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Estudo publicado na Science aponta a evolução de uma das maiores linhagens de pássaros e resolve um dos paradoxos da diversidade tropical

 Foto de Théo Caron no Unsplash

O ano em que está prevista a Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade (COP-15), 2021, já começa com um paradoxo desvendado na questão da origem de espécies de aves nos trópicos. Um grupo de cientistas de diversos países, incluindo o Brasil, descobriu que no continente americano a taxa de formação de novas espécies de pássaros é mais acelerada em ambientes com baixa diversidade e climas extremos, como nos altos Andes, do que em hotspots – locais com maior riqueza e biodiversidade –, como é o caso da Amazônia.

A equipe de pesquisadores, englobando 21 museus e universidades, estudou os padrões de geração de espécies (especiação) no maior grupo de pássaros tropicais, os Passeriformes Suboscines. Uma a cada três espécies de aves que vivem na região Neotropical faz parte desse grupo, que representa 33% dos passarinhos da América do Sul. Os suboscines têm ecologias e fenótipos variados. Entre os exemplos estão bem-te-vi, papa-formigas e arapongas.

No estudo, foram analisados mais de 2.400 genes de 1.300 espécies, coletadas ao longo de 40 anos. Os cientistas concluíram que a acumulação de espécies ocorre em uma taxa maior nas regiões instáveis, com temperaturas e padrões de precipitação mais extremos, e que têm uma diversidade menor, fornecendo às novas espécies espaço para evoluir. Já os hotspots acumulam um grande número de linhagens de forma gradual, ao longo de muitos anos.

O resultado da pesquisa está no artigo The evolution of a tropical biodiversity hotspot, publicado na revista Science, em dezembro de 2020. “É a primeira vez que uma filogenia [história evolutiva de espécies] tão grande foi gerada com uma amostragem completa no nível de espécies em um grupo de aves tão diverso, como dos suboscines. Agora temos um marco de referência, que pode ser usado para mostrar o contexto evolutivo”, explica o pesquisador Gustavo Bravo, um dos autores e que recebeu apoio da FAPESP.

O ornitólogo e diretor científico do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), Luís Fábio Silveira, outro autor do trabalho, avalia que o resultado foi “inesperado”. “Uma ideia muito difundida era que biomas como a Amazônia representam ao mesmo tempo ‘berços’, pelo grande surgimento de espécies, e ‘museus’, pela baixa taxa de extinção. Nosso estudo mostrou que não é exatamente assim. As análises genômicas e datações apontaram para os ambientes menos estáveis. Foi uma grande novidade sobre a especiação”, afirma Silveira, que também recebeu financiamento da FAPESP por meio de dois projetos (07/56378-017/23548-2).

Dupla proteção

Segundo Bravo, outro ponto importante da pesquisa é o que aponta para a necessidade de projetos de preservação de regiões como a Caatinga e a Patagônia, responsáveis por manter processos evolutivos importantes, embora elas não tenham um grande número de espécies de aves.

“Essas áreas geram biodiversidade e, em alguns casos, abrigam pássaros únicos. Já os hotspots, como a Amazônia, também precisam ser preservados porque têm uma alta quantidade de espécies de aves”, completa o pesquisador em entrevista à Agência FAPESP.

Relatório elaborado pela Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB), divulgado em setembro de 2020, apontou que a ação dos países foi insuficiente na última década para reverter a tendência de declínio sem precedentes de espécies animais e vegetais no mundo.

O documento apresentou um balanço dos avanços na implementação da estratégia global de biodiversidade, aprovada em 2010, conhecida como Metas de Aichi. As discussões sobre os possíveis desdobramentos dessas metas e negociações de novos compromissos para a preservação da biodiversidade devem ser o centro da COP-15, prevista para ser realizada em maio, na cidade de Kunming, na China.

Por outro lado, o relatório trouxe como avanço a estimativa de que 28 espécies de aves e 48 de mamíferos tiveram a extinção evitada por meio de ações de conservação desde 1993, quando a CDB entrou em vigor.

No Brasil, levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que havia 3.299 espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção em 2014 (último dado disponível). Além disso, ao menos dez espécies da fauna nativa, sendo seis de aves, já estavam extintas, reiterando a relevância de programas de preservação da biodiversidade mundial.

Representatividade

Além de pesquisadores do Brasil, o estudo publicado na Science contou com a participação de vários países da América Latina, como Colômbia, Uruguai e Venezuela.

No comunicado de imprensa da divulgação do trabalho, a autora sênior da pesquisa, Elizabeth Derryberry, professora associada da Universidade do Tennessee, Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva (EEB) de Knoxville, resumiu: “Aproveitamos essa amostragem incomparável da diversidade tropical para ilustrar o ritmo e a geografia da evolução nos trópicos. É o primeiro estudo a demonstrar conclusivamente que os hotspots de biodiversidade tropical estão ligados a climas que são moderados e estáveis”.

Para Derryberry, o artigo marca não apenas uma mudança no entendimento da evolução nos trópicos, “mas também no reconhecimento e valorização da diversidade de cultura, experiência e perspectiva no campo da ornitologia”.

À Agência FAPESP, Silveira concorda que iniciativas deste porte e que resultam na solução de questões de abrangência para toda a região Neotropical precisam ser desenvolvidas em conjunto. “Instituições norte-americanas e europeias, com mais tradição, dispunham não só de recursos humanos, mas de materiais para que os trabalhos pudessem ser realizados. No entanto, em estudos sobre biodiversidade neotropical, este cenário mudou graças aos esforços dos programas de pós-graduação e na posterior inserção dos estudantes formados nesses programas nas instituições públicas brasileiras, o que faz hoje o Brasil ser um dos países líderes mundiais em estudos sobre a biodiversidade”, diz o ornitólogo.

Nesse cenário, ele destaca o Museu de Zoologia da USP, que se tornou uma referência por apresentar as maiores e mais completas coleções de aves brasileiras do mundo, atualmente com 118.000 espécimes coletados por todo o país desde 1870. O Brasil abriga o maior número de espécies de aves do planeta.

“As coletas e as coleções científicas nunca se provaram tão importantes e fundamentais como no momento em que vivemos, onde é evidente a perda acelerada das formações naturais. Os espécimes que coletamos hoje responderão a perguntas no futuro que nem sequer fomos capazes ainda de formular. E, nesse ponto, o apoio da FAPESP tem sido crucial, porque sem financiamento seria impossível desenvolver não apenas trabalhos de campo, como a pesquisa subsequente”, completa.

O artigo The evolution of a tropical biodiversity hotspot pode ser acessado em https://science.sciencemag.org/content/370/6522/1343.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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