Teoria da conspiração é a tentativa de explicar eventos da humanidade, avanços tecnológicos ou mesmo inverdades como parte de uma trama secreta organizada por supostos grupos poderosos e mal-intencionados. Longe de serem um fenômeno atual, as teorias conspiratórias são cada vez mais propagadas e defendidas no mundo contemporâneo, como resultado da facilidade de espalhar e acessar informações – verdadeiras ou não – na internet, sobretudo nas redes sociais.
Tais explicações, muitas vezes baseadas na distorção de fatos e estudos científicos ou mesmo em mentiras, rejeitam narrativas aceitas pela ciência e pelo senso comum em torno desses eventos, colocando em xeque a credibilidade das versões oficiais de acontecimentos históricos, doenças ou descobertas científicas.
Mas de onde vem, por que surgem, como se sustentam e quais as consequências psicológicas da crença e da defesa de teorias da conspiração?
Segundo um estudo da Escola de Psicologia da Universidade de Kent, no Reino Unido, essas teorias parecem ser impulsionadas por motivos que podem ser definidos como epistêmicos (compreensão de ambiente), existenciais (segurança e controle do próprio ambiente) e social (manutenção de uma imagem positiva de si mesmo e do grupo social).
De acordo com os pesquisadores, pessoas que acreditam em teorias da conspiração são atraídas por uma crença capaz de explicar uma situação desconhecida, não compreendida e, a priori, fora do controle desses indivíduos.
O professor Scott A. Reid, do Departamento de Comunicação da Universidade de Califórnia, nos Estados Unidos, aponta que as teorias da conspiração aumentam em períodos de ansiedade generalizada, incerteza ou sofrimento, como durante guerras e depressões econômicas e após desastres naturais como tsunamis, terremotos e pandemias.
Como exemplo, ele lembra a profusão dessas teorias logo após o assassinato de John F. Kennedy, ex-presidente norte-americano, e dos ataques de Onze de Setembro. Para o professor, o fenômeno sugere que o pensamento conspiratório é impulsionado por um forte desejo humano de conferir sentido a forças sociais autorrelevantes, significativas e ameaçadoras.
Um fator que impressiona é a quantidade de teorias da conspiração conhecidas e o elevado número de pessoas que defendem uma, outra ou várias delas. Certamente você já foi surpreendido, em uma conversa informal com amigos, familiares ou colegas de trabalho, com a afirmação de que “o homem nunca pisou na lua”.
Desde 1969, Neil Armstrong, primeiro homem a pisar na lua, é figurinha carimbada nessas teorias. A conspiração sobre a falsidade da chegada do homem à lua, orquestrada pelo governo dos EUA por motivos políticos, é antiga, mas tem ganhado força em todo o mundo desde a popularização da internet e, consequentemente, da profusão de blogs, vídeos e sites dedicados a desqualificar as narrativas oficiais.
Conspirações que envolvem complôs de elites poderosas para esconder a existência da Terra plana, dos Iluminatti ou dos reptilianos também são comuns. E mais: discos de grandes estrelas da música, quando tocados ao contrário, contêm mensagens subliminares diabólicas, frutos de um pacto com o próprio Lúcifer.
Embora variem na temática, todas essas teorias têm uma característica comum: elas sugerem a existência de um plano malévolo, levado a cabo por sociedades secretas, pessoas ou seres extraterrestres que controlam o mundo, para prejudicar ou pôr fim à humanidade tal qual a conhecemos.
Além disso, o conteúdo das teorias da conspiração costuma ser carregado de emoções – e a descoberta de um “fato” desconhecido pela maioria pode ser muito gratificante. Como não poderia deixar de ser, os padrões de evidência para corroborar teorias da conspiração carecem de força e são facilmente derrubados com pesquisas rápidas na própria internet.
Fontes que não existem, imagens distorcidas, vídeos editados, nomes falsos: nada disso interessa aos defensores das teorias da conspiração. Aparentemente, a capacidade de sobrevivência dessas teorias pode ser auxiliada por – e muitas vezes depende de – preconceitos psicológicos e pela desconfiança em fontes oficiais, como governos e imprensa tradicional.
O historiador norte-americano Richard Hofstadter (1916-1970) explorou, no século passado, o surgimento das teorias da conspiração ao propor uma visão consensual da democracia. Para Hofstadter, aqueles que se sentiam incapazes de canalizar seus interesses políticos para grupos representativos dentro de um sistema democrático se tornariam alienados desse sistema.
As diferenças de pontos de vista, de um ou de outro lado, passariam a ser consideradas com profunda suspeita. Essas pessoas alienadas desenvolveriam um medo paranoico de conspiração, tornando-as vulneráveis à liderança carismática, no lugar da liderança prática e racional. Isso minaria a democracia e levaria à ascensão de um governo totalitário.
Em The Paranoid Style of American Politics (O estilo paranóico na política americana), de 1965, Hofstadter propõe que esta não é uma patologia individual, mas, em vez disso, se origina em um conflito social que gera medos e ansiedades, o que leva a lutas de status entre grupos opostos.
A teorização da conspiração resultante deriva de um senso coletivo de ameaça ao grupo, cultura, estilo de vida e assim por diante. Pode-se esperar que extremistas em ambos os lados do espectro político desenvolvam um estilo paranoico.
À direita, o macarthismo promovia noções paranoicas de infiltração comunista nas instituições americanas; à esquerda, estaria a crença de que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 foram um “trabalho interno”, perpetrado por uma conspiração de interesses governamentais e corporativos.
A abordagem de Hofstadter é notável, porque coloca a raiz das conspirações em processos intergrupais, o que significa que sua teoria pode explicar a explosão, o fluxo e a permanência das teorias da conspiração ao longo do tempo.
Na contemporaneidade, soma-se a isso a disseminação de notícias falsas e uma tendência a tirar conclusões precipitadas sem checar informações.
Um estudo do Departamento de Psicologia da Royal Holloway descobriu que a maneira como as pessoas avaliam as informações pode ser propagada socialmente. Ou seja, uma pessoa pode passar a desconsiderar alguma evidência, por já ter visto alguém fazer isso. Nesse contexto, uma teoria da conspiração pode ganhar adeptos mais facilmente.
O professor participante da pesquisa, Ryan MacKay, exemplifica com o fato de Trump ter relacionado as vacinas como causadoras de autismo diversas vezes. Ao mesmo tempo, o ex-presidente se mostrou, em muitos momentos, como alguém que não lê ou checa as informações.
O The Washington Post, por exemplo, relatou que Trump ignorou mais de uma dúzia de informes sobre o coronavírus em janeiro e fevereiro de 2020. Nessa situação, tanto as crenças sobre a vacina quanto o comportamento em relação à checagem de informações podem ter se espalhado socialmente, de acordo com as conclusões do estudo de Royal Holloway.
Cientistas, em um estudo liderado pelo economista comportamental Loukas Balafoutas, investigaram a influência das teorias da conspiração no comportamento humano e concluíram que mesmo aqueles que não acreditam nas teorias ainda podem sofrer o impacto dessas narrativas.
A pesquisa mostrou que os sujeitos que foram expostos a uma teoria da conspiração por apenas três minutos agiram de maneira diferente em relação ao grupo que não foi exposto ao mesmo conteúdo. Em resumo, os cientistas concluíram que a teoria da conspiração tem influência sobre como alguém percebe o mundo e as outras pessoas, o que pode levar a comportamentos tanto positivos como negativos.
O filósofo australiano Steve Clarke propôs que o pensamento conspiratório é mantido por um erro de atribuição fundamental, que afirma que as pessoas superestimam a importância de fatores disposicionais ou de caráter humano, como motivações individuais ou traços de personalidade.
Por outro lado, elas subestimam a importância dos fatores situacionais, como o acaso aleatório e normas sociais, para explicar o comportamento dos outros ou eventos históricos. Clarke observou que esse erro é típico do pensamento conspiratório.
As pessoas mantêm adesão às suas crenças conspiratórias porque dispensar a conspiração seria desconsiderar os motivos humanos nesses eventos. Clarke sugeriu ainda que a razão pela qual as pessoas cometem o erro de atribuição fundamental é porque evoluíram para isso.
Seres humanos evoluíram em grupos unidos, nos quais compreender os motivos dos outros consistia em um fator fundamental para detectar intenções ruins. O filósofo sugere que as pessoas são psicologicamente sintonizadas para sobrepor os fatores disposicionais sobre os situacionais ao buscar explicações para o comportamento alheio.
Qualquer pessoa que se engaje criticamente na análise das teorias da conspiração depara com um enigma: a verdade é que conspirações reais ocorrem com regularidade. Assassinatos políticos, escândalos e acobertamentos, ataques terroristas e uma série de atividades do governo envolvem o conluio de várias pessoas na tentativa de alcançar o resultado desejado, a qualquer custo.
Então, como podemos diferenciar tramas e conspirações genuínas de meras teorias da conspiração? Uma abordagem é confiar no bom senso e buscar informações sobre o assunto em várias fontes, procurando confirmar dados, fatos e nomes expostos nos textos que recebemos.
Outra abordagem é abraçar uma posição agnóstica em relação a todas as alegações de conspiração – ou seja, defender que, embora algumas teorias possam parecer implausíveis, existe sempre alguma chance, ainda que minúscula, de que elas possam ser verdadeiras.
Os teóricos da conspiração veem o mundo de maneira muito diferente. A priori, eles pressupõem não que as conspirações aconteçam ocasionalmente, mas que elas são, de fato, a força motriz da história. Aí talvez esteja a razão pela qual esses teóricos sejam tão ineficazes em revelar conspirações reais.
Ao longo da história, a maioria das revelações de atividades ilegais vieram à tona como resultado de jornalismo sólido, investigações oficiais patrocinadas pelo estado ou ações de delatores. A força motriz por trás de muitas revelações sobre conspirações reais têm sido, na verdade, a liberdade de imprensa: uma instituição-chave de transparência política.
As teorias da conspiração são essencialmente irrefutáveis: contradições lógicas, evidências mostrando o oposto ou mesmo a completa ausência de provas não têm relação com a explicação conspiratória, porque sempre podem ser explicadas também por teorias da conspiração.
A falta de provas sobre um complô, por exemplo. “Eles não querem que você saiba; por isso, escondem as provas.” A ausência de evidências é encarada como uma confirmação da capacidade dos conspiradores de ocultar suas maquinações malévolas.
Os teóricos da conspiração são comerciantes de ilusão. Eles oferecem certo conforto – e isso é o que os torna atraentes, para começar. No entanto, eles invariavelmente levam a um beco sem saída, longe de soluções genuínas para problemas sociais, que são mais diversos e mais complexos do que qualquer teórico da conspiração se preocupa em imaginar.
Uma pesquisa publicada em 2020 afirma que a crença em teorias da conspiração não pode ser encarada como doença mental: na verdade, segundo os pesquisadores, agarrar-se a crenças irracionais é uma tentativa de proteger a saúde mental, em resposta à necessidade humana de controle, compreensão e pertencimento.
Em uma situação nova, as pessoas precisam de um mapa causal para se adaptar ao ambiente. A teoria da conspiração, diante da incerteza e de uma possível ameaça, preenche uma lacuna causada pela dúvida.
A pesquisa confirma a teoria de Steve Clark, reforçando a tendência das pessoas em preferir explicações que envolvam caráter ou intenção alheia em vez de explicações que apresentem eventos como acidentais.
Os teóricos da conspiração, respondendo a essa tendência, tendem a atribuir a responsabilidade desses eventos em atores dos quais eles já desconfiavam anteriormente: os comunistas, o governo, os ricos e poderosos.
Encarar um evento como planejado, em vez de acidental, permite que as pessoas mantenham um senso de controle sobre uma realidade confusa e imprevisível. Se houver alguém para culpar, será possível restaurar algum tipo de equilíbrio ao universo, procurando punir os culpados pela má conduta.
Além disso, será mais fácil impedir que eles nos prejudiquem na próxima vez. Essa ilusão de controle aumenta o otimismo no futuro e ajuda a enfrentar novas situações sem perder o equilíbrio emocional.
Os especialistas sugerem que, para conter a disseminação das teorias da conspiração, a sociedade, a ciência e os governos devem encontrar formas mais saudáveis de atender às necessidades preenchidas por essas teorias.
Uma comunicação científica amigável e acessível, por exemplo, bem como o uso de linguagem transparente e franca por autoridades públicas e pela imprensa podem ser eficazes para desmascarar as teorias da conspiração e satisfazer o desejo humano de conhecimento e compreensão. Em última instância, é necessário um esforço coletivo para restaurar a confiança das pessoas nas instituições, na ciência, no governo e na imprensa.
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