Tecnologia identifica a presença de agrotóxicos em legumes e hortaliças

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Por Liana Coll em Jornal da Unicamp | Será que tudo que é vendido como alimento orgânico é realmente orgânico? Visando responder essa pergunta, um grupo de pesquisadores da Unicamp desenvolveu uma plataforma que permite identificar a presença de agrotóxicos em tomates. Utilizando inteligência artificial, foi constatado que aproximadamente 30% das amostras dos tomates certificados como orgânicos contêm traços de resíduos químicos. Agora, os cientistas querem extrapolar a análise para outros alimentos e desenvolver um chip para tornar o teste acessível aos produtores e consumidores.

A pesquisa foi realizada por professores e pós-graduandos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e resulta também de uma parceria anterior com o Instituto de Computação (IC). A união entre as áreas possibilitou a combinação de dois métodos: o uso do espectrômetro de massa, que mede o peso das moléculas, e o aprendizado de máquinas – ramo da inteligência artificial –, que permitiu a criação de um modelo para a identificação das substâncias.

A tecnologia resultou em um processo rápido de mapeamento das moléculas. Após a coleta do material na região do pedúnculo do tomate por meio de uma placa de silício, a amostra é colocada em uma solução dentro de tubos e vai para o espectrômetro. As substâncias coletadas são identificadas usando inteligência artificial. Tudo isso é feito em aproximadamente dez minutos.

Além de identificar os marcadores de agrotóxicos, a plataforma também mapeia as substâncias naturais e benéficas dos tomates, como licopeno, betacaroteno A plataforma identifica os marcadores de agrotóxicos e mapeia as substâncias naturais e benéficas dos tomates O professor Rodrigo Catharino: “Tudo isso gera um conjunto extremamente específico e robusto para dizer se determinado legume ou hortaliça é orgânico ou não” e vitamina C. A pesquisa deu origem à dissertação de mestrado de Arthur de Oliveira, orientada pelo professor Rodrigo Catharino. Coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores, onde o estudo é realizado, o docente explica que, na análise, não são procurados alvos específicos. A presença das moléculas é encontrada no processo.

É como se fosse uma atividade de mineração, explica o pesquisador. “Depois da ‘mineração’, escolhemos as substâncias e voltamos para o processo para fazer outros testes, como por exemplo o realizado dentro do espectrômetro. O objetivo é assegurar que realmente se trata daquela molécula e se isso faz sentido do ponto de vista químico. Tudo isso gera um conjunto extremamente específico e robusto para dizer se determinado legume ou hortaliça é orgânico ou não.”

O professor Rodrigo Catharino: “Tudo isso gera um conjunto extremamente específico e robusto para dizer se  determinado legume ou hortaliça é orgânico ou não” (Foto: Felipe Bezerra)

Certificação

Catharino aponta que o tomate foi escolhido por ser uma das principais culturas do Brasil e por concentrar os agrotóxicos no pedúnculo, tornando mais fácil a análise. Para a pesquisa, foram coletadas 80 amostras de tomates orgânicos e 80 de não orgânicos da região de Campinas (SP).

Um dos agrotóxicos encontrados nas amostras foi o Carbendazim. O produto é um dos mais utilizados no país, que é o recordista mundial em uso de defensivos químicos. Em 2022, o Carbendazim foi proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Há um calendário para a sua gradual eliminação, mas um projeto de Decreto Legislativo busca reverter a decisão. Associada ao risco de câncer, a substância já é banida em diversos países.

“Na nossa pesquisa, encontramos produtos certificados como orgânicos com marcadores de normal [com agroquímicos]. Ou seja, aquele que está certificado nem sempre é orgânico, o que era uma suspeita que tínhamos desde o começo. Cerca de 30% das amostras dos orgânicos não são. Esse não é um número baixo e isso mostra que existem falhas na certificação que podem ser sanadas com essa tecnologia, desenvolvida no próprio país”, avalia.

Futuramente, o professor espera que haja uma interlocução com os órgãos de certificação para que a plataforma desenvolvida ajude a assegurar que quem procura um produto orgânico, de fato, esteja comprando um alimento sem agroquímicos.

“Nós gostaríamos de um dia transferir essa tecnologia para os órgãos fiscalizadores. Por isso, buscamos ampliar essa pesquisa e descobrir novos caminhos. Com as tecnologias desenvolvidas, podemos ajudar tanto o agronegócio como também a fiscalização e a regularização. Hoje, as pessoas buscam mais qualidade na alimentação, e isso passa pelo setor agropecuário. Podemos ajudar na certificação de diversos produtos”, diz.

Além de poder ser utilizada em qualquer cultivo agrícola, a plataforma desenvolvida pode, também, ser extrapolada para outros tipos de alimento. No caso das carnes, por exemplo, pode ser verificado se houve sofrimento por parte do animal. Essa é uma das possibilidades levantadas por Catharino.

“Se um determinado animal é machucado, ele deixa marcadores de estresse e, ao fazer as perguntas corretas dentro da tecnologia que temos disponível, isso pode ser identificado. São possibilidades que temos a oferecer aqui nos laboratórios da Unicamp. Estamos, agora, na fase de exploração e de formulação de novas perguntas para, então, desenvolver caminhos novos.”

O estudo que deu origem à plataforma foi publicado em uma das mais prestigiadas revistas da área, a Food Chemistry, sob o título “Tomato classification using mass spectrometry-machine learning technique:A food safety enhancing platform”.

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da Unicamp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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