Por Bianca Camatta, do Jornal da USP | Pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP realizada com adolescentes brasileiros apontou que 85% deles jogavam videogame, sendo que 28% alcançaram os critérios do Transtorno de Jogo pela Internet (TJI). Esse transtorno consiste no uso excessivo de jogos on-line, que leva ao desestímulo em outras áreas da vida, como a escola e as atividades sociais, e causa sintomas de abstinência quando retirados. “A prevalência de jovens que jogam problematicamente encontrada no Brasil é maior que a de outros países”, aponta ao Jornal da USP a autora do estudo, a psicóloga Luiza Brandão, doutora em Psicologia Clínica pelo IP.
O transtorno está descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, material indicado para profissionais da área de saúde mental, utilizado em todo o mundo, que lista as categorias de transtornos mentais e os seus critérios de diagnóstico de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria.
“Tenho percebido um aumento de procura por ajuda psicológica por conta de problemas envolvendo uso excessivo de videogames por essa população [crianças e adolescentes]”, observa a psicóloga. Foi essa percepção que a motivou a desenvolver a pesquisa.
A tese de doutorado Fatores associados ao uso problemático de videogames entre adolescentes brasileiros teve orientação da professora do IP Márcia Helena da Silva Melo, além de co-orientação de Zila van der Meer Sanchez Dutenhefner, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e foi defendida em 20 de junho.
Para realizar a pesquisa, foram utilizados dados do #Tamojunto 2.0, um programa do Ministério da Saúde voltado para a prevenção ao uso de álcool e drogas por adolescentes. Ele é inspirado em um programa europeu de prevenção escolar ao uso de drogas denominado Unplugged, que foi adaptado ao contexto brasileiro e testado por meio de um ensaio controlado randomizado entre alunos que cursavam o oitavo ano de 73 escolas públicas de três cidades brasileiras: São Paulo (SP), Eusébio (CE) e Fortaleza (CE). O programa consiste em 12 aulas desenvolvidas ao longo de um semestre letivo, além de oficinas direcionadas para os pais e responsáveis.
A pesquisa de Luiza Brandão é composta de dois estudos associados ao #Tamojunto 2.0. O primeiro envolveu 3.939 estudantes e resultou no artigo Mental health and behavioral problems associated with video game playing among Brazilian adolescents. Já o segundo estudo contou com 3.658 alunos. Mais de 90% dos participantes tinham entre 12 e 14 anos e cerca de 50% pertenciam à classe média. Ambos os estudos são uma subamostra do programa do Ministério da Saúde, