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Estudo “Proteger os territórios indígenas da Amazônia brasileira reduz as partículas atmosféricas e evita os impactos e custos associados à saúde”, comandado pela pesquisadora do Ecohealth Alliance, Paula Prist, mostra como os territórios indígenas estão ajudando a combater doenças

Por Leanderson Lima em Amazônia Real | A demarcação não contribui apenas para garantir o direito territorial dos povos indígenas. A regularização fundiária tem uma contribuição muito mais abrangente, beneficiando o ecossistema e a saúde da população brasileira. É o que revela o estudo intitulado “Proteger os territórios indígenas da Amazônia brasileira reduz as partículas atmosféricas e evita os impactos e custos associados à saúde”, da pesquisadora do Ecohealth Alliance, Paula Prist. A Ecohealth Alliance é uma organização global sem fins lucrativos de saúde ambiental, com sede em Nova Iorque, nos Estados Unidos. O estudo [que foi revisado pelos pares], foi publicado nesta quinta-feira (06), na revista Communications, Earth & Environment, do Grupo Nature.

Além de Paula Prist, assinam o estudo Florencia Sangermano, Allison Bailey, Victoria Bugni, María del Carmen Villalobos-Segura, Nataly Pimiento-Quiroga, Peter Daszak e Carlos Zambrana-Torrelio. A pesquisa abrange todos os estados da Amazônia Legal, bem como os territórios indígenas nele inseridos.

Para o líder indígena e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinamam Tuxá, os alertas que os povos originários fazem, há anos, enfim, passaram também a ser mensurados pela própria ciência ocidental.

“Os povos indígenas já vêm alertando, já vem contribuindo, inclusive, já vem sinalizando para o campo científico e para toda a comunidade internacional a importância dos territórios indígenas e as contribuições desses territórios”, destacou Dinamam Tuxá, durante coletiva online realizada nesta quarta-feira (05), para marcar o lançamento da pesquisa. 

Além de Paula Prist e de Dinamam, a coletiva contou com a participação do cientista do clima e especialista na crescente gravidade do ponto de inflexão que está colocando em risco a Amazônia, e copresidente do Painel de Ciências para a Amazônia, Carlos Nobre; da ecologista de ecossistema e diretora do programa de água e cientista associada do Woodwell Climate Research Center, Marcia Macedo; da vice-diretora científica do Instituto Brasileiro de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e uma das principais especialistas em mudanças climáticas, impactos, adaptação e vulnerabilidade como membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Patricia Pinho; e de Maypatxi Apurinã, que é gerente de monitoramento territorial da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

“Agora, mais uma vez, tudo o que nós afirmamos da contribuição dos territórios indígenas em termos de proteção do planeta, se concretiza no conhecimento científico”, ressaltou o líder indígena Dinamam Tuxá.

Para Paula Prist, que estudou o tema por dez anos, os resultados do estudo mensuraram o quanto a manutenção e proteção das florestas protegidas pelos povos indígenas podem impactar na saúde humana. “A gente tenta mostrar que a floresta em pé, a floresta protegida pelos povos indígenas, vale muito mais do que no chão, do que desmatada. E que a nossa saúde, o nosso bem estar, estão intimamente ligados à conservação dessas regiões”, explicou a cientista.

A pesquisadora explica que a floresta Amazônica tem a capacidade de absorver vinte seis mil toneladas de um poluente, que é extremamente nocivo, e que é liberado todos os anos, durante o período das queimadas, na estação seca, que é o PM2.5 (que são partículas em suspensão, que têm sido associadas a doenças e a mortes causadas por doenças cardíacas ou pulmonares).

Paula Prist afirmou que, hoje, os territórios indígenas, que ocupam apenas 22% do território da Amazônia Legal, respondem pela retirada de circulação de 27% da partícula PM2.5. que é lançada no ar, durante o período das queimadas.  

O estudo mostra que, por conta desse papel importante na absorção desses poluentes, as florestas que são protegidas pelos povos indígenas, teriam a capacidade de evitar nada menos do que 15 milhões de casos de infecções relacionadas a esse poluente que causa as chamadas “doenças ocasionadas pelo fogo”.

Segundo a pesquisadora, a manutenção dos territórios indígenas, preferencialmente regularizados pelo governo brasileiro, fiscalizados, monitorados e protegidos, evitaria uma despesa anual de aproximadamente 2 bilhões de dólares (10 bilhões de reais) ao sistema público de saúde, o que equivale aos custos nos tratamentos de doenças causadas pelas queimadas.  

“Os nossos resultados também mostram que esses territórios, eles não precisam estar perto de onde os incêndios ocorrem. Como esses poluentes se movem em longas distâncias, mais ou menos por 500 quilômetros,  eles conseguem afetar negativamente populações que vivem longe desses eventos, então, esses territórios indígenas, mesmo que eles estejam distantes de onde os incêndios ocorrem, muitas [vezes ocorrem no arco do desmatamento], eles, ainda assim, conseguem fornecer este serviço e conseguem proteger as populações rurais, urbanas, que acabam morando em toda a região”, disse Paula Prist, que alertou também para a necessidade de se fazer algo antes do início da estação dos incêndios.

“Toda vez que a gente desmata esses territórios ou a gente coloca os territórios em risco, a gente vai ter um efeito negativo para a nossa própria saúde. Conservar esses territórios é uma questão de saúde pública e a gente tem que começar a olhar para isso o quanto antes e o mais rápido possível.”

Dinamam Tuxá lembrou que nos últimos anos os povos indígenas têm feito esse enfrentamento aos ataques à floresta, como desmatamento e queimadas, e às terras indígenas, de forma autônoma, principalmente durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Dinamam Tuxá (Foto: Mídia Ninja)

“Esperamos que agora o Estado brasileiro apresente um plano para conter essas atividades criminosas, que são as queimadas, oriundas, muitas vezes do agronegócio, do avanço de grandes empreendimentos de pessoas que adentram dentro das terras Indígenas ou no entorno.”

Dinamam Tuxá espera que o governo brasileiro, com base nesse estudo científico, se comprometa de fato com as bandeiras de desmatamento zero, combate às queimadas dentro e fora das terras indígenas, unidades de conservação e de todo o território nacional.

Por suas vez, a pesquisadora Marcia Macedo, salientou que o estudo mostra que são de fato os guardiões da floresta. “(O estudo)  ressalta também a importância de reconhecer os direitos dos povos indígenas e de garantir a integridade dos seus territórios, não só pelo carbono, mas também pela saúde pública e eu confesso que eu ando bastante preocupada com o futuro dessas florestas, principalmente no Sul e sudeste da Amazônia, onde eu trabalho há um tempo, onde tudo indica que o regime de fogo já mudou drasticamente nas últimas duas décadas.”

Monitoramento

II Curso Básico de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e Geoprocessamento, organizado pelo IPAM em parceria com a Coiab (Foto: Ipam)

Durante a coletiva, Maypatxi Apurinã disse que participou recentemente do projeto de instalação de sensores de qualidade do ar, coordenado por Márcia Macedo. Ela revelou que os sensores foram instalados em territórios indígenas localizados no Sul do Amazonas, mais precisamente no município de Lábrea, um dos recordistas de desmatamento no Sul do Amazonas, no chamado “arco da destruição”. 

“A Coiab tem apoiado iniciativas de formação de brigadas indígenas. É importante também que a gente possa empoderar as iniciativas indígenas para que haja uma redução de uso do solo voltado para agricultura e pastagens e mais uso consciente e organizado dos recursos ambientais pelos povos indígenas e comunidades tradicionais”, afirmou a líder indígena.

“Esse monitoramento e cuidado com a terra ele já existe há mais de 500 anos. Os povos indígenas como proteger a terra, mas só que para isso, eles precisam ter a demarcação de seus territórios. Esses territórios indígenas têm sido defendidos com vidas, com sangue”, pontua.

Mais sobre o estudo

Paula Prist (Foto: Acervo pessoal)

De acordo com Paula Prist, o estudo incluiu diferentes abordagens, em uma análise transversal, passando pela área da saúde pública, economia, análise geoespacial, entre outros. “A gente tem uma equipe multidisciplinar para conseguir colocar todos esses diferentes elementos dentro dessa pesquisa. A gente tem especialista em assessoramento remoto que foi quem gerou os dados do PM 2.5, uma economista ambiental que foi quem fez as análises econômicas e temos duas epidemiologistas”, afirmou.

