Por Fábio de Castro, da Pesquisa para Inovação | O manejo de árvores urbanas é fundamental para garantir, além do bem estar, a integridade de pessoas e propriedades nas ruas das cidades e, para que seja bem-sucedido, requer uma avaliação precisa do estado fitossanitário e da estabilidade das árvores. Porém, existem poucas ferramentas para esse diagnóstico para realizar essas avaliações.
Para preencher essa lacuna, uma empresa paulista desenvolveu uma tecnologia inovadora, não destrutiva ou invasiva, que permite mapear sistemas radiculares e obter informações sobre a condição interna dos troncos por meio de imagens de alta resolução, sem a necessidade de perfurações ou escavações.
Com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, a Kerno Geo utilizou o conhecimento e os métodos da geofísica para desenvolver a ferramenta diagnóstica Kerno ANDAS. Além de produzir imagens do interior dos troncos e fazer um mapeamento tridimensional das raízes, a tecnologia também fornece dados sobre propriedades físicas do solo e sua relação com as raízes existentes.
“Na geofísica, estudamos o interior da terra e o subsolo por meio de métodos indiretos que são amplamente utilizados em mineração, prospecção de petróleo, arqueologia ou estudos de águas subterrâneas, por exemplo. Demos um outro enfoque a esses métodos, empregando-os no estudo de árvores urbanas”, diz Vinicius Neris Santos, pesquisador responsável pelo projeto e um dos sócios da Kerno Geo.
De acordo com Santos, o manejo da arborização urbana requer uma ampla avaliação, já que as condições de estabilidade dependem de vários fatores. Assim, a análisa das condições internas dos troncos – buscando cavidades ou partes apodrecidas, por exemplo – e o mapeamento dos sistemas radiculares, permitem um diagnóstico integral para a avaliação do risco de queda. Isso contribui para a tomada de decisões quanto ao manejo, evitando os riscos socioeconômicos relacionados a quedas e reduzindo custos futuros por conta da remoção ou substituição de espécies.
“”O problema é que as ferramentas disponíveis para o mapeamento de raízes eram limitadas ou pouco utilizadas, principalmente quando as raízes se encontravam sob pisos impermeáveis, de concreto ou asfalto. Nesses casos, para que se pudesse fazer qualquer tipo de avaliação do sistema radicular, seria necessário quebrar o pavimento existente, aumentando custos e o tempo de execução. Com os métodos geofísicos empregados, esse tipo de estudo pode ser feito de forma eficiente, confiável e rápida”, explica Santos.
Percebendo essa lacuna, Santos, que é geofísico, o geólogo Marcelo Martinatti e o matemático Marcelo Caetano se uniram para levar adiante um projeto que adaptasse os métodos da geofísica ao estudo das árvores. Em 2018 teve início o projeto, que teve sequência em 2020 com a Fase 2, concluída em meados de 2022. O produto já está no mercado e tem diversos clientes nos setores públicos e privados.
“Nossa tecnologia se baseia na combinação de dois métodos geofísicos, um elétrico, chamado eletrorresistividade, e outro eletromagnético, conhecido como GPR [Ground Penetrating Radar]. Utilizando o método da eletrorresistividade, é injetada uma corrente elétrica diretamente no tronco ou no solo, permitindo medir a distribuição da resistividade elétrica e detectar a presença de cavidades ou de setores com apodrecimento em troncos e mapear regiões com ocorrência de raízes no subsolo”, explica.
Já o GPR – um carrinho de pequenas dimensões que se arrasta pelo solo – emite ondas de rádio em alta frequência que são refletidas pelos objetos sob o solo e retornam ao equipamento. Por meio dessa reflexão de ondas eletromagnéticas, obtém-se uma imagem de alta resolução em diversas profundidades, o que permite distinguir a ocorrência de raízes e sua distribuição espacial, além de avaliar o diâmetro das principais estruturas. O mesmo método possibilita que se obtenha parâmetros do solo como porosidade e conteúdo de água, a partir dos dados geofísicos.
“Quando queremos caracterizar as raízes, mapeando sua profundidade, distribuição espacial e diâmetro, utilizamos o GPR. Se queremos caracterizar o solo em relação à biomassa, para saber o volume da raiz de uma árvore, utilizamos a eletrorresistividade. Para localizar cavidades em troncos, podemos usar ambos os métodos”, diz Santos.
