Área é marcada por garimpo ilegal, violência sexual de mulheres e crianças, ameaças de morte e desestruturação dos postos de saúde
Por José Carlos Oliveira em Agência Câmara de Notícias | Entidades indigenistas e socioambientais denunciaram uma “tragédia humanitária” em curso na Terra Indígena Yanomami, durante audiência da comissão externa da Câmara dos Deputados dia 14 de julho. A área, que ocupa partes dos estados de Roraima e Amazonas, é marcada por garimpo ilegal de ouro e cassiterita, violência sexual de mulheres e crianças, ameaças de morte e desestruturação dos postos de saúde.
O geógrafo e analista do Instituto Socioambiental (ISA) Estevão Senra apresentou dados atualizados do relatório “Yanomami sob Ataque”: até abril deste ano, já havia 4 mil hectares impactados pelo garimpo ilegal dentro da terra indígena e mais de 40 pistas clandestinas a serviço de garimpeiros e narcotraficantes.
Em 2021, a região registrou quase 50% dos casos de malária do País e hoje existem cerca de 3 mil crianças com déficit nutricional, segundo Senra. “Hoje, a Terra Indígena Yanomami é palco de uma das maiores tragédias humanitárias que estão ocorrendo no Brasil. Os dois vetores principais dessa crise são o avanço do garimpo ilegal e a má gestão do distrito sanitário, que se entrelaçam e vão se realimentando”, disse.
Apesar de anúncios de R$ 200 milhões de recursos públicos aplicados em saúde indígena, as lideranças ianomâmi reclamam da falta de medicamentos e materiais básicos. Também denunciaram indicações políticas para o comando dos distritos sanitários. A coordenadora da comissão externa, deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), já cobrou informações oficiais ao Tribunal de Contas da União e pretende pedir ao Supremo Tribunal Federal que determine providências ao Poder Executivo no âmbito de uma ação judicial (ADPF 709) já em curso.
“Realmente é uma crise humanitária. Nada justifica não ter remédio para vermes e questões básicas. É uma responsabilidade que tem de ser apurada. Uma vez que não tem uma providência enérgica para retirar garimpeiros, tem que se dar resposta para essa questão da saúde. Isso é mais do que urgente”, reclamou.
Relatos
Durante a audiência na Câmara, lideranças indígenas fizeram relatos dramáticos da situação da Terra Yanomami, homologada desde 1992 e com cerca de 30 mil pessoas vivendo hoje em 363 aldeias em 9,6 milhões de hectares da Floresta Amazônica. A região é palco de desmatamento, destruição do leito dos rios, contaminação por mercúrio, aumento dos casos de malária, acirramento de conflitos e violência, perda da soberania alimentar e desnutrição infantil.
O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, citou o caso da comunidade Homoxi para mostrar o avanço do garimpo ilegal sobre área que deveria estar protegida. “A comunidade e o garimpo ficam muito próximos e, por isso, as nossas crianças estão tomando água contaminada por mercúrio, 615 yanomamis foram ameaçados de morte, os garimpeiros tomaram conta do posto de saúde yanomami. Então, a Terra Yanomami e (as margens do rio) Uraricoera estão virando quase cidades, com cantinas e prostituição entre os garimpeiros ilegais”.
Dário Kopenawa confirmou o avanço do narcotráfico na terra indígena, que fica em área de fronteira. O líder yanomami também fez um apelo aos parlamentares. “Tem facção, crime organizado e PCC: então, isso existe na Terra Yanomami. Parlamentares, pressionem o governo federal para que retirem imediatamente os garimpeiros ilegais. Isso é para ontem”.
O presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana, Júlio Rodrigues, ressaltou o impacto da violência na desestruturação comunitária dos Yanomami e Ye’kwana.
“Os jovens estão ficando mais agressivos por conta de ingerir bebidas alcoólicas e drogas. Não querem mais ficar nas comunidades. As mulheres estão ficando cada vez mais com medo e não conseguem mais ir para a roça depois que aconteceram muitos abusos sexuais pelos garimpeiros. É difícil viver”.
A audiência também contou com a presença de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que reclamaram da ausência de soluções mesmo diante de cobranças internacionais às autoridades brasileiras.
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