A pesquisadora falou ainda sobre os desafios e surpresas revelados pelo estudo. Um dos desafios foi fazer as modelagens para a região Amazônica. “É extremamente custoso em termos computacionais, então não parece, mas qualquer análise que a gente faz, demora três ou quatro meses usando bons computadores, nuvem, computadores que tem a capacidade muito maior dos nossos computadores físicos. Foi um trabalho computacional muito intenso durante mais de um ano, então refazer qualquer análise é algo que demorava muito, muito tempo”, explica.

A coleta de dados, afirmou a cientista, também é algo que não é fácil, os meus colegas aqui podem concordar comigo. “Por exemplo, dados de P.M 2.5, a gente tem diários, mas na hora de validar o modelo, a gente só tem dados anuais, então nós poderíamos ter feito modelos numa escala temporal muito mais refinada, mas a gente se depara com falta de dados e a gente acaba tendo que não piorar mas fazer o estudo de forma diferente do que a gente previa inicialmente”, explicou.

No que diz respeito aos casos de doenças causadas pelas queimadas, o estudo abrange somente a região da Amazônia Legal. “A gente considera todos os casos que deram entrada nos sistemas hospitalares, então, não necessariamente internações, mas se a pessoa entrou para fazer algum tratamento, ela acaba entrando dentro do sistema então esses casos que foram considerados, internações e qualquer entrada em postos de saúde, e que necessitou de algum tratamento algum recurso deste sistemas de saúde”, explicou Paula Prist.

Pressão pela demarcação de territórios

Desmatamento próximo da TI Gavião no município de Careiro da Várzea (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Maypatxi Apurinã e Dinamam Tuxã, a partir do que revela o estudo, reforçaram a urgência do governo brasileiro iniciar as demarcações de terras indígenas, sobretudo as mais ameaçadas por impactos vindos de garimpo, invasões e retirada de madeira. Eles lembraram que, no relatório de transição do governo Lula, ainda em novembro de 2022, os grupos de trabalho apresentaram a existência de territórios que já estariam aptos, juridicamente, a serem demarcados.

“Nesses primeiros 100 dias (de governo) inclusive foi objeto de campanha do presidente Lula. Não são só 13 territórios anunciados pela equipe de transição, no começo da gestão, mas nós mesmo estamos cobrando que são 14, já tem documentação comprovando que são 14 terras Indígenas que estão aptas a serem demarcadas”, apontou Dinamam.

Para ele, essa morosidade acontece em virtude da necessidade de readequação dos processos de demarcação, parados há mais de seis anos, e que precisam passar por uma revisão junto à Funai.

“Nós estamos aqui cobrando inclusive do governo, que essas demarcações se concretizem e o prazo aí que foi estipulado pelo próprio governo [100 dias]. Estamos esperançosos e bastante preocupados também porque nós continuamos cobrando, fazendo o nosso papel enquanto movimento indígena, que é garantir que pelo menos essas 14 ou 13 terras saia nos próximos dias que vai completar os 100 dias de governo”, disse o líder da APIB.

Maypatxi lembrou que existem muito mais terras indígenas a serem demarcadas.  “A luta do movimento [indígena] é incessante, continuaremos mobilizando, cobrando porque a gente sabe, que a nossa luta não é de agora, e nós queremos muito mais território indígena demarcado porque precisamos da permanência dos nossos povos nos territórios”.

O cientista Carlos Nobre, que tem uma vasta experiência e trabalho na Amazônia, ressaltou o importante momento de valorização dos povos indígenas.

“Eu tenho mais de 70 anos e não consigo me lembrar, na minha carreira, um momento em que a valorização dos povos indígenas de toda a América do Sul, de toda a Amazônia tem alcançado o ponto que ela está alcançando hoje. É muito importante estudos como este que mostram como é relevante manter a floresta Amazônica, zerar o desmatamento, zerar a degradação, zerar o fogo. Até mesmo a prática muito atrasada de usar o fogo na pecuária brasileira precisa ser completamente eliminada”, lembrou.

Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência de jornalismo independente e investigativa Amazônia Real não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos. Doe aqui.

Este texto foi originalmente publicado pela Amazônia Real de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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