Um plano de desenvolvimento para as diversas Amazônias

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Por Amália Safatle, Página 22 | Políticas outrora bem sucedidas para a proteção da Amazônia se esgotaram e não dão mais conta dos novos e complexos desafios que a região apresenta. O quadro atual exige um plano muito mais completo e inovador para o desenvolvimento social, econômico e ambiental deste território que corresponde a quase dois terços do Brasil. Essa é uma das conclusões do projeto Amazônia 2030, uma das principais iniciativas voltadas a entender as dinâmicas da região e a propor caminhos. O projeto acaba de apresentar um plano para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal, considerando dimensões espaciais, temporais e temáticas.

O plano apresentado pelo Amazônia 2030 foi debatido entre cerca de 130 participantes, durante encontro da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia. O evento online foi realizado em 22 de agosto com a mediação do Derrubando Muros, um movimento cívico formado por empresários, investidores, banqueiros, políticos e intelectuais.

Segundo o Amazônia 2030, há um paradoxo em jogo: essa imensa área emite carbono como se fosse um país rico, mas isso não traduz em prosperidade e bem-estar da população local, ao contrário: a Amazônia destrói suas riquezas naturais enquanto apresenta os piores índices socioeconômicos do País. Os prejuízos não se limitam aos amazônidas: desmatamento, degradação e queima de florestas impedem todo o mundo alcançar as metas de redução de emissões necessárias para manter a humanidade em níveis seguros de sobrevivência nas próximas décadas.

Ciente de que não há uma “bala de prata” que resolva os problemas, a organização busca abarcar toda a complexidade da região e mostrar as oportunidades existentes em cada uma das Amazônias ali existentes, propondo tanto soluções de curto prazo que devem ser atendidas nos primeiros 100 dias do novo governo eleito (executivo federal, subnacional e Congresso Nacional), como ações de médio e longo prazo para os próximos anos. Para tanto, o Amazônia 2030 considera a existência de cinco Amazônias: a conservada, a sob pressão, a desmatada, a urbana (que concentra 72% da população) e a não-florestal, com vegetação de cerrado (ver mapa abaixo).

Conjunto de evidências

Adalberto (Beto) Veríssimo, coordenador da Amazônia 2030 e cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), conta que se dedicou a três tarefas durante seus 35 anos de trabalho na região. A primeira foi entender o desmatamento e encontrar formas de combatê-lo. A segunda foi contribuir com evidências e metodologias para a ordenação do território, auxiliando o governo a criar um conjunto de áreas protegidas como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Quando as condições políticas para isso surgiram em 2004, com a instituição do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), essas ideias foram desenhadas, implementadas e bem sucedidas, derrubando em 84% o desmatamento em 2012.

E a terceira tarefa era pensar em um plano de desenvolvimento com o nível de complexidade necessário, o que começa a se concretizar agora, tendo como lastro um conjunto de 49 estudos já publicados e cerca de 60 pesquisadores envolvidos.

“Reunimos um conjunto robusto de evidências de que não é preciso desmatar para produzir. Além de não ser necessário, esse modelo de fato não trouxe desenvolvimento”, afirma Clarissa Gandour, coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em Conservação na Climate Policy Initiative no Brasil.

Veríssimo destaca que a Amazônia abriga o maior bolsão de extrema pobreza do Brasil, com 32% da população nessa condição, superando o Nordeste. O desemprego e o desalento, sobretudo de jovens, indicam a urgência de encontrar saídas socioeconômicas. Enquanto isso, Gandour aponta que outras demandas surgiram, tais como combater o crime organizado que explodiu nos últimos anos, rastrear a cadeia de suprimentos, e olhar para territórios específicos – por exemplo, encontrar alternativas de renda para os assentamentos rurais, que respondem por 20% da área desmatada há 20 anos. A partir de 2005, o índice de violência na região ultrapassou a média nacional e hoje a taxa de homicídio é 70% superior à brasileira, situação que deteriora o ambiente de investimentos na economia da floresta.

O modelo vigente desperdiça oportunidades em pelo menos três frentes: mão de obra disponível, áreas abertas para produzir e estoque de carbono em florestas. Segundo o estudo, são 8 milhões de desocupados que, se empregados, poderiam movimentar R$ 200 bilhões/ano considerando um salário médio de R$ 2 mil/mês. Diferentemente do resto do Brasil, a Amazônia ainda vive o auge do bônus demográfico, ou seja, tem um grande contingente na idade de gerar riqueza.

Mas chama atenção a disparidade das matrículas em curso profissionalizante na faixa de 15 a 29 anos: enquanto no restante do Brasil a taxa é de 16%, na Amazônia Legal é 9%. Para Veríssimo, a profissionalização de jovens requer “um esforço monumental”, incluindo investimentos em tele-educação e tele-empreendedorismo, para que os jovens não sejam cooptados pelo crime organizado.

Todas as atividades, desde os serviços mais básicos como educação, são prejudicadas pela baixa conectividade digital. A Amazônia está 20 pontos percentuais atrás do restante do País (leia mais sobre o assunto aqui), com taxa de acesso à banda larga em área urbana de apenas 54%.

Há 84 milhões de hectares de áreas já desmatadas e subutilizadas, e de 550 a 730 gigatoneladas de carbono equivalente estocadas nas florestas, o que representaria dez a 15 anos de emissões globais se mantido o atual ritmo. Isso comprova como a Amazônia é chave para a transição climática mundial.

Segundo os autores, a configuração urbana também impõe desafios. A região tem grandes vazios demográficos e muitos municípios pequenos, o que exige grandes deslocamentos para acessar serviços essenciais como saúde. A ocorrência de diabetes, por exemplo, apresenta taxas bem superiores na Amazônia, o que é atribuído ao longo tempo que as pessoas levam para descobrir a doença, agravando o quadro. Com pouco acesso a testes e exames, o diagnóstico é tardio. Veríssimo exemplifica: quem mora em Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira (PA), precisa vencer 1.200 km para chegar à sede do mesmo município, se quiser acessar serviços de saúde de maior complexidade ou tirar certidões. 

