Por Eliabe Figueiredo e Carol Correia em CONEXÃO UFRJ — A automedicação é o ato de usar medicamentos sem prescrição médica. Em um primeiro momento, essa opção pode parecer interessante para resolver um problema de saúde rapidamente e com menos custos. Contudo, na verdade, é apenas uma medida paliativa que, a longo prazo, pode causar danos ao organismo.
No Brasil, essa prática é tão comum que, segundo dados do Conselho Federal de Farmácia, cerca de 77% dos brasileiros fazem uso de medicamentos sem orientação médica. A facilidade de informação que o ambiente virtual proporciona faz com que muitas pessoas se autodiagnostiquem e assim se tratem por conta própria. Além disso, a promoção de remédios isentos de prescrição via propaganda, prática regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por meio da Resolução-RDC nº 96/08, também influencia a automedicação. Ainda que essa decisão final seja decorrente de diversos fatores, como a pressa pelo bem-estar ou a dificuldade em consultar-se com um médico, o tema é tratado de forma recorrente, como pode-se perceber, por exemplo, com a divulgação da Cartilha para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos.
Dados da Anvisa mostram que 18% das mortes por envenenamento no Brasil podem ser atribuídas à automedicação. Além disso, essa prática também pode levar a um prejuízo financeiro, pois, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), hospitais gastam de 15% a 20% de seu orçamento com tratamento para pessoas que fizeram uso de automedicação e tiveram complicações, caracterizando um problema de saúde pública. Os riscos não param por aí. Alguns dos problemas mais comuns são intoxicação, reação alérgica, resistência no organismo, dependência, efeitos indesejados, dentre outros.
Segundo Aline Fraga, professora da Faculdade de Farmácia da UFRJ e coordenadora do projeto de extensão Tá na Hora de Tomar o Remédio, as dúvidas mais frequentes envolvem o uso da medicação de acordo com a sua rotina e a compreensão da própria prescrição, para se organizar e tomar a decisão correta.
“Por exemplo, o prescritor indica uma medicação para a hora do almoço e do jantar. Mas a pessoa apenas janta, então fica confusa sobre como fazer essa adaptação” exemplifica Aline.
A docente também explica que o melhor a ser feito para conscientizar as pessoas do perigo da automedicação é informar sobre os riscos dessa ação de forma extensiva, em todos os meios de comunicação. “Adicionalmente, quando se faz uso por conta própria, as pessoas não conseguem compreender todas as variáveis envolvidas que são necessárias para estabelecer a prescrição de forma desejável, aí a falha também se estabelece, e o risco, algumas vezes, pode ser pior que o benefício” complementa ela.
Uma das questões mais debatidas é sobre o consumo indiscriminado de antibióticos. Aline relata que, sim, o uso incorreto pode gerar efeitos adversos. “O uso do medicamento errado ou o seu uso pelo período de tempo inferior ao prescrito – que, na maioria das vezes, acontece porque as pessoas acham que, ao passarem os sintomas, não há mais necessidade da ingestão do medicamento – faz com que o combate à infecção seja insuficiente. Isso pode agravar o quadro inicialmente instaurado e/ou gerar um novo quadro de resistência bacteriana – quando as bactérias podem sofrer mutações que as tornam resistentes aos medicamentos administrados, fazendo com que percam o efeito sobre elas. Em ambas as situações, há riscos para a saúde do paciente.”
Implementada em 1999, a Lei dos Medicamentos Genéricos tinha como objetivo popularizar o acesso de toda a sociedade a tratamentos eficazes. Mesmo mais de duas décadas depois, a diferença entre medicamento de referência, similar ou genérico ainda causa muitas dúvidas.
Aline explica que o medicamento de referência é um produto inovador que foi inicialmente desenvolvido e registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária e, em seguida, comercializado no país. A eficácia, a segurança e a qualidade foram comprovadas cientificamente junto ao órgão federal competente quando o medicamento foi registrado, havendo definição e regulamentação próprias. É a partir dele que os demais medicamentos, genéricos e similares, podem ser obtidos.
Já o medicamento genérico é aquele que contém o mesmo princípio ativo, na mesma dose e forma farmacêutica, administrado pela mesma via e com a mesma posologia e indicação terapêutica do medicamento de referência, logo apresenta eficácia e segurança, podendo, com este, ser intercambiável, ou seja, substituído.
O medicamento similar, por sua vez, é aquele registrado como tal junto à Anvisa. Ele tem o mesmo princípio ativo do medicamento de referência e do genérico, mas nem sempre pode ser intercambiável com os dois. A Anvisa disponibiliza uma lista com os similares intercambiáveis que cumpriram testes de equivalência com o medicamento de referência.
“Teoricamente no organismo os medicamentos de referência e o seu genérico devem produzir efeitos idênticos. Já o medicamento similar não intercambiável pode produzir efeitos diferentes, melhores ou piores que o medicamento similar ou genérico.”
Durante a pandemia, circularam diversas informações falsas sobre medicamentos ineficazes contra o coronavírus. Essa disseminação de fake news acentuou a prática da automedicação, sem quaisquer orientações médicas. A hidroxicloroquina (antimalárico) e a ivermectina (vermífugo) tiveram um aumento expressivo em vendas devido às crenças de que poderiam prevenir e até curar o Covid-19. As pessoas comprometeram a integridade de sua saúde em prol de ideias sem base científica e, ainda, acarretaram a falta de estoque para pessoas que realmente precisavam dos medicamentos.
“Dependendo do medicamento ingerido, é possível agravar quadros de saúde e/ou levar ao surgimento de outros, gerando danos irreversíveis ao paciente e, em alguns casos, levando à morte” adverte Fraga.
O uso não justificado de um medicamento, sem embasamento de pesquisas científicas sólidas, é sempre um risco para a saúde do paciente. Por isso, é fundamental a realização de consultas e o acompanhamento com profissionais qualificados, que levarão em consideração todos os aspectos relevantes e poderão diagnosticar a situação com propriedade. A automedicação pode trazer riscos à saúde. Não tome medicamento por conta própria!
O projeto coordenado por Aline tem como principal objetivo levar informação segura e confiável para o público sobre o uso correto de medicamentos e maneiras de melhorar a forma de adesão ao tratamento farmacoterapêutico. Além disso, visa a realizar adaptações para o público idoso e pessoas com deficiência, que eram atendidos na Farmácia Universitária da Faculdade de Farmácia, no CCS.
Entre as iniciativas do projeto estão a parceria com uma Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI), que entrou em contato para promover e orientar seus residentes sobre o uso de medicação. O projeto produziu uma série de materiais sobre a utilização de plantas medicinais e fármacos e os cuidados necessários para o consumo correto.
“Além disso, pediram também orientações sobre mudança das características físicas dos medicamentos que variam de acordo com os fabricantes, pois eles recebiam medicamentos de vários laboratórios que faziam com que o mesmo medicamento pudesse apresentar coloração diferente, o que deixava as usuárias confusas. Em outra situação, o projeto também montou orientações para o Encontro de Diversidade e Inclusão de Maricá, sobre o uso correto e cuidados de medicamentos para familiares e cuidadores de crianças com deficiência, além de uma palestra para o público”, conclui.
O projeto de extensão Tá na Hora de Tomar o Remédio pode ser encontrado em algumas redes sociais, como Facebook, Instagram e Youtube.
Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Carolina Correia.
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