao dispositivo e já forneceu cerca de 1.500 unidades para clientes no país
A empresa tem 46 funcionários, 14 dedicados às atividades de pesquisa e desenvolvimento, e já depositou 11 pedidos de patente, seis no exterior e cinco no Brasil. Dispõe de uma carteira com mais de 30 clientes, para quem forneceu por volta de 1.500 unidades de seu invento, um cubo de 5 centímetros (cm) de lado com antena, com custo médio de US$ 80 (cerca de R$ 400). A companhia alimentícia BRF, a empresa de motores MWM e a fabricante de telhas Confibra são usuárias das soluções da startup.
Na MWM, o engenheiro de manutenção Humberto Ramos da Silva explica que os sensores da IBBX operam no monitoramento em tempo real de cerca de 150 dispositivos, coletando amplitudes de vibração, temperatura, pressão e vazão. “O nosso custo caiu, pois dispensamos uma série de componentes, como cabos, eletrocalhas, eletrodutos e painéis elétricos, dedicados a motobombas e motorredutores [sistema composto por um motor elétrico e uma engrenagem de redução].”
O engenheiro mecânico Wilker Forti, gerente industrial da Confibra, por sua vez, destaca o salto de qualidade na manutenção dos equipamentos a partir das informações coletadas pelos sensores de IoT. “Com a instalação desses dispositivos nas máquinas, foi possível estabelecer rotinas de inspeção projetadas para cada equipamento fabril. A interpretação automática dos dados nos ajudou a evitar colapsos e paradas inesperadas na produção”, diz Forti.
Um dos desafios para transmitir dados no ambiente industrial é a superação de obstáculos como barreiras físicas e ruídos eletromagnéticos ao longo de áreas extensas, explica Aloise. “Com essas dificuldades, ondas de alta frequência, como as de dispositivos bluetooth, 3G e 4G, não avançam mais do que dezenas de metros. Isso obrigaria a instalação de vários repetidores de sinal, elevando o custo de infraestrutura, como ocorria com o uso de cabos”, diz. “Para driblar essas barreiras, desenvolvemos nosso próprio protocolo de comunicação, que, sofrendo menos interferências nesses ambientes, é capaz de cobrir longas distâncias.”
Superado o obstáculo da comunicação, o campo estava aberto para o que é considerado um dos maiores benefícios oferecidos pela tecnologia da IBBX: o monitoramento preditivo dos equipamentos de uma fábrica. Como está conectado, o maquinário equipado com sensores de IoT pode ser monitorado on-line em tempo real, 24 horas por dia, permitindo a detecção de possíveis falhas com antecedência.
A diferença do monitoramento preditivo para a tradicional manutenção preventiva é que a primeira é orientada pelos dados enviados constantemente pelas máquinas, enquanto a segunda tem valores predefinidos pelos fabricantes ou fornecedores dos ativos e componentes. Na manutenção preventiva, por exemplo, o rolamento de uma máquina projetado para durar 10 mil horas deve ser trocado ao atingir esse limite. “Com o monitoramento preditivo proporcionado por sensores de IoT, as manutenções ou trocas de componentes ocorrerá de acordo com o real estado de funcionamento do ativo, evitando gastos desnecessários e paradas não programadas das operações”, comenta Aloise. Também é possível estabelecer parâmetros para alertar o cliente sobre quando um equipamento está próximo de atingir um desgaste crítico.
Outro conhecimento gerado pela experiência da IBBX com o desenvolvimento de soluções para IoT foi o de que o desempenho das máquinas, ainda que do mesmo modelo, pode ser diferente e depende do local em que estão instaladas, do regime de operação delas, dentre outros fatores. Por isso, é importante que os dados fornecidos por cada equipamento sejam armazenados, a fim de formar uma biblioteca de falhas, e alimentem um programa dotado de inteligência artificial que avalie, cada vez com mais precisão, diferentes maquinários operando em condições distintas.
Telefone sem fio
A ideia de criar a startup foi de Aloise e Luis Fernando Destro, atual CEO, que cursou física na Unicamp, não concluiu a graduação e formou-se em engenharia mecânica pela Escola de Engenharia de Piracicaba (EEP), uma faculdade municipal. O foco inicial do empreendimento era coletar a energia dispersa no ambiente para alimentar baterias de celular. “Miramos em um primeiro negócio e acertamos em muitos outros”, conta Aluísio Ribeiro de Lima, também sócio da IBBX, referindo-se às origens da empresa.
O primeiro protótipo era uma antena de 25 cm de comprimento e 8 cm de largura que precisava ser miniaturizada para adequar-se ao uso interno em aparelhos celulares. O desafio da miniaturização para uso em smartphones avançava bem, mas outras possibilidades de aplicações mostraram-se mais oportunas, notadamente no setor industrial, ambiente de onde vieram Aloise e Destro.
“Em sintonia com investidores e parceiros que apoiavam o negócio, decidimos priorizar a oferta de um serviço para a indústria. Fazia mais sentido, já que, naquele momento, o segmento de telefonia móvel não oferecia a mesma possibilidade de escalar a aplicação comparado ao setor industrial”, recorda-se Aloise.
A startup vislumbra outras aplicações para a sua tecnologia num futuro não distante. “Sabemos que a IoT estará cada vez mais presente no agronegócio, na mobilidade urbana, no saneamento e nas casas inteligentes”, destaca Aloise. “Há muitas aplicações para nossa tecnologia. Queremos amadurecê-la na indústria para seguirmos para outros setores. Não precisamos inventar sensores, mas fornecer o combustível para eles sem fio, reduzindo seu consumo de bateria e fazendo-os conversar com receptores a longas distâncias”, destaca o empreendedor.
Este texto foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.