A “Terra estufa” pode ser uma realidade mais próxima do que se imagina, mesmo se a humanidade conseguisse parar completamente as emissões de CO2. Esse é o alerta feito por uma equipe internacional de cientistas após analisarem o risco de os sistemas do planeta entrarem em um ponto de não retorno climático caso a temperatura aumente em 2ºC com relação aos níveis pré-industriais.
Os pesquisadores publicaram essa semana na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) um estudo sobre as consequências do aquecimento global e a dimensão das mudanças climáticas, que podem atingir um ponto a partir do qual a ação humana seja inútil para deter o aumento de temperatura no planeta. Se esse aumento chegar a 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, o equilíbrio de forças naturais da Terra pode ser drasticamente afetado, de modo que florestas, oceanos e porções de terra que atualmente absorvem carbono se tornem fontes emissoras de CO2.
Mesmo que as reduções de carbono previstas em 2015 pelo Acordo de Paris sejam cumpridas (o que não tem acontecido) e a população mundial reduza o seu consumo de combustíveis fósseis, o estudo mostra que há um risco elevado de a Terra reunir as condições necessárias para se transformar em uma “estufa” e não conseguir retroceder. Basta que continuem o derretimento do gelo, a diminuição das áreas florestais (por conta do desmatamento ou incêndios) e o aumento da geração de gases de efeito estufa – condições que se verificam todos os anos. Os cientistas defendem que isso pode acontecer dentro de algumas décadas, motivo pelo qual é necessário acelerar a transição para uma economia mundial livre de gases.
Em um cenário hipotético, caso a Terra atinja esse ponto de não retorno, o planeta se transformaria em uma autêntica estufa. A temperatura média seria 4 a 5 graus maior que as temperaturas pré-industriais; as florestas desapareceriam e dariam lugar a savanas e desertos; o nível médio do mar subiria de 10 a 60 metros, de tal forma que muitas regiões costeiras desapareceriam; e haveria maior incidência de fenômenos meteorológicos extremos, como a onda de calor que tem afetado a Europa na última semana ou as ausências prolongadas de chuva em várias regiões do Brasil. Tanto nessa hipótese como no mundo atual, esse quadro é possível graças ao efeito dominó no planeta: todos os sistemas estão interligados.
A Terra, em outras palavras, pode deixar de ser um mitigador do aquecimento global e se converter em agente ativo do fenômeno. Nesse contexto, duas questões centrais se impõem: 1) A população humana conseguirá suportar esse aumento de temperatura? e 2) Se forem atingidas as metas de redução nas emissões de CO2 acordadas em Paris para 2020, conseguiremos manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 graus (ou, pelo menos, menor que 2 graus) e evitar atingir o ponto de inflexão climática referido no estudo?
Entre o final da década de 1980 (quando foi cunhada a expressão “efeito estufa”) e 2018, a concentração de CO2 na atmosfera subiu de 350 para mais de 400 partes por milhão (ppm). Já a temperatura média da Terra continua a subir à velocidade de 0,17 graus por década.
“As emissões humanas de gases de efeito estufa não são a única causa que determina a temperatura da Terra”, explica Will Steffen, um dos autores do estudo científico. “O nosso estudo sugere que o aquecimento global de 2 graus humanamente induzido pode provocar modificações nos outros sistemas naturais da Terra, normalmente intitulados de feedbacks, que podem aumentar ainda mais a temperatura média do planeta – mesmo se pararmos de emitir gases de efeito estufa“, frisa o professor da Universidade Nacional da Austrália e investigador do Stockholm Resilience Centre, na Suécia.
“Evitar esse cenário requer um redirecionamento das ações humanas de exploração do planeta para administração sustentável“, sugere o cientista. Porém, diminuir a emissão de gases de efeito estufa não bastará para evitar o ponto de não retorno do planeta, diz o estudo. Será necessário criar ou melhorar as concentrações naturais de carbono, por meio do aperfeiçoamento da gestão das florestas, agricultura e solo; apostar na conservação biológica; e tecnologias que consigam remover o dióxido de carbono na atmosfera e retê-lo subterraneamente, defende a pesquisa.
Os autores listaram dez fenômenos naturais, os chamados feedbacks, que podem passar de “amigáveis” para “ameaças” caso o planeta chegue ao nível de inflexão. Alguns deles são o descongelamento do pergelissolo (solo típico da região ártica), a perda de hidratos de metano no solo oceânico e a redução de florestas tropicais e da neve no hemisfério norte, entre outros. São locais que atualmente estocam carbono e que podem atingir um ponto de colapso em que essas reservas de carbono sejam liberadas para a atmosfera, acelerando ainda mais o aquecimento global.
“Esses elementos típicos podem atuar potencialmente como dominós”, esclarece Johan Rockström, coautor do estudo e também pesquisador do Stockholm Resilience Centre. “Será muito difícil ou até impossível parar a fila inteira de dominós a cair”, defende. O cientista elucida que poderíamos nos adaptar ao processo de séculos de transformação de “estufa” da Terra, mas a realidade seria muito diferente: “sem pessoas a viver nos trópicos, com uma concentração de pessoas no Ártico e na Antártica, com formas completamente diferentes de gerar alimento, com escassez de água e uma normalização dos fenômenos extremos”, resume em declarações ao jornal português Público.
Os autores do estudo apostam em mudanças no comportamento da humanidade para deter a possibilidade da “Terra estufa“; outros estudiosos, no entanto, têm dúvidas com relação ao potencial humano de entender a gravidade do problema e tomar atitudes. As evidências históricas mostram um processo de negação das mudanças climáticas que é preocupante e pode afetar drasticamente a vida na Terra nos próximos anos, com os piores efeitos sendo sentidos dentro de um século ou dois.
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