Milhares de tigres estão morrendo em condições miseráveis em fazendas mascaradas como parques de vida selvagem da China, para sustentar um negócio multimilionário de venda de vinho feito com os seus ossos, segundo revelou uma investigação do periódico inglês MailOnline, publicada em fevereiro de 2016. Em reportagens anteriores, veículos como Washington Post, dos EUA, e Vice, do Canadá, já tinham alertado sobre a prática.
Novos ricos chineses que têm a falsa crença de que consumir ossos de tigres os deixa mais fortes, aumenta a sua potência sexual e combate reumatismo, estão pagando cerca de US$ 600 por uma garrafa, o que está levando essa indústria de exploração dos tigres a um crescimento fenomenal.
Vendido como tônico e afrodisíaco em garrafas em formato de tigre, o vinho está cada vez mais popular em sites de venda pela internet, e uma aceitação tácita do governo (diz que é possível utilizar partes de tigres que morrem de causas naturais) torna mais fácil encontrar o produto em restaurantes frequentados pela crescente elite endinheirada do país.
De acordo com a reportagem, como a procura pela bebida é alta, as fazendas que criam esses animais estão se expandindo e reproduzindo cada vez mais filhotes, enquanto países vizinhos, incluindo Laos e Vietnã, estão disponibilizando mais terrenos para atender à demanda.
Os repórteres do MailOnline quebraram o esquema de segurança para obterem fotos e vídeos mostrando tigres magros em um parque de vida selvagem em Guilin, no sudoeste da China, que atrai pouquíssimos visitantes mas tem o incrível número de 1,8 mil tigres – fazendo do lugar o maior confinamento de tigres cativos do mundo.
No degradado parque Xiongsen Bear and Tiger Moutain, a população de tigres quase dobrou na última década, e lá encontram-se fileiras e fileiras de tigres em gabinetes desgastados – alguns com ervas daninhas até a metade.
Funcionários e moradores das proximidades disseram à reportagem que o parque em breve será vendido pelo proprietário Zhou Weisen, e os animais serão levados para um novo local a cinco milhas de distância, que é três vezes maior, para que seja possível confinar a população de tigres que só cresce.
No parque, os animais são deixados para morrer – de fome, de doenças ou por brigas entre si – para que os seus corpos sejam levados para uma fábrica em uma área rural a 250 milhas de Guilin, em Pingnan, onde seus esqueletos são mergulhados em imensos tonéis de saquê e assim permanecem para decantação por até oito anos.
Apesar de uma proibição internacional da reprodução de tigres para uso de partes de seus corpos, os ossos desses animais são largamente vendidos em uma loja anexa a um hotel pertencente a Zhou, onde garrafas de vinho de tigre de ossos de 500 ml são vendidas por US$ 600.
Dentro do hotel, o vinho é oferecido como acompanhamento de pratos, e o rosto de Zhou aparece estampado no rótulo de algumas garrafas.
Os ossos de cada tigre morto permitem um ganho de milhares de dólares para os exploradores – além das peles, dentes, bigodes e outras partes do corpo, que também são vendidas a altos preços.
Estima-se que haja atualmente seis mil tigres cativos na China – mais que o dobro da população restante na natureza no mundo todo – e os especialistas de vida selvagem afirmam que as evidências destacam a importância de se tomar medidas urgentes para frear essa indústria.
“Se essa criação não parar imediatamente, a população ficará cada vez maior, e teremos 10 mil tigres cativos na China. Esse problema está prestes a se tornar imenso e incontrolável”, disse a Agência de Investigação Ambiental (EIA) baseada em Londres.
A criação de tigres para venda de suas partes é proibida segundo a Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), da qual a China é signatária, mas o governo chinês concedeu uma exceção aos criadores que argumentam que as suas fazendas reduzem a caça de tigres selvagens.
Dessa forma, o Xiongsen Bear and Tiger Mountain alega que não está fazendo nada de ilegal.
No entanto, os ativistas e o público estão se manifestando contra a indústria, pelos óbvios maus tratos aos animais nela praticados. Até mesmo a emissora de TV pública da China atacou o parque por seu tratamento aos animais em uma reportagem de 2014.
