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Marco do debate ambiental contemporâneo, a Conferência de Estocolmo, que completa 50 anos, tem seus desdobramentos avaliados por historiador da Fafich

Em junho de 1972, representantes de 113 países e de 400 organizações governamentais e não governamentais se reuniram pela primeira vez em Estocolmo, na Suécia, para debater questões ambientais. A conferência, planejada pela Organização das Nações Unidas (ONU), inaugurou a agenda mundial sobre o assunto e é até hoje lembrada como um marco na história da preservação do meio ambiente, sendo considerada o primeiro passo para a busca pelo desenvolvimento sustentável, pela consciência ecológica e pelo direito ambiental. 

A partir do encontro de Estocolmo, a ONU criou o programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, no qual ficou estabelecido em 5 de junho seria comemorado o Dia do Meio Ambiente. A partir dali, outras conferências se seguiram, como a Rio-92, realizada no Rio de Janeiro, a Rio+10, ocorrida em Johanesburgo, na África do Sul, e a Rio+20, também na cidade brasileira, em 2012. Para celebrar o cinquentenário do primeiro encontro, a conferência retorna à cidade sueca, onde ocorrerá a Estocolmo+50.

O Portal UFMG conversou com o historiador Ely Bergo de Carvalho, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), para entender o processo evolutivo das discussões ambientais ao longo das últimas décadas. Segundo o professor, entender a história das iniciativas de proteção ambiental é importante porque “só assim poderemos tomar decisões ambientais mais sábias no presente.”

Por que a Conferência de Estocolmo pode ser considerada o ponto de partida para que as nações começassem a debater as questões ambientais?
Ely: Até meados do século 20, a preocupação com a proteção da natureza era restrita a grupos de cientistas e “amantes da natureza”. A Conferência foi importante porque levou essa questão para o debate internacional. Naquela época, problemas como a poluição, a caça predatória, a extinção de animais, a erosão do solo e o desflorestamento eram pensados como questões separadas. Uma nova perspectiva começou a ser configurada na década de 1970, na qual não era mais o futuro do ambiente natural que estava em risco, mas o futuro da espécie humana. Essa mudança de perspetiva gerou uma unidade em todas as problemáticas que hoje chamamos de “questão ambiental”.

A Conferência de Estocolmo surgiu dentro do contexto que alguns autores chamam de “a grande aceleração”. O que foi esse período?
Ely: Esse período recebe tal nomenclatura porque foi marcado pelo consumo humano de água, pela emissão de gases do efeito estufa, pela destruição de florestas tropicais e pelo crescimento da população mundial. Esses e outros indicadores nunca haviam sido tão grandes como após o final da Segunda Guerra Mundial. A projeção de uma estabilização da população mundial e o aumento da produtividade não impediram todos os problemas e hoje já consumimos mais do que o planeta pode oferecer. 

Podemos dizer que a Conferência de 50 foi um indício de que a sociedade começava a se preocupar com as questões ambientais? O que mudou de lá para cá? 
Ely: As mudanças foram enormes. Um grande aparato institucional ambiental foi constituído, que vai desde o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente até a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte. Todavia, o que me impressiona é o que não mudou, pois em 1972 a imprensa brasileira anunciava em suas manchetes que a ONU considerava integrados a ecologia e desenvolvimento. Porém, o desenvolvimento predatório nunca esteve integrado à ecologia e as perspectivas não são promissoras para os próximos 50 anos.

Como o pensamento acerca das questões ambientais evoluiu ao longo da história?
Ely: No pensamento ocidental, o Iluminismo no século 18 propunha o controle do mundo natural pelos seres humanos e naquela época já surgia um grupo de intelectuais preocupados com as implicações da ação humana no ambiente natural. Durante séculos, a pergunta fundamental era o que a natureza poderia fazer com os seres humanos. Com o passar do tempo, uma nova pergunta começou a tomar força: quais as implicações da ação humana na natureza? Todavia, é importante frisar que esse debate intelectual ficou restrito a cientistas e a alguns grupos da classe média até meados do século 20.

E os movimentos de proteção ambiental, como eles evoluíram?
Ely: O movimento ambiental não é uno, mas um emaranhado de propostas, ações e projetos de futuro. Há desde a emergência dos grupos de defesa dos animais, a partir do fim do século 18, passando pela organização da sociedade civil em torno de propostas preservacionistas e com uma relação de reverência espiritual com a natureza, até movimentos conservacionistas que buscam otimizar a utilização dos recursos. Existe também o “ecologismo dos pobres”, que mostra como as práticas das camadas populares foram (e ainda são) uma força importante para proteção do mundo natural, denunciando a injustiça ambiental de ações de preservação que excluem as comunidades locais. Hoje há desde grupos empresariais que sustentam ONGs que apoiam a responsabilidade socioambiental até comunidades quilombolas que buscam manter áreas de mata que protegem as nascentes de água. Todos reivindicam o ambientalismo, mas com interesses e projetos de futuro muito diferentes.

Se de um lado surgiam os grupos de conscientização ambiental, de outro apareciam os negacionistas, aqueles que se recusam a aceitar que o planeta está mudando e que são necessárias medidas para a sua proteção. Como e quando surgiu o fenômeno do negacionismo?
Ely: Sempre tivemos grupos negacionistas, desde o nascimento da ciência moderna. Entre os séculos 17 e 19, a ciência assumiu a hegemonia em sua disputa secular com a religião e, desde então, uma perspectiva anticientífica foi relegada a segundo plano. Isso mudou com a internet, que gerou uma nova ecologia do saber. 

Podemos dizer que na modernidade clássica os cientistas tinham um relativo monopólio da palavra, respaldados pelos grandes meios de comunicação, pelo sistema de ensino formal e pela ação do Estado. Na década de 1990, a promessa da internet era democratizar o conhecimento, rompendo com a hegemonia cientificista. Porém, houve efeitos perversos. As bolhas formadas pelos algoritmos que nos mostram apenas aquilo que queremos acaba estabelecendo um viés de confirmação. Por exemplo, se você começar a procurar dados sobre a teoria da terra plana, cada vez mais você receberá informações sobre tal teoria da conspiração até estar totalmente imerso nela e em contato com seus seguidores. O trágico é que na ecologia do saber gerado pela internet a palavra desses que negam a ciência tem tanta “autoridade” e espaço quanto a dos especialistas mais renomados. 
Assim, o que surgiu como esperança de democratizar o saber está, também, sendo usado para fomentar a ignorância com a regência de grupos políticos e econômicos favorecidos por tal perspectiva negacionista.

Como a educação pode ser utilizada como ferramenta para combater esse negacionismo?
Ely: São muitas as frentes de batalhas. Uma formação escolar sólida em ciências e humanidades é uma vacina com boa eficácia contra o negacionismo. Entender as ciências e as humanidades, e não apenas decorar informações, ajuda muito a distinguir o científico e o não científico. Além disso, a educação como processo permanente pode ajudar a “furar as bolhas” e ajudar na disputa dos novos fóruns públicos na internet.

Ainda sobre o papel da educação, qual seria a função das universidades nas questões ambientais? Como elas podem participar dos processos em defesa do meio ambiente?
Ely: As universidades estão ou deveriam estar na linha de frente do enfrentamento das problemáticas ambientais. No ensino, um papel importante é formar profissionais que consigam compreender a dimensão ambiental em suas profissões nas mais variadas áreas, de professores a engenheiros. A formação dos estudantes deve superar uma perspectiva tecnicista da formação fragmentada e instrumental, criando profissionais capazes de articularem aspectos ecológicos, econômicos e sociais. Já na extensão, as universidades devem promover o diálogo com a comunidade, ajudando a formar um conhecimento aberto ao saber não acadêmico e à vida prática. Por fim, a pesquisa é seguramente a maior contribuição das universidades, considerando que qualquer perspectiva de uma sociedade global viável no longo prazo implica alto investimento em ciência e tecnologia.

Por que é importante conhecer a história da proteção ambiental e dos grupos dedicados a essa pauta?
Ely:
 É um lugar comum afirmar que devemos conhecer os erros do passado para não repeti-los. Contudo, não é possível buscar em tempos remotos uma origem que solucione os problemas atuais, já que as condições de possibilidade de um fenômeno no passado não são as mesmas do presente. Mais do que a gênesis, cabe ao historiador identificar a alteridade em relação à contemporaneidade, narrando as continuidades e as diferenças. Dessa forma, a narrativa histórica ao lembrar o campo de possibilidade estabelecido no passado pode orientar a vida prática de hoje. Só assim poderemos tomar decisões ambientais mais sábias no presente.


Este texto foi originalmente publicado por UFMG de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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