Análise de 20 anos de dados de satélites mostra diferenças significativas de temperatura em terras agrícolas no sul da Amazônia, dependendo do tamanho da propriedade
- Propriedades comerciais desmatadas extensivamente são até 3 °C mais quentes do que as florestas adjacentes, enquanto nas propriedades rurais menores essa diferença é de 1,85 °C.
- Práticas de manejo que tentam equilibrar a produtividade com a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais, como o ciclo da água, serão cruciais para preservar as florestas remanescentes da Amazônia, dizem os autores do estudo.
Uma análise de 20 anos de dados de satélites mostra diferenças significativas de temperatura em terras agrícolas no sul da Amazônia, sendo que as propriedades comerciais desmatadas extensivamente são até 3 °C mais quentes do que as florestas adjacentes, e as propriedades rurais menores são até 1,85 °C mais quentes do que as florestas.
A perda de vegetação reduz a evaporação da água das plantas para a atmosfera, um processo responsável por 50% das chuvas na Amazônia. Fazendas de produção de commodities em larga escala tiveram grandes reduções dessa chuva “convectiva”, reduções que não foram observadas na atmosfera de propriedades rurais menores.
Especialistas há muito alertam que as mudanças nos padrões de chuva provocadas pelo desmatamento na Amazônia poderiam levar o bioma inteiro a uma transição inevitável para uma savana degradada, com grandes consequências indiretas para o clima global.
Práticas de manejo que tentam equilibrar a produtividade com a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais como a ciclagem da água serão cruciais para preservar as florestas remanescentes da Amazônia, dizem os autores do estudo, mas os proprietários comerciais precisarão de grandes incentivos para mudar suas práticas.
O desmatamento para o plantio de commodities em grande escala no sul da Amazônia brasileira é associado a três vezes mais aquecimento superficial do que a agricultura em pequena escala, de acordo com um estudo publicado no começo do ano.
Para investigar como as diferentes práticas de uso do solo afetam o clima local e os padrões climáticos, uma equipe internacional de pesquisadores, liderada por Eduardo Maeda, da Universidade de Helsinque, na Finlândia, analisou quase 20 anos de medições da temperatura superficial coletadas pelo sensor Modis a bordo do satélite Terra, da Nasa.
Eles compararam pastagens comerciais e plantações de grande escala com pequenos assentamentos rurais e descobriram que as temperaturas de superfície nas últimas ficavam entre 1 e 1,85 ° Celsius acima daquelas das florestas adjacentes. Mas as fazendas comerciais de grande escala eram ainda mais quentes, com temperaturas de superfície entre 1,5 e 3 °C mais altas do que as das áreas florestais.
Segundo o estudo, o maior aquecimento das áreas de agricultura em grande escala foi relacionado à menor cobertura vegetal: as fazendas de commodities tinham bem menos vegetação do que os pequenos assentamentos rurais entre maio e novembro, quando plantações recém-semeadas cresciam sobre o solo descoberto. Uma vez que o solo tende a ter uma coloração mais escura do que a vegetação, ele absorve mais radiação solar, causando um aumento na temperatura superficial.
Tirar a vegetação também impede o processo de transpiração – a evaporação da água das folhas – que naturalmente refresca o ar no entorno e alimenta novas nuvens de chuva. Tudo isso somado torna o solo descoberto mais quente do que as florestas. As terras no sul da Amazônia são tão produtivas que muitos fazendeiros de commodities conseguem produzir duas safras por ano, o que significa dois ciclos de colheita, aragem e semeadura, deixando o solo descoberto durante a maior parte do ano e causando maior prejuízo ao ecossistema do que as práticas agrícolas menos intensivas.
A equipe descobriu que o tipo de agricultura também fazia diferença: as plantações comerciais tinham 20% menos cobertura vegetal e apresentavam temperaturas até 1 °C mais altas do que as pastagens comerciais na estação seca.
Os resultados enfatizam que “nem todo desmatamento é igual”, conclui Maeda.