A equipe de reportagem do MailOnline foi repetidamente avisada de que era proibido tirar fotos ou filmar o local, e guardas a seguiram de perto durante toda a visita, sendo que foi possível filmar e fotografar apenas quando os mesmos não estavam olhando.
Quando os repórteres perguntaram aos guardas sobre a condição degradante dos animais, eles balançavam a cabeça e diziam: “Há tantos deles que é difícil alimentar a todos e não há comida suficiente”.
Na hora da alimentação da tarde, um tigre extremamente magro, com os ossos de suas costas e das pernas traseiras protuberantes por debaixo de sua pele, tentava comer pedaços de carne atirados em seu gabinete, antes de serem disputados por outros tigres também famintos.
Longe da vista do público, a equipe encontrou a infinidade de celas enfileiradas, cheias de mato e com cercas de arame gastas, nas quais eram confinados tigres sozinhos ou em pares.
Embora o número de visitantes pagantes seja muito pequeno, uma apresentação acontece diariamente em um auditório circular no centro do parque. Nele, alguns tigres são forçados a realizar performances como pular através de aros e ficar de pé sobre uma bola inflável, sob o comando de um treinador vestido em trajes extravagantes e que bate nos animais com uma barra de metal se eles não o obedecem.
A exibição dura 30 minutos e é seguida por outra que apresenta macacos acorrentados com expressão miserável, ursos andando de bicicleta e uma cabra obrigada a andar em um arame suspenso com um bebê de macaco sobre as suas costas.
“Isso não tem nada a ver com preservação”, disse a reportagem. Esses locais são basicamente fábricas como outras quaisquer, que procriam e matam animais em nome do lucro.
O Xiongsen é o maior parque de tigres da China, seguido pelo Siberian Tiger Park em Harbin, no norte do país, que tem mais de mil tigre cativos e também produz vinho de ossos dos animais sob a anuência do governo.
Além dos 1,8 mil tigres, o parque tem também 400 ursos asiáticos em cativeiro, conhecidos como ursos-lua. Na loja do hotel em Pingnan, a reportagem também encontrou vinho contendo ossos de ursos, em garrafas que eram vendidas por US$ 150.
Atrás do balcão, garrafas de vinho de ossos de tigre estavam empilhadas quase até o teto, prontas para serem enviadas para clientes de todo o país. “O vinho de tigres de Xiongsen é o melhor da China e boa parte do nosso comércio vem da internet”, disse a balconista orgulhosamente.
Na China, o uso de partes do corpo do tigre como alimento e bebida esteve na cultura por milhares de anos. Acreditava-se que a pessoa que ingerisse um animal de tamanha força teria acesso a excelentes propriedades medicinais. Olhos, bigodes e dentes do animal são usados como compostos em medicamentos para tratar doenças que vão de insônia a malária. Alega-se que o cálcio e a proteína encontrados nos ossos de tigres têm propriedades anti-inflamatórias, promovendo a cura. Os produtores do vinho de osso de tigre exaltam suas propriedades analgésicas – sem levar em conta o alto teor alcoólico da bebida.
No meio do século XX, houve uma grande redução de tigres na China devido à caça de animais selvagens. Os defensores do uso dos tigres para a produção de vinho (que alegam que se trata de um recurso natural do país), afirmam que a reprodução em cativeiro alivia a pressão sobre os tigres selvagens da China – mas isso não se provou verdadeiro. É mais barato matar tigres selvagens do que criar e exterminar tigres em cativeiro. Desse modo, caçadores em nações da Ásia, como na Índia, matam tigres selvagens e vendem as diversas partes para a China, que produz vários tipos de produtos. Como os tigres estão ficando raros, alguns extravagantes novos ricos chineses pagam quantias absurdas para consumir tigres selvagens, acreditando que eles seriam mais puros.
No meio de tudo isso, há mais questões: pessoas alegam que se trata de um preconceito ocidental contra a tradicional medicina chinesa; o crescimento desordenado de tigres em cativeiros (o que provocaria problemas caso fossem soltos sem critério na natureza); a pressão da comunidade internacional e de organizações em defesa dos animais para que haja leis mais rigorosas na China com relação aos tigres.
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