Sustentabilidade: origens históricas para a criação do conceito

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A preocupação com o uso consciente dos recursos naturais e as implicações para o nosso bem viver estão em evidência como nunca. O tempo tido como distante, em que sofreríamos os malefícios do uso irracional dos recursos naturais, é algo concreto e não mais enredo de filmes de ficção científica. Foi nesse contexto que surgiu a necessidade de se pensar em conceitos como a sustentabilidade.

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O prejuízo de uma consciência ambiental equivocada é problema presente, mas tem origens no passado remoto. A pretensa superioridade de nossa espécie (por contar com o atributo da racionalidade) sobre a natureza, algo muitas vezes tido como distinto e inferior, foi uma das bases de nossa civilização e sofreu pouquíssimos questionamentos durante a história. Sem dúvida é um ponto central para a discussão de novos padrões econômicos, sociais e culturais garantidores de nossa existência enquanto espécie.

Origens do problema

Relatos da “batalha do homem contra a natureza” estão presentes desde as primeiras civilizações. Vejamos o exemplo da grande epopeia de Gilgamesh, texto da antiga Mesopotâmia, datado de aproximadamente 4700 a.C.. Em seu estudo, Estela Ferreira nos mostra como a epopeia é indício do surgimento dessa cisão entre civilização e natureza em pleno surgimento da Civilização Ocidental. A luta de Gilgamesh contra Humbaba, o guardião da floresta, simboliza a suposta “vitória” do homem contra o mundo natural, que perpassou toda a nossa História e ainda está na arquitetura de nossas cidades, nos nossos padrões de alimentação, enfim, em nossa rotina.

Aqui no Brasil, a percepção da natureza como uma força contraditória ao desenvolvimento também esteve presente. Lembremos da história de destruição da Mata Atlântica, tratada pelo historiador Warren Dean em seu livro A ferro e fogo, iniciada no princípio da ocupação do território pelos portugueses. A vegetação era uma barreira a ser transposta, um obstáculo para superar e um empecilho a ser eliminado para o cultivo da plantation, baseada na monocultura de exportação.

No início da Idade Contemporânea, a Revolução Industrial, marcada pelo desenvolvimento das máquinas à vapor (por volta de 1760), os avanços tecnológicos proporcionaram a exploração de recursos naturais em escala nunca antes vista, aprofundada pelo invenção do motor à combustão (por volta de 1876) e o domínio da eletricidade (por volta de 1870). Essa guinada tecnológica foi responsável por melhorias e crescimento econômico, mas também grandes problemas advindos da falta de consciência acerca da necessidade de um crescimento ecologicamente viável e socialmente igual. Imersos na mentalidade da época, os ingleses encaravam a poluição das fábricas como um símbolo de vitória e prosperidade e, como diziam na época da Segunda Revolução Industrial, “onde há poluição, há dinheiro” – sem perceber os possíveis efeitos colaterais do modelo industrial, marcado pela desigualdade social e pelas péssimas condições de vida dos operários.

Emergiu um modelo de sociedade baseado em produção e consumo, já que era essencial um aumento da demanda para a explosão da produção. Graças às toneladas de publicidade despejadas a todo o momento sobre nós, incorporamos aos nossos hábitos demandas não essenciais, numa disseminação de valores voltados para a satisfação imediata, para o hoje.


Imagem de fábrica inglesa (1844)

Nas décadas de 1960 e 1970, ainda na efervescência nas profundas mudanças socioculturais, iniciam-se as grandes reflexões sobre os danos causados ao meio ambiente, gerando os primeiros esforços de uma consciência ecológica com uma postura ativa. Gradualmente o tema deixa de ser uma esquisitice de grupos específicos e torna-se desafio global. Fatos como o lançamento de “A Primavera Silenciosa” (1962), de Rachel Carson, marcam época pelo inovador sinal de alerta sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos e se torna um dos primeiros best-sellers sobre a questão ambiental, num contexto de organização da luta ecológica.

Nesse clima, a ONU começa a fomentar o debate, organizando, em 1972, a Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente das Nações Unidas, em Estocolmo, Suécia, e em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, geradora do relatório Brundtland (1987). Temos aí, ao menos de maneira formal, a primeira aparição do conceito de desenvolvimento sustentável, fundamental para o amadurecimento do debate, seguida pela ECO 92 e suas 21 proposições, conhecidas como Agenda 21 ou a Conferência de Kyoto, em 1997. Mas não é só a ONU a arena desse debate: nas universidades, ONGs e nas cidades a discussão corre progressivamente e se desenvolve em muitas esferas, ou seja, nossas ideias e atitudes podem ser fundamentais nessa empreitada!

Sustentabilidade não é algo distante

Os problemas a serem combatidos estão nas grandes atitudes empresarias e governamentais, mas também em nossas escolhas do cotidiano. É um conceito relacionado à vida de todo em vários âmbitos, ou seja, é algo sistêmico. Está em jogo a continuidade da sociedade humana, suas atividades econômicas, seus aspectos culturais e sociais e é claro, ambientais, com a adoção de novas práticas. Neste sentido, o conceito de desenvolvimento sustentável surge propondo um novo modo de vida. É uma nova maneira de configurar a vida humana, buscando que as sociedades possam satisfazer as necessidades e expressar seu potencial. Como bem mostra o pensador Henrique Rattner, o conceito de sustentabilidade não se resume apenas explicar a realidade, exige o teste de coerência lógica em aplicações práticas, onde o discurso é transformado em realidade objetiva.

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Construir uma sociedade sustentável não é tarefa fácil e demanda conscientização, uma mudança de acesso à informação e educação ambiental, sem esquecer é claro em um uso mais eficiente e responsável dos recursos dos planetas, garantindo o imprescindível desenvolvimento econômico, com a adoção de novos paradigmas, com a preservação da dignidade humana como valor inegociável.

Certamente a transição para esse novo modelo sustentável não acontecerá abruptamente. Como já vimos, foram anos de formação do sistema atual, o que gerou em nossa sociedade arraigados maus hábitos. Mas não é preciso pessimismo: a adaptação gradual já está em andamento. O funcionamento da sociedade de consumo deve deixar de ser predatório e inconsequente para funcionar sob novos parâmetros, de um consumo sustentável, que demanda, entre outras coisas, uma mudança de comportamento, que não pode perder de vista as consequências de cada escolha que fazemos.

Leituras recomendadas: Dean, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Cia. das Letras, São Paulo. 1996; e CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. Editora Gaia, São Paulo. 2010.

Equipe eCycle

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