Substitutos da carne avançam em meio à discussão sobre pecuária sustentável

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Por Eduardo Nazaré, do Jornal da USP | A produção de substitutos de carne tem crescido nos últimos anos, impulsionada pela grande demanda de alimentos no mundo e maior número de adeptos de dietas restritivas de proteínas animais. Segundo estudo publicado na revista científica Naturea produção pecuária mais do que dobrou nas últimas décadas e corresponde a 80% das terras agrícolas do mundo, se considerados os campos para pastagem e os plantios para produção de ração animal. Os substitutos pretendem oferecer uma alternativa sustentável nesse cenário.

Com o aumento significativo da pecuária, quem sente é o meio ambiente, já que esse tipo de produção é um dos principais contribuintes da emissão de gases do efeito estufa, como o metano. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a pecuária emite cerca de 32% do total de emissões de metano no mundo – provenientes do esterco e das liberações gastroentéricas dos animais.

Para aplacar a situação, os substitutos vêm ganhando espaço e os mais encontrados nos mercados são os planted based, ou à base de plantas. Esses produtos estão presentes em formato de hambúrgueres, almôndegas, nuggets, “carnes” com molho, como o strogonoff ou o picadinho. Segundo a engenheira de alimentos Ana Lúcia Lemos, diretora do Centro de Tecnologia de Carnes (CTC) do Instituto Tecnológico de Alimentos (Ital) em Campinas, “esses produtos vão fornecer uma textura muito interessante, muito similar à da carne animal”. Ela comenta que eles suprem bem a nutrição da proteína animal, mas carecem de outros nutrientes essenciais como a vitamina B12, o ferro e o zinco.

A diretora do CTC também chama a atenção para a nutrição terciária, que são outros compostos menos divulgados, como o ácido linoleico conjugado presente na carne de animais e que tem inúmeros benefícios para a saúde. Há também a carnosina e a carnitina, que são peptídeos presentes nas carnes em grande quantidade e têm inúmeros benefícios no fortalecimento do sistema imunológico e no ganho de massa muscular. Esses compostos não são encontrados em alimentos de origem vegetal, por exemplo.

Novas tecnologias 

A produção convencional de carne no mundo parece estar sem muito espaço para se expandir, o que pode levar as indústrias a buscarem alternativas inovadoras. Um novo processo em desenvolvimento é substituir a carne animal com as chamadas micoproteínas, uma fonte alternativa de proteínas provenientes da cultura de fungos filamentosos, como explica o professor Felipe Chambergo, coordenador da pós-graduação em Bioquímica e Biologia Molecular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP em São Paulo.

Segundo Chambergo, o fungo utilizado é o Fusarium venenatum. Os alimentos processados a partir dele apresentam alto teor proteico, são ricos em fibras e contêm baixo teor de gordura saturada, sendo comumente utilizados como alternativa vegana ou vegetariana à proteína animal. “O fungo é cultivado em um processo de fermentação, após o qual a massa micelar é colhida, drenada, congelada e texturizada. É adicionado um saborizante e processado para virar um análogo de carne moída, isca de peixe, espetinhos, nuggets, entre outras apresentações do gosto dos consumidores,” comenta Chambergo.

A micoproteína se apresenta também como um substituto aos alimentos à base de proteínas vegetais, como ervilhas, soja ou trigo, para pessoas alérgicas ou com dietas com restrição desse tipo de alimento. Empresas em todo o mundo estão explorando o potencial das micoproteínas para desenvolver ingredientes inovadores e aditivos para a indústria de bebidas e alimentos. No Brasil, ainda não existe produção e comercialização de produtos que contêm as micoproteínas.

Carne de laboratório

Outra proposta inovadora é a produção de carne in vitro, ou seja, produzida em laboratório. Segundo a professora Viviane Nunes, especialista na área de Fisiologia Celular da Pele e Bioengenharia Tecidual da EACH/USP em São Paulo, a tecnologia desenvolvida até o momento ainda não resolve o uso de insumos de origem animal para o cultivo celular tanto na proliferação quanto para a diferenciação. Essa tecnologia ainda não foi capaz de descrever os suportes utilizados para o cultivo tridimensional das células, modelo que facilita a proliferação das células, e como vai prescindir do uso de antibióticos usados no período de cultivo.

Quanto à segurança alimentar e a composição nutricional, “a carne in vitro deverá compor o cardápio de alimentos adequados e disponíveis para a população, porém, ainda são poucos estudos nessa área. Nosso grupo pretende avaliar a composição nutricional do produto visando ao adequado cultivo celular para obtenção de nutrientes específicos ou para indicar a necessidade de qualquer suplementação nutricional”, comenta Viviane.

O meio ambiente

Segundo Viviane, o que se comenta é que a produção de carne em laboratório em escala comercial, sem o abate de animais, pode levar a uma economia de 50% no consumo de energia, cerca de 99% de redução do uso da terra, 90% de redução do consumo de água e 80% menos emissões de gases do efeito estufa. Porém, muito estudo ainda precisa ser feito para demonstrar a sustentabilidade do processo, como a quantificação do lixo, como plásticos e outros resíduos que são gerados durante a produção.

“Embora haja uma preocupação com aspectos ligados à sustentabilidade, há de se mostrar que a carne cultivada será de fato um produto sustentável no curto prazo. Obviamente o aprimoramento da tecnologia, que pode demorar até décadas, deverá contribuir para atender este critério”, afirma Viviane.

Vantagens econômicas

Segundo o professor Sérgio Bertelli, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, os substitutos “são muito mais caros do que a carne de frango e até mesmo que a carne bovina; um quilo de hambúrguer vegetal chega a custar em média R$ 100, enquanto um quilo de carne moída bovina está cerca de R$ 35. Se for pensar em carne cultivada, o valor deve estar próximo a R$ 5 mil o quilo, isso usando valores estimados de produções fora do Brasil”.

Acredita-se que, com o aumento da produção em larga escala, esse preço diminua. Porém, inicialmente, o desenvolvimento da tecnologia e a construção de biorreatores que atendam a uma demanda crescente precisam de grandes investimentos. “Igualmente as formulações adequadas de aminoácidos e de fatores de crescimento não são atualmente produzidas em escalas consistentes com a produção de alimentos e seus custos projetados são igualmente altos, portanto, é fundamental que o volume de produção seja elevado e os custos sejam diminuídos, mas esse requisito não foi nem de longe atingido”, afirma Viviane.

Ao falar sobre a substituição do modo de produção de carne, Bertelli afirma que “um mundo sem carne pode parecer simples, mas não é”. Conforme o professor, os bovinos, caprinos e ovinos transformam o pasto ou o resíduo de outras indústrias em alimentos ricos nutricionalmente, como a carne e o leite. Ele também chama a atenção para uma série de subprodutos dos animais que alimentam uma vasta rede de outras indústrias, como o couro, sangue, miúdos, esterco e farinhas para alimentação animal.


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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