Grupo da USP criou composto rico em carbono a partir do líquido extraído do bagaço da cana
Em busca de uma estratégia sustentável para a obtenção em larga escala de carbono – elemento químico fundamental na produção de cosméticos, plásticos, medicamentos e diversos outros produtos – pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) criaram uma técnica inédita, que possibilita a construção de moléculas de interesse industrial por meio do aproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar.
Atualmente, a busca por fontes renováveis de carbono tem se intensificado em todo o mundo e a biomassa surge como um dos alvos favoritos dos cientistas. O professor da USP explica que, apesar de o petróleo também ser proveniente de uma fonte natural, o fóssil, ele não é renovável. Já a cana-de-açúcar é plantada em abundância no Brasil e o bagaço tem enorme potencial de reaproveitamento.
O trabalho teve apoio da FAPESP e foi coordenado por Antonio Burtoloso, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP). Parte dos resultados foi divulgada na revista Green Chemistry.
O pesquisador desenvolveu um composto que possui 10 átomos de carbono (C10) e apresenta potencial para ser usado na fabricação de plásticos. Isso foi possível graças à junção de duas moléculas da valerolactona – líquido incolor obtido a partir do bagaço da cana. Cada molécula da substância possui cinco átomos de carbono. Segundo Burtoloso, o procedimento para a criação do C10 leva apenas um dia.
“Usamos transformações simples e fáceis de serem reproduzidas. O método pode ser aplicado de forma rápida, robusta e com baixo custo”, disse o docente.
De acordo com estudo divulgado em 2017 pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Brasil gerou 166 milhões de toneladas de bagaço na safra 2015/16. Parte da produção acaba sendo descartada e é justamente nesse ponto que o grupo da USP pretende atuar.
“Não precisamos plantar cana-de-açúcar exclusivamente para colher o bagaço. A ideia é aproveitar a parte do resíduo que acaba virando lixo como insumo para a nossa técnica”, disse Burtoloso, que coordena o Grupo de Síntese Orgânica do IQSC-USP.
Essa área de pesquisa envolve, resumidamente, a construção de moléculas complexas e com maior valor agregado a partir de moléculas mais simples, que podem ser compradas no mercado. A possibilidade de desenvolver moléculas no laboratório contribui para a preservação ambiental, pois, em alguns casos, a extração de determinada substância da natureza gera grandes prejuízos aos recursos naturais.
Um exemplo é o taxol, molécula orgânica coletada das árvores para o tratamento de câncer. A cada árvore derrubada, que leva pelo menos 100 anos para chegar à fase adulta, poderiam ser produzidos poucos comprimidos de taxol, insuficientes para tratar uma única pessoa.
Futuro verde
Além de ser um processo que gera mais riscos à natureza, a obtenção de carbono a partir do petróleo não será viável no longo prazo. “Estamos pensando lá na frente, daqui a algumas gerações. Um dia o petróleo vai acabar”, afirmou Burtoloso.
De acordo com o docente, a técnica desenvolvida na USP apresenta grande potencial de escalabilidade na indústria, hoje mais direcionada ao desenvolvimento de compostos sustentáveis. Vários países estipularam como meta para as próximas décadas a substituição de 20% a 30% do carbono proveniente do petróleo por fontes consideradas “verdes”.
Esse tipo de ação também pode atrair os olhares dos consumidores que, muitas vezes, optam por adquirir uma mercadoria fabricada de forma sustentável. “Se as propriedades dos produtos que serão produzidos com a nossa técnica forem similares às existentes no mercado, o cliente faria a compra com a consciência muito mais tranquila. Ele estaria usando algo produzido sem acarretar danos ao meio ambiente”, explicou.
O trabalho contou com a colaboração da aluna de doutorado do IQSC-USP Camila Santos, além de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). O grupo pretende agora aprimorar a técnica para tornar o processo ainda mais simples e barato.
O artigo Synthesis of long-chain polyols from the Claisen condensation of γ-valerolactone, de Camila S. Santos, Caio C. S. P. Soares, Adriano S. Vieira e Antonio C. B. Burtoloso, pode ser lido em: https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2019/gc/c9gc03343b#!divAbstract.
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