Construindo soluções
Na primeira fase de pesquisas, a equipe da Kerno Geo estudou a viabilidade da aplicação dos métodos geofísicos para o propósito desejado. Depois de uma imersão no mundo da arborização urbana – e muita interação com engenheiros florestais, biólogos e agrônomos – os empresários descobriram que o GPR poderia ser uma solução viável. Uma das instituições procuradas por eles foi o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que é referência nesse tipo de análise.
“Eles nos disseram que não conseguiam obter informação sobre as raízes e que se nós pudéssemos fornecer uma ferramenta para o o seu mapeamento já teríamos um diferencial excelente. O desafio era traduzir as imagens dos métodos geofísicos para o público em geral”, sublinha Santos.
Para isso, foi preciso desenvolver um software capaz de analisar os dados obtidos e gerar imagens que pudessem ser facilmente compreendidas por quem nunca teve contato com geofísica. Foram feitos testes de campo em árvores de diversas espécies e em distintos ambientes.
“Era preciso também que a qualidade da tecnologia fosse aliada ao tempo, porque era necessário dar agilidade ao processo, abrindo caminho para que fosse possível avaliar um número maior de exemplares”, conta.
Além do IPT, o projeto também teve colaboração do Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo (IB-USP) – que ajudou os empresários a se familiarizar com as características das árvores urbanas – e do Instituto de Geofísica da USP, que forneceu apoio com equipamentos para que a equipe fosse a campo coletar dados.
“Depois de atestar a viabilidade, na Fase 2 do PIPE pudemos adquirir nosso próprio equipamento e contratar um bolsista de treinamento técnico na área de biologia, para agregar o conhecimento que nos faltava. Nessa fase, fizemos mais testes, realizamos procedimentos de validação da tecnologia e fomos atrás de parceiros”, afirma Santos.
A equipe entrou em contato com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo e apresentou a tecnologia que estava sendo apoiada pela FAPESP. “Eles se interessaram na mesma hora e nós criamos o que chamamos de projeto-piloto, que é uma apresentação da nossa tecnologia para as prefeituras, responsáveis pela arborização urbana.”
Primeiros clientes
Depois de uma primeira avaliação de 30 árvores espalhadas pela cidade, a Kerno Geo Soluções apresentou um relatório técnico à secretaria, com todas as imagens. Em seguida, o projeto foi apresentado à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que solicitou à empresa a avaliação de 14 tipuanas.
“À essa altura, nossa tecnologia estava pronta para comercialização e começamos a crescer, prestando outros serviços e fazendo parcerias com empresas de manejo e poda de árvores. A princípio, ninguém fazia avaliação de sistemas radiculares. Quando mostramos aos clientes que conseguimos agregar esse conhecimento à análise, eles percebem claramente o diferencial, o que facilita o fechamento de contratos”, avalia Santos.
A partir daí, a Kerno Geo Soluções começou a fazer projetos-piloto com diversas outras prefeituras. Em Belo Horizonte (MG), a empresa avaliou 14 árvores. Em São José dos Campos, no interior paulista, foram avaliadas as raízes de um jequitibá-rosa, árvore símbolo da cidade, com idade estimada de 500 anos.
“No interior de São Paulo, também acabamos de fazer um projeto com a prefeitura de Sorocaba e estamos em contato com outras administrações municipais”, conta Santos. A empresa tem feito também muitos serviços em obras de engenharia civil. “Em alguns casos, há árvores em áreas onde serão construídas edificações. O empreendedor quer preservá-las, mas precisa de um mapa das raízes, em extensão e profundidade, para orientar o trabalho de escavação.”
O modelo de negócios da empresa prevê dois esquemas para a prestação de serviços. Um cliente particular, por exemplo, que contrate a avaliação de uma única árvore, paga por unidade. Quando se trata de um número maior de árvores, o cliente paga diárias, com custo reduzido.
“Conseguimos avaliar de quatro a cinco árvores por diária”, afirmou Santos. “Nosso público mais importante, sem dúvida, são as prefeituras – que em última instância são os responsáveis pelas árvores urbanas –, mas também empresas do setor público e privado, como o de energia elétrica, seguradoras ou shoppings, por exemplo.”
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Para Inovação – Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.