UNFPA: Brasil segue com índices elevados de gravidez na adolescência

Compartilhar

Por Nações Unidas Brasil | Apesar da taxa ser menor do que em anos anteriores, ela segue pior do que em outras nações latino-americanas, como Argentina, Chile, Costa Rica, Peru e Uruguai, segundo dados do escritório do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) para América Latina e Caribe.

Os dados, compilados pelo projeto “Gravidez e Maternidade na adolescência: um estudo da coorte de 100 milhões de Brasileiros”, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (CIDACS-Fiocruz), também mostra a influência da desigualdade e do racismo na atual situação.

Legenda: Dandara Ramos, professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA).Foto: © Flávia Quirino/UNFPA Brasil

Cerca de 380 mil partos foram de mães com até 19 anos de idade em 2020, o que corresponde a 14% de todos os nascimentos no Brasil. Em 2019 essa proporção era de 14,7%; e, em 2018, de 15,5%. 

Os números são do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, do Ministério da Saúde, e foram compilados no projeto “Gravidez e Maternidade na adolescência: um estudo da coorte de 100 milhões de Brasileiros”, desenvolvido por uma equipe de profissionais do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (CIDACS-Fiocruz).

A coordenadora do estudo e professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Dandara Ramos, ressalta que apesar da pesquisa registrar um movimento de redução nos últimos anos, as taxas de maternidade na adolescência ainda são elevadas no Brasil.

Segundo dados do escritório do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) para América Latina e Caribe, por exemplo, colhidos de dados oficiais dos governos da região, países como Peru e Costa Rica registraram 11% de maternidade na adolescência, enquanto Argentina e Uruguai tiveram taxas de 10% e Chile de 5%, todas menores que os 14% brasileiros. Outras nações da região que registraram altas taxas de maternidade na adolescência em 2020 são Paraguai (15%), Equador (18%) e Colômbia (18%).

Diante dos dados disponíveis, o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS) aponta que a maternidade na adolescência deve ser encarada a partir de uma perspectiva de saúde coletiva, com olhar atento às desigualdades e seu impacto na saúde adolescente.

Desigualdade – Dados também elaborados pelo CIDACS apontam que entre os nascidos vivos de mães adolescentes, em 2020, a maior concentração está nas regiões norte (21,3%) e nordeste (16,9%), seguido por centro-oeste (13,5%), sudeste (11%) e sul (10,5%). 

Na pesquisa, a questão da raça também é salientada. Em 2020, do total de nascidos vivos de mães indígenas, 28,2% foram de mães adolescentes. Entre todas as mulheres pardas que se tornaram mães, 16,7% dos bebês nasceram de adolescentes, e entre os partos de mulheres pretas, 13% foram de mães adolescentes. Já entre os nascidos de mães brancas, 9,2% eram mães adolescentes.

“A gravidez na adolescência atinge todas as classes sociais, atinge meninas de baixa renda e atinge meninas brancas de alta renda. Contudo, ela apresenta marcadores de desigualdade de geração, de raça, de classe muito específicos, sendo mais frequente justamente nos grupos de maior vulnerabilidade social”, pontuou Dandara, durante uma palestra realizada no primeiro encontro presencial da Sala de Situação sobre Violência baseada em Gênero, realizada em agosto, na cidade de Salvador .

As meninas e adolescentes pobres sentem o peso da estrutura social que se apresenta com a chegada da maternidade. “Ao se tornar mãe, a adolescente perde direitos como o de estudar, sonhar com uma carreira e entrar no mundo do trabalho. Esse percurso de sonhos, de formação, de desenvolvimento, é interrompido pela maternidade”, apontou a professora.

Racismo – O racismo e as desigualdades raciais são demarcadores do acesso ou não aos direitos sexuais e direitos reprodutivos. 

“Não é só uma questão de pobreza. Mesmo em países desenvolvidos, quando você observa o cenário [da gravidez na adolescência], a questão racial também está inserida ali. No caso brasileiro, são as meninas indígenas, são as meninas pretas que estão sendo excluídas de direitos reprodutivos; é preciso o combate às desigualdades raciais e étnicas”, acrescentou Dandara. 

“Todas as pessoas têm direito sexual e direito reprodutivo. Mas acessar esse direito, ter autonomia, autodeterminação, tomada de decisão é outra questão. Ter direito e ter acesso a um direito são questões diferentes”, destacou a doutora em Saúde Pública e também colaboradora do CIDACS, Emanuelle Góes, que coordenou a pesquisa junto à Dandara.

Justiça reprodutiva – A existência de ambientes de injustiças sociais e também de violações de direitos impede o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos. “É aí que acionamos a perspectiva da justiça reprodutiva. A justiça reprodutiva reconhece a justiça social como uma demanda importante para os direitos reprodutivos. Então se você não vive um ambiente social equânime, você não consegue ter direitos reprodutivos.”

Para Emanuelle, o racismo é determinante no impedimento à justiça reprodutiva e no acesso à saúde sexual e reprodutiva: “Se o racismo é estruturante e está no centro, dificilmente a gente vai poder tratar de justiça reprodutiva sem falar das mulheres negras ou das mulheres de grupos raciais ou racialmente oprimidos, mesmo que não seja no contexto de mulheres negras. Não tem como falar de justiça reprodutiva e não falar de raça”.

A violência obstétrica também se conecta a essa agenda, segundo a pesquisadora. “As mulheres que sofrem racismo obstétrico, para além da violência obstétrica, têm seu direito à escolha reprodutiva prejudicado”, explicou. “Temos trazido a discussão do racismo obstétrico para olhar melhor o que acontece com a gente. Porque o conceito em si da violência obstétrica não responde.”


Este texto foi originalmente publicado por Nações Unidas Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais