Estudo da McKinsey Global Institute indica que a adaptação ao home office pode reverter a concentração de pessoas nas cidades, mas o Brasil ainda está longe de viver isso
Por Julia Estanislau, do Jornal da USP | A dinâmica adotada às pressas durante o período de lockdown da pandemia não será substituída tão cedo. O home office, em alguns setores da economia, veio para ficar: trabalhar de onde quiser, não gastar tempo com transporte público, quase nenhum deslocamento e menor gasto com espaços empresariais são alguns dos benefícios desse modelo. Em São Francisco, nos Estados Unidos, a porcentagem de vacância de escritórios foi de 91% em 2020, comparado à 2019, por exemplo.
Essa brusca mudança, porém, pode afetar também o cenário urbano. Uma pesquisa, realizada pela McKinsey Global Institute, aponta que, daqui a alguns anos, essa tendência ao trabalho remoto irá reverter o cenário de concentração de pessoas em grandes cidades e polos econômicos, como a cidade de São Paulo. As pessoas não terão que sair de suas casas para trabalhar, o que impacta não apenas o deslocamento, como também diminui a possibilidade de alguém mudar de cidade ou Estado em busca de um emprego. Algumas vagas, inclusive, já estão abertas a pessoas de todos os Estados do Brasil.
“A pandemia assentou o home office, mas acho que a gente não pode esquecer que ele também tem como base uma transformação técnica: é todo o desdobramento da informática e da articulação de redes. Esse é um movimento que pudemos realizar na pandemia, porque, por assim dizer, ele já estava pressuposto como possibilidade técnica”, explica Carlos de Almeida Toledo, professor do Departamento de Geografia e vice-coordenador do Laboratório de Geografia Urbana da USP.
Mudança não homogênea
A pesquisa ainda mostrou que 70% do tempo de trabalho poderia ser remoto, sem que isso represente uma perda de efetividade ou produtividade – apenas naquelas profissões que são 100% feitas por meio de um computador.
No futuro, talvez seja até possível que pessoas tenham que mudar de profissão graças à automação, inteligência artificial, adaptação a novas tecnologias e ao trabalho remoto, feito inteiramente pelo computador e que tenha relação com o mundo digital mais que com o mundo real.
Segundo o mestre e doutor em Geografia Humana pela USP, Ricardo Baitz, essas mudanças podem caminhar para que certas profissões tenham um trabalho voltado cada vez mais para dentro de casa. Porém, ele ressalta que, simultaneamente, tem uma série de prestadores de serviço que dependem do trabalho presencial. “Um grupo de pessoas tende pela telemática, fica mais reclusa em casa no seu condomínio fechado. Enquanto na cidade proliferam outras pessoas aí cumprindo uma lacuna que a própria tecnologia criou, que é essa de entrega de mercadorias e transporte de pessoas”, diz.
Desigualdade econômica
Essa tendência depende também do tipo de economia de cada país. Os que têm economias mais avançadas e que possuem grande parte de sua força de trabalho em ocupações mais tecnológicas ou do mercado financeiro – que não dependem de um lugar físico ou de algum utensílio que só pode ser usado fisicamente – podem vir a experimentar uma reviravolta na quantidade de pessoas em seus centros econômicos, como Londres e Nova York. No Brasil, isso não será visto tão cedo, ainda mais por se tratar de uma economia agrícola.
Uma pesquisa feita pelo Hamilton Project indica que, caso a previsão de “densificação urbana” esteja correta, isso mudaria não apenas a procura por postos de trabalho específicos, mas também toda a estrutura econômica das cidades. Procurar moradia perto do local de trabalho era algo comum, mas, com a possibilidade do home office, isso pode diminuir drasticamente. O que levaria a uma diminuição na procura por moradia em certas partes da cidade, como no centro.
“A gente tem que colocar o fator que é, ao cessar a pandemia, como as pessoas vão reagir? Elas preferem uma vida interiorana ou haverá um fluxo de volta aos grandes centros? E aqui eu acho que a gente tem um leque enorme para discutir essa demografia, no sentido de que essas pessoas têm diferentes idades e expectativas de vida. Nesse sentido, eu acho que a questão de você distribuir unicamente pelo advento da telemática a população é uma coisa meio difícil. É bem provável que ainda haja os grandes polos, os grandes centros redefinidos. Essa talvez seja a palavra: há uma redefinição nesse momento da história”, explica Baitz.
Outro aspecto a ser levado em consideração é que grandes cidades não são apenas polos econômicos, mas também culturais e políticos. Assim, as pessoas podem optar por continuar nesses locais pelo estilo de vida que eles proporcionam, e não apenas pela disponibilidade física do ambiente de trabalho.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.