Umidade diversificou vegetação do Norte e Nordeste há 115 milhões de anos

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Por Renata Fontanetto, da Pesquisa Fapesp | Há 120 milhões de anos, a paisagem do atual Norte e Nordeste do Brasil era marcada por vegetações xerofíticas, arbustos adaptados a um clima predominantemente quente e árido. De forma gradual, a diversidade de plantas e de ecossistemas começou a se expandir cerca de 5 milhões de anos mais tarde, quando ocorreu um aumento de umidade na porção oriental da América do Sul, segundo um trabalho publicado em julho na revista Scientific Reports.

O estudo relaciona dois fatores que teriam contribuído para elevar a disponibilidade de água na região e, por extensão, estimular o crescimento de matas e campos verdes: o processo de formação do oceano Atlântico Sul, que se abriu em razão da separação da América do Sul e da África, unidas até então no antigo supercontinente austral Gondwana; e a maior  influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), um sistema meteorológico dos trópicos que contribui para a circulação de ventos e regulação de umidade e chuvas na região do Equador.

As conclusões se baseiam na análise de uma amostra de 79 mil grãos de pólen e esporos fossilizados, coletados em oito bacias sedimentares dos estados do Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Espírito Santo. A obtenção desse conjunto de microfósseis esteve a cargo de uma equipe do Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação (Cenpes) da Petrobras, parceiro do estudo. Essas bacias têm sedimentos de uma idade geológica denominada Neoaptiano, que compreendeu entre 115 milhões e 113,2 milhões de anos atrás.

“Em pouco tempo, durante o Neoaptiano, houve transformações que mudaram toda a história do planeta”, comenta o paleontólogo Marcelo Carvalho, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), coordenador da equipe que assina o estudo. “Quando o processo de separação da América do Sul e da África se intensificou, ambientes marinhos mais profundos se formaram no Norte e Nordeste, sobretudo perto da costa, e a circulação oceânica se alterou”, diz o pesquisador. “Essas alterações, que são bem documentadas na literatura científica, ocorreram pouco antes de verificarmos uma mudança na composição do tipo de vegetação presente nas bacias estudadas.”

Amostras do conjunto de 79 mil grãos de pólen e esporos fossilizados usadas no estudo. Imagem de Marcelo Carvalho

As amostras de grãos de pólen e esporos são oriundas de três depósitos geológicos contíguos do Neoaptiano: o do pré-sal (o mesmo que abriga o petróleo em setores da costa brasileira), o do sal e o do pós-sal. Cada um deles representa um momento diferente do antigo clima e ambiente predominante nas bacias. No pré-sal, não foram registrados elementos marinhos, um indicador de que seus sedimentos não sofreram influência de um oceano. O depósito de sal se formou porque a água do mar evaporou em um ambiente que se tornou mais quente e seco e deixou como rastro desse fenômeno a presença desse elemento marinho entre os sedimentos. No depósito do pós-sal, a umidade voltou ao ambiente e se intensificou, inclusive com a presença de fósseis marinhos, resquícios da influência do nascente Atlântico. “Nas amostras das bacias, sempre que encontramos o grão de pólen Sergipea variverrucata sabemos que estamos diante de material do Neoaptiano”, explica a paleontóloga Natália Sá, que fez estágio de pós-doutorado sob orientação de Carvalho e é uma das autoras do trabalho. “Ele é um fóssil-guia desse intervalo geológico, e apenas nele é encontrado.”

A partir do conjunto de microfósseis de vegetais, Carvalho e seus colaboradores determinaram as principais famílias botânicas que constituíam a flora das bacias ao longo dos três depósitos do Neoaptiano. Um padrão dominante emergiu do estudo: a quantidade de plantas adaptadas ao clima árido, que em seu auge chegou a representar 70% do total, passou a diminuir entre as amostras do depósito do pós-sal e as espécies típicas de áreas mais úmidas foram se expandindo. Foi nesse momento, de acordo com o estudo, que começou a disseminação no Norte e Nordeste de uma flora tropical de planície e de montanha, de plantas aptas a viver em hábitats de muita umidade (higrófitas) e das que vivem dentro da água (hidrófitas).

A passagem de clima árido para mais úmido foi um processo longo, e a diversidade encontrada nas amostras indica que a influência do oceano e da ZCIT foi progressiva. A bacia localizada no Espírito Santo, já no norte da região Sudeste, foi a que registrou a menor mudança na variedade de biomas na fase do pós-sal. As demais localizadas mais próximas à região equatorial e, consequentemente, dentro da zona de influência da ZCIT, registraram mudanças mais intensas.

Para o palinólogo (especialista no estudo de grãos de pólen e esporos de plantas) colombiano Carlos Jaramillo, do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, no Panamá, que não participou do estudo, os resultados são inovadores, porque entrelaçam diversos conhecimentos – mudanças climáticas, botânica, palinologia e geologia – para traçar a relação entre disponibilidade de água e vegetação de um período tão antigo. Em sua opinião, compreender as transformações do passado é útil para obter respostas sobre como a vegetação pode ser afetada pelo clima no futuro. “O aquecimento global moderno está nos aproximando rapidamente de climas tropicais semelhantes aos daquela época”, diz Jaramillo.

O geólogo Mitsuru Arai, pesquisador visitante do Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo (UNESPetro) da Universidade Estadual Paulista, diz que o trabalho dos colegas do MN montou um quebra-cabeça da região tropical e equatorial do Brasil e pode servir de exemplo para cientistas que trabalham com outras áreas geográficas. “Existem modelos de zonas paleoclimáticas elaborados por diversos autores, mas a maioria é muito teórica ou é baseada em dados estanques”, comenta Arai.


Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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