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Pesquisa realizada com 70 famílias de pequenos agricultores do Ceará mostrou que a transição agroecológica resulta em incremento da produção bruta e de valor agregado

  • Foram avaliadas propriedades em diferentes níveis de adoção de transição agroecológica, nos territórios de Sertão de Crateús e Sertão de Sobral.
  • Trata-se de um processo de implantação gradual baseado em práticas mais sustentáveis nos sistemas de produção.
  • As propriedades rurais que adotam esse modelo há mais tempo já se beneficiam de ganhos econômicos, ambientais e sociais.
  • Outra melhoria observada é a autonomia dos produtores, que passam a depender menos de insumos agropecuários.

Por Adriana Brandão em Embrapa | A transição agroecológica, baseada em práticas mais sustentáveis nos sistemas de produção, resulta em benefícios econômicos e ecológicos para agricultores familiares do semiárido nordestino. É o que demonstram os estudos realizados pela Embrapa Caprinos e Ovinos (CE) com 70 famílias de agricultores familiares do Ceará. Foram comparados aspectos quantitativos (produção bruta e valor agregado) e qualitativos (autonomia e protagonismo da juventude) em dois territórios do estado. Os dados revelam um aumento da renda das propriedades que vêm adotando práticas agroecológicas há mais tempo quando comparadas com aquelas que estão no início do processo ou ainda praticam agricultura de forma tradicional. 

Os projetos foram desenvolvidos entre 2012 e 2022 nos territórios Sertão de Crateús e Sertão de Sobral. Algumas famílias participaram desde o início e estão em um estágio mais avançado do processo; outras foram entrando no decorrer das atividades. De 2019 a 2022, uma equipe de pesquisa avaliou os impactos ecológicos e econômicos do processo de implantação da transição agroecológica em propriedades desses dois territórios, comparando as que estão em diferentes níveis do processo e as que não aderiram a ele.

A transição agroecológica é um processo gradual de mudança dos manejos no sistema de produção, com o objetivo de passar de um modelo convencional para a prática da agricultura com princípios e tecnologias de base ecológica. O processo implica maior racionalização dos recursos e mudança de atitudes e valores em relação ao manejo e à conservação dos recursos naturais. De acordo com o zootecnista Éden Fernandes, líder do projeto Redinovagroeco, que realizou esse estudo, a maioria dos agricultores que aderiram a esse sistema está em nível intermediário da transição, quase não usam mais insumos químicos e não adotam pacotes tecnológicos fechados. Isso é resultado de um redesenho que faz modificações na estrutura e no funcionamento das propriedades”, explica. 

Esse é o caso do jovem agricultor Ramom Ximenes, 20 anos (segundo à esquerda na foto acima), cuja propriedade familiar está no processo de transição agroecológica desde 2012. A família cria caprinos, ovinos, bovinos, suínos, aves, peixes e abelhas, além de possuir árvores frutíferas, palma, gliricídia e uma capineira para alimentar o rebanho. “Comecei a participar porque eu queria trabalhar preservando a natureza”, afirma Ximenes. Além de cuidar dos animais e da plantação, ele participa de reuniões e eventos em que troca conhecimentos com outros agricultores. Entre as modificações implantadas ao longo do processo, destaca a estrutura para armazenamento de forragem e água para os animais, um galinheiro e área cercada para animais e plantas. 

Para a zootecnista Maria Gardênia Sousa, que atuou como bolsista no projeto, as principais transformações observadas nas propriedades que estão no processo de transição agroecológica estão relacionadas à maior autonomia e capacidade de resposta das propriedades (agroecossistemas). “As famílias alcançaram maior independência em relação a adubo orgânico, água, sementes e produção de forragem, diminuindo a necessidade da compra de insumos para a produção em mercados”, observa. Segundo ela, também houve um aumento da biodiversidade animal e vegetal nos sistemas produtivos, estoque de insumos e na diversidade de mercados acessados. “Os agricultores passaram a acessar um número maior de feiras para comercializar os produtos, gerando renda para suas famílias.”

Aumento da produção bruta e de valor agregado nas propriedades rurais

A metodologia utilizada no estudo acompanhou quatro propriedades, duas no Sertão de Sobral e duas no Sertão de Crateús, entre 2018 e 2022. Em cada território, foram avaliadas uma propriedade em estágio mais avançado de transição agroecológica e outra que não aderiu ou entrou mais tardiamente. Fernandes observa que alguns aspectos estão presentes nas propriedades dos dois territórios, como a diversidade dos cultivos e das criações. Porém, algumas características as diferenciam e interferem nos resultados. “O gado bovino, por exemplo, é mais presente no Sertão de Crateús e não aparece tanto no território de Sobral, onde as propriedades são menores e existem áreas compartilhadas que não pertencem aos agricultores. Tudo isso impacta os resultados da produção”, afirma.

