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Medida ameaça os povos indígenas, a biodiversidade e a segurança climática do Brasil

Por Jorge Eduardo Dantas, do Greenpeace | A tese do Marco Temporal é uma das principais ameaças que existem hoje contra os povos indígenas do Brasil. Por meio dela, a bancada ruralista no Congresso Nacional e os setores ligados ao agronegócio querem estabelecer uma data a partir de quando um determinado território pode ou não ser considerado terra indígena. 

Essa ideia, que não encontra respaldo na legislação brasileira, está presente hoje no Projeto de Lei 490/2007, que tramita na Câmara dos Deputados e faz parte do #PacotedaDestruição que os ruralistas querem aprovar; e no Supremo Tribunal Federal (STF), na forma de um julgamento que foi adiado em junho último e ainda não tem previsão de voltar à pauta. 

Conheça agora alguns argumentos para entender por que o marco temporal é uma péssima ideia:

1 – O MARCO TEMPORAL É INCONSTITUCIONAL 

A tese do Marco Temporal afronta diretamente o artigo 231 da Constituição Federal – e por isso precisa ser rejeitada por toda a população brasileira! Neste artigo, o texto da Carta Magna fala em “direitos originários” dos povos indígenas – ou seja, o direito desses povos é anterior à formação do Brasil. Por isso, a história de colocar uma data a partir de quando os direitos indígenas seriam válidos não faz sentido e não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico. Ou seja: o que os ruralistas estão propondo é ilegal!  

A Assembleia Constituinte de 1988 foi muito clara no sentido de reconhecer a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições dos povos originários – assim como os direitos originários sobre as terras que eles tradicionalmente ocupam.

2 – O MARCO TEMPORAL FRAGILIZA DIREITOS CONQUISTADOS

Vivemos num período de muitos retrocessos e o surgimento da tese do Marco Temporal no debate público é parte desse processo – de sobrepor os interesses de uns em detrimento dos direitos de outros. Não podemos concordar com isso! A ideia do Marco Temporal, no final das contas, busca retirar direitos indígenas, abrindo um precedente perigoso em tempos tão sombrios para a política brasileira. Vamos assistir a isso calados? 

3 – O MARCO TEMPORAL DESTRÓI A POLÍTICA DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL 

Juristas ligados à causa indígena são unânimes em dizer: caso a tese do Marco Temporal seja aceita – ou seja, caso ela passe no Congresso ou seja julgada procedente no STF – diversos territórios indígenas demarcados e consolidados hoje podem sofrer processos de revisão. Essa medida aumentaria o caos fundiário que existe no Brasil hoje e acirraria conflitos por todo o País, como aquele vivenciado pelos povos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Assim, toda a experiência, acúmulo, jurisdição e técnicas utilizadas há décadas para os processos de demarcação seriam perdidos e inutilizados. 

Vale lembrar ainda que esse é um tema no qual o Brasil ainda fica devendo: hoje, 832 terras indígenas, por todo o País, aguardam providências do poder público para sua regularização (o que equivale a 64% de um total de 1299 terras indígenas). Mas o lobby do agronegócio é forte e o governo Bolsonaro não demarcou uma única terra indígena desde 2019 – ele é o primeiro presidente do Brasil, após a redemocratização, a desrespeitar os direitos indígenas de maneira tão direta e ostensiva.

4 – O MARCO TEMPORAL AMEAÇA A SOBREVIVÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

É sabido que os povos indígenas possuem uma relação muito particular e distinta com os territórios em que habitam. Na cosmologia de muitas populações, os rios, as montanhas, as cavernas e florestas têm lugar específico, e ajudam aquele povo a entender e encontrar seu lugar no mundo. Por isso, retirá-los de certos locais, contaminar rios, demolir morros e abrir estradas é tão danoso para a cultura desses grupos. Aceitando a tese do Marco Temporal, as terras indígenas ficariam ameaçadas e diversas aldeias e comunidades começariam a lidar com grandes obras, como hidrelétricas, superpopulação e crimes como exploração de trabalho escravo, exploração sexual infanto-juvenil, caça e pesca ilegal. Isso ameaça a vida e cultura desses povos, seu tecido social, as relações com seus ambientes e, num grau acima, suas vidas. É por isso que precisamos tanto proteger as terras indígenas e exigir demarcações: sem a garantia de seus territórios, os povos indígenas têm muitos problemas para garantir sua sobrevivência e a manutenção de suas culturas

5 – O MARCO TEMPORAL COLOCA EM RISCO AS FLORESTAS BRASILEIRAS  

De acordo com o projeto Mapbiomas, nos últimos 30 anos, apenas 1,6% de toda a perda de vegetação nativa ocorrida no Brasil aconteceu dentro de terras indígenas – mostrando que esses espaços proporcionam um alto nível de proteção às nossas florestas. Não podemos colocar isso em risco! Aceitar a tese do Marco Temporal vai provocar uma corrida pelos recursos da floresta, ameaçando a vida e a biodiversidade de nosso país. E não podemos esquecer do papel fundamental que a Amazônia, em especial, desempenha no cenário de crise climática em que vivemos hoje, estocando carbono que, de outra maneira, seria lançado na atmosfera e agravaria a ocorrência de eventos extremos por todo o mundo. Por isso o mundo olha com atenção às políticas ambientais do Brasil – e o péssimo desempenho do governo Bolsonaro nesse quesito já tem causado impactos significativos para a política e economia de nosso país.

6 – O MARCO TEMPORAL AMEAÇA MAIS DE 100 POVOS ISOLADOS 

O Brasil possui hoje 115 povos indígenas isolados – 114 deles na Amazônia. São populações que optaram por viver em isolamento voluntário e ter pouco contato com a civilização ocidental. A maior parte desses povos vive dentro de terras indígenas, que foram criadas justamente para protegê-los e permitir que eles tivessem um espaço onde pudessem sobreviver e manter suas culturas. Mexer na política de demarcação de territórios ameaça de maneira muito séria a sobrevivência física e cultural desses povos e empobrece culturalmente o Brasil – que coleciona, por meio dessas populações, uma série de cosmologias, visões de mundo, costumes e tradições que só existem aqui. Bruno Pereira, o indigenista assassinado em junho no Vale do Javari (AM) e cuja morte chocou o mundo, trabalhava justamente com a proteção desses povos, por entender a necessidade de proteger essas pessoas e garantir a elas o seu direito de existir. Não podemos brincar com isso!

Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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