Dinâmicas migratórias

A precariedade em saúde, educação e segurança impede a retenção de mão de obra e talentos. “Tivemos perda líquida contínua [no contingente demográfico] e o mais dramático é que estamos perdendo qualidade. Muitas pessoas que estão deixando a Amazônia são de nível superior”, diz Veríssimo.

Os movimentos demográficos também denunciam o fenômeno de boom-colapso, quando a exploração de determinada área é feita de maneira insustentável, até esgotar e expulsar as pessoas para novas regiões. A perda líquida de população na área desmatada concomitante à migração para a área sob pressão mostram que a economia não está gerando emprego e renda, como mostra o mapa a seguir:

Fonte: AMZ 2030

Condições necessárias

Qualquer conjunto de soluções para o desenvolvimento da Amazônia, segundo os pesquisadores, precisará levar em conta os três elementos citados (mão de obra disponível, áreas abertas para produzir e estoque de carbono em florestas) e três condições necessárias.

As condições são desmatamento zero – considerando que o histórico de destruição da floresta não gerou prosperidade – , ordenamento territorial e governança das finanças públicas. O estudo mostra, por exemplo, o descasamento entre desmatamento e PIB agropecuário. Entre 2004 e 2012, o PIB da produção agrícola e pecuária aumentou, enquanto o desmatamento caiu 80%. Para combater o desmatamento, o plano prevê monitoramento e fiscalização, combinados ao uso de instrumentos financeiros e à proteção de territórios.

Já o ordenamento territorial é essencial para dar destinação à imensa área de 143,6 bilhões de hectares de florestas públicas, ou 29% da Amazônia brasileira, que vêm sendo ocupadas por atividades ilegais. Quanto à terceira condição, é preciso que os projetos de infraestrutura na região não atendam somente aos interesses nacionais – o que é importante – mas também contemplem as necessidades da própria Amazônia e de sua população.

Entre os desafios da governança pública está o fato de que os royalties de mineração e energia beneficiam poucos municípios e, mesmo assim, 30% dos recursos são voltados para pagamento de salário e pensão, sem que haja investimento suficiente em políticas estratégicas para o desenvolvimento sustentável.

Inovar em outras frentes

Segundo os pesquisadores, os esforços iniciais de combate ao desmatamento que foram bem sucedidos no PPCDAm precisavam ser redesenhados, repensados e fortalecidos já no período pré-Bolsonaro. O atual governo, contudo, tornou mais premente essa necessidade. O desmatamento, que vinha em tendência de alta desde 2015, intensificou-se desde 2019 e mantém-se em trajetória de alta. “Hoje a situação é outra. Além de reestruturar muita coisa que foi desmontada, precisamos inovar e explorar essas outras frentes, como se fez lá atrás”, diz Clarissa Gandour.

Também será preciso rever a governança ambiental, explorando complementaridades na escala subnacional. “Quando ficamos no vácuo do governo federal [em relação a políticas de conservação], vimos que os governos estaduais não tinham capacidade para atuar de forma efetiva”, diz a pesquisadora.

Diante de todo esse contexto, os autores têm propostas econômicas para as diversas Amazônias, considerando as peculiaridades territoriais de cada uma. Para a Amazônia já desmatada, as recomendações são de pecuária intensiva, Agricultura de Baixo Carbono (ABC), agrofloresta, restauração florestal, reflorestamento (para produção de biomassa, papel e celulose etc.), melhora e adensamento de estradas e regularização fundiária.

Já para a Amazônia sob pressão, deve-se combater o desmatamento, a grilagem e as atividades ilegais de garimpo; além de criar áreas protegidas, promover restauração e a bioeconomia florestal.

Na Amazônia florestal, deve-se implementar áreas protegidas, aumentar a banda larga e o acesso a fontes de energia renovável, fortalecer o transporte fluvial, a bioeconomia florestal e os mecanismos de Redução de Emissões decorrentes do Desmatamento e da Degradação (Redd). Os autores mostram que o Redd poderia gerar US$ 18 bilhões até 2030.

A pecuária na Amazônia apresenta baixíssima produtividade, gerando apenas 90 kg por hectare/ano. A abertura de pastos, segundo Veríssimo, acaba sendo utilizada para outros fins. Se a pecuária for elevada a um padrão mínimo de produtividade, sobrariam 37 milhões de hectares – área equivalente a tudo o que é plantado no mundo de palma, dendê, café e cacau em 2020, segundo a FAO – e onde seria possível promover restauração e reflorestamento.

Para os 100 primeiros dias do novo governo eleito, Veríssimo defende inicialmente uma estratégia de contenção de danos, com “revogaço” de medidas prejudiciais ao meio ambiente e reconstituição mínima do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos ambientais. Mas, além disso, será preciso compor um caixa para colocar de pé um plano de desenvolvimento da Amazônia que seja efetivo.

“Essa é uma agenda de algumas centenas de bilhões de dólares, requer investimento maciço nos próximos dez anos”, diz Veríssimo. “Caso contrário, vamos para o tipping point [ponto de não-retorno, a partir do qual a Amazônia pode se savanizar], se é que já não estamos nele. Esta é uma década dramática”.

Ele reforça que o papel do Estado será imprescindível nesse esforço, pois somente o governo consegue atuar em larga escala em questões como direitos de propriedade e o combate à violência e ao crime ambiental organizado. “Se o País em outubro não seguir pela democracia, essa agenda não terá futuro.”

Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Vitor Barreiros

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