“Esses aumentos de temperatura são significativos, especialmente no contexto do aquecimento global”, diz Marysa Laguë, cientista do clima na Universidade da Califórnia, Berkeley, que não esteve envolvida no estudo. “Se essas anomalias de temperatura persistirem nos climas futuros, vão exacerbar os efeitos de aquecimento do CO2.”
Padrões climáticos alterados
A equipe também incorporou dados do satélite da Missão de Medição das Chuvas nos Trópicos (Tropical Rainfall Measuring Mission, ou TRMM, em inglês) em sua análise, que usou radares para medir a quantidade de diferentes tipos de água na atmosfera – de vapor a nuvens e chuva – entre 1997 e 2015.
O sensor podia distinguir entre nuvens de chuva que se formam diretamente da evaporação da água da terra e da vegetação abaixo (conhecidas como chuva convectiva), e nuvens de chuva alimentadas pela água carregada por longas distâncias nas correntes de circulação atmosféricas (conhecidas como chuva estratiforme). As reduções na cobertura vegetal também levariam a menos chuvas convectivas por mudar o balanço energético entre o solo e a atmosfera e enfraquecer o ciclo da água, explica Maeda.
Corroborando esta teoria, eles descobriram que entre 1998 e 2014, a chuva convectiva sobre regiões dominadas por fazendas de commodities diminuiu durante a estação chuvosa, enquanto a chuva estratiforme permaneceu em grande parte constante. Por outro lado, áreas com predominância de pequenas propriedades rurais não mostraram mudanças significativas nos dois tipos de chuva durante o mesmo período.
Laguë diz que os resultados fornecem “evidências bastante convincentes de que o desmatamento para fins agrícolas na Bacia Amazônia está impactando os fluxos superficiais, a transpiração e as chuvas, podendo assim ter um impacto sobre a reciclagem da precipitação em todo o continente.”
“Os autores mostraram como o desmatamento total da superfície da terra resulta em grandes mudanças na transpiração durante a estação chuvosa, o que parece ter um grande impacto na precipitação local”, diz ela. Contudo, “esses efeitos podem não ser apenas locais”, acrescenta. Mudanças na transpiração “podem muito provavelmente ter implicações no ciclo hidrológico das regiões a jusante.”
Chegando perto do ponto de virada
Muitos especialistas alertaram que as reduções da chuva convectiva na Amazônia como resultado da perda de vegetação poderiam levar as florestas remanescentes a ultrapassarem o ponto de virada que faria com que se transformassem num degradado ecossistema de savana, afetando a atmosfera e o clima em todo o continente.
Cerca de 20% da Amazônia foram desmatados nos últimos 50 anos, e estratégias para impedir mais desmatamento são cruciais para preservar este ecossistema único e os serviços naturais que ele fornece. Mas igualmente importante é a forma como manejamos as terras que já foram desmatadas. Essas decisões “serão muito críticas para a saúde da floresta remanescente”, diz Maeda.
Precisamos encontrar estratégias de manejo do solo que alcancem o equilíbrio certo entre a produtividade agrícola necessária para alimentar uma população humana crescente e a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais como o ciclo da água, diz Maeda. Nem “a pastagem extensiva nem a monocultura intensiva são capazes de alcançar o equilíbrio de que precisamos no momento”, acrescenta.
Abordagens alternativas como a agrofloresta e a agricultura restaurativa – em que uma diversidade de culturas, árvores e forragens para gado são plantadas – podem ajudar a nos aproximar desse equilíbrio, embora provavelmente não sejam uma solução prática para todos os lugares.
Maeda diz que os fazendeiros do sul da Amazônia precisarão dos incentivos certos para fazer a transição da agricultura extremamente lucrativa e produtiva que exercem há décadas. “Eles são pessoas inteligentes e acho que, se virem que o mercado está pedindo outra coisa, em algum momento terão de encontrar alternativas”, diz ele, acrescentando que “precisamos trabalhar juntos”.