No Sertão de Sobral, foram analisadas duas propriedades no Sítio Areias (Sobral). Aquela que está há mais tempo no processo de transição agroecológica obteve valores mais altos que os da propriedade que pratica agricultura de forma tradicional, tanto no produto bruto (tudo o que é produzido) quanto no valor agregado – que exprime a riqueza efetivamente gerada e equivale à renda bruta menos os custos relacionados aos insumos adquiridos nos mercados. Veja nos gráficos:

Variáveis econômicas anuais da propriedade em transição agroecológica avançada
Variáveis econômicas anuais da propriedade que não está em transição agroecológica

Os resultados indicaram, ainda, que a propriedade em transição agroecológica destina a maior parte da produção para a geração de renda, depois autoconsumo, estoque e doação. Também obteve aumento no volume de produtos comercializados, pela participação em ações do projeto que visam ao acesso dos agricultores a novos mercados.

No Sertão de Crateús, as propriedades avaliadas são da localidade Picos de Baixo (Santa Quitéria). Enquanto uma delas está em estágio mais avançado, a outra intensificou a transição agroecológica somente a partir de 2021. Nesse território, também se observou crescimento do produto bruto na propriedade que iniciou a transição agroecológica há mais tempo. Outro impacto observado foi maior agregação de valor em função da menor dependência de insumos adquiridos nos mercados. Confira nos gráficos:

Variáveis econômicas anuais da propriedade em transição agroecológica mais avançada
Variáveis econômicas anuais da propriedade em transição agroecológica menos avançada

Estudos também mostram impactos ambientais e sociais

Na avaliação dos impactos produzidos pelas atividades realizadas, a equipe constatou ainda incremento na venda direta dos produtos para os consumidores em espaços como feiras municipais, venda na comunidade, pela internet, de porta em porta, por encomenda e em loja especializada. A venda direta atende a uma demanda dos consumidores por produtos com origem conhecida e ajudam a formar vínculo entre os agricultores e os compradores, colaborando na fidelização de clientes. “Mesmo com dez anos de trajetória, ainda existem questões estruturais a serem vencidas para que se chegue à transição completa”, observa Fernandes. Entre os desafios estão a logística de transporte das mercadorias para comercialização fora das comunidades e o acesso maior a políticas públicas.

Além dos aspectos econômicos, outros indicadores são considerados quando se avalia o avanço do processo de transição agroecológica: autonomia, que implica independência em relação aos mercados de insumos e serviços e em relação à força de trabalho; responsividade, que diz respeito à capacidade de resposta às mudanças nos entornos social, econômico e ambiental; integração social, relacionada à participação em outros espaços fora da propriedade e acesso às políticas públicas; equidade de gênero e protagonismo das mulheres; e protagonismo da juventude, que garante a sucessão familiar no trabalho.

A zootecnista Dalcilene Paiva, que também atuou como bolsista no projeto, destaca outras mudanças, além das econômicas. “Houve melhorias em diversos aspectos, entre eles o ambiental, com o uso mais consciente da terra, sem queimada, desmatamento e com preservação da mata nativa; o econômico, com incentivo à geração de riqueza a partir dos insumos presentes nas propriedades, e aumento do valor agregado dos produtos; e por fim, o aspecto social, com a maior integração social entre as famílias, destacando a intensa participação das mulheres e dos jovens nesse processo de transição agroecológica.”

Para a professora Cellyneude Fernandes, da Faculdade Luciano Feijão, parceira no projeto, é importante destacar também o impacto desses estudos na educação formal e não formal dos atores sociais envolvidos. “Os agricultores acessam conhecimentos que se somam às suas experiências de vida; e os estudantes que visitam esses espaços interagem com os agricultores e ainda alinham teoria e prática. A parceria entre a Embrapa Caprinos e Ovinos e a Faculdade tem contribuído para o fortalecimento da aprendizagem dos alunos de diversos cursos como administração, psicologia, zootecnia, técnico em agropecuária, dentre outros. Sendo assim, é importante reconhecer a relevância não só técnica, mas também social dos projetos desenvolvidos”, enfatiza.

Os resultados completos desses estudos estão na publicação “Espaço rede para transição agroecológica: avaliação de impactos em dois agroecossistemas de territórios do Semiárido cearense”, disponível no portal da Embrapa. 


Este texto foi originalmente publicado pela Embrapa de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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