O rompimento de barragens como as de Mariana e Brumadinho causa impactos ambientais e perdas humanas enormes. Os rejeitos da mineração se espalham pela região, matam pessoas, contaminam rios e inviabilizam o uso da água para abastecimento. Além da discussão sobre a segurança das barragens e as técnicas de construção utilizadas, existe outro fator: já existe tecnologia para reciclar os chamados “rejeitos de mineração“.
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi uma das que desenvolveu tecnologia para usar o material proveniente das barragens de rejeitos para fabricar tijolos e outros materiais para a construção civil. A chamada lama tóxica, segundo explicação do professor titular de engenharia da UFMG Evandro Moraes da Gama, coordenador da pesquisa, é rica em areia e cimento, além do pigmento, o que confere uma coloração interessante aos “tijolos de rejeitos“.
A lama estocada nas barragens, por si só, não é tóxica. Os rejeitos de mineração de ferro são compostos principalmente por elementos de sílica, alumínio e ferro, sendo classificado como resíduo classe II A – não perigoso e não inerte, segundo os parâmetros de avaliação contidos na ABNT NBR 10004/2004 – isso quer dizer que eles não são perigosos, mas são solúveis em água (não inerte).
E é justamente a junção dos rejeitos com a água que faz surgir a chamada lama tóxica. Em casos de rompimento da barragem, as reações do material com a água dos rios liberam os metais contidos no rejeito e também substâncias presentes no leito dos rios, além da lama turvar a água (o que causa a morte de peixes e plantas aquáticas, que não conseguem respirar por conta da ausência de luz).
O professor Gama destaca, em entrevista à Rádio Brasil, que esse rejeito é um coproduto bastante rico para a economia mineral e que seria possível gerar circularidade econômica com ele, integrando o que para a mineração são rejeitos na cadeira produtiva da indústria cimenteira. Ou seja, na verdade o melhor termo a ser usado para a lama da mineração é resíduo, já que o material pode ser reciclado e servir como matéria-prima para a fabricação de tijolos, telhas, blocos, painéis e pisos, por exemplo. Entenda a diferença entre resíduo e rejeito.
O rejeito de mineração não é toxico e não apresenta nenhum elemento nocivo à saúde pública ou ao meio ambiente, podendo ser utilizado para a produção de cimento, tijolo, argamassa e outros materiais para a construção civil, segundo artigo coordenado pela pesquisadora em Engenharia Civil na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Júlia Castro Mendes.
Gama destaca que a universidade possui a patente da tecnologia para fabricação de cimento e tijolos, que conta com uma casa construída com os tijolos de rejeitos desde 2015. O professor é um dos responsáveis pelo Laboratório de Geotecnologias e Geomateriais do Centro de Produção Sustentável da UFMG, em Pedro Leopoldo (MG), que conta com uma planta-piloto de calcinação flash (queima controlada), automatizada e com capacidade de produção de 200 kg/hora.
A calcinação flash (CF) é uma tecnologia de ponta que possibilita calcinar microparticulados, o que é impossível nos fornos convencionais. Isso permite transformar alguns compostos mineralógicos das matérias-primas como rochas estéreis e rejeitos de tratamento em ligantes de alta resistência que geram, por exemplo, ecocimento.
O ecocimento é feito por meio da transformação dos rejeitos de minério em um pó, a lama calcinada. Para isso, o material é colocado dentro desse forno que faz a água do barro evaporar completamente. Esse pó tem uma propriedade especial, que os engenheiros chamam de grande superfície específica, e que faz com que o pó agarre outros materiais colocados em contato com ele. Funciona da mesma maneira que o cimento popularmente conhecido.
Além disso, as rochas estéreis também descartadas no processo de mineração, quando moídas e calcinadas, acrescentadas a cal ou cimento, também se transformam em ligantes poderosos. É a partir da junção desses materiais que é possível produzir os blocos de tijolo de rejeito.
Pesquisadores de universidades como a Federal de Lavras (UFLA) e a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), além de indústrias como a Alcoa (que estudou a produção de tijolos com resíduo da mineração de bauxita), também realizaram estudos semelhantes. Em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto, defendida no final de 2013 e com ampla bibliografia nacional e internacional, Wanna Carvalho Fontes pesquisou e concluiu pela segurança e viabilidade de se utilizar o rejeito de barragem de minério de ferro para produção de argamassas de revestimento e assentamento.
As análises laboratoriais da pesquisa possibilitaram identificar que as amostras de rejeito são compostas essencialmente por óxidos de silício, óxido de alumínio e óxido de ferro. Ela ressalta que “os rejeitos de minério de ferro apresentam, em geral, grande heterogeneidade em suas características em função das diferenças do processo de beneficiamento do minério, do tipo de minério bruto ou mesmo da variabilidade das frentes de lavra e da sua posição na barragem”, entre outros fatores. Mas, segundo as análises ambientais desses rejeitos, feitas segundo a norma da ABNT acima citada, as amostras foram classificadas como resíduo classe II A – não perigoso e não inerte.
Ela conclui que, da mesma forma que o resíduo usado como matéria-prima não é perigoso, “espera-se que a adição do resíduo classe II A a outros materiais, como cimento, cal e areia, não altere a classificação ambiental das argamassas propostas”. O mesmo vale para a fabricação de tijolos e outros materiais.
A própria UFMG tem também outras linhas de pesquisa, com resultados bem sucedidos também na criação de tijolo de rejeito feito por prensagem, sem precisarem passar pelo processo de queima. O material obtido é seguro para uso na construção civil, não apresenta risco de contaminação para o ser humano ou o meio ambiente. Os resultados da pesquisa estão contidos em artigo publicado em 2014.
O professor da UFMG diz que essa já é uma tecnologia consolidada, sendo muito usada em países como a França e a China, que inclusive exposta para o Brasil porcelanato produzido a partir de rejeito de mineração. “O que está estocado dentro da barragem é um produto quando tratado. Se as mineradoras entrassem em acordo com os consumidores de cimento e areia, que são as cimenteiras e indústrias de cimento, teríamos um desfecho para esse rejeito e não seria preciso estocá-los como está acontecendo”, explica.
“As indústrias deveriam conversar entre si e aproveitar a tecnologia que está disponível para transformar o rejeito em economia e não em tragédia“, enfatiza o estudioso. A utilização do tijolo de rejeito tornaria as construções em média 30% mais baratas. A implantação de uma economia circular entre os setores de mineração e construção também dispensaria a necessidade de construir barragens ou buscar outras soluções para um coproduto que atualmente é tratado como rejeito, evitando também o rompimento de barragens e as contaminações oriundas da mistura do rejeito de mineração com a água dos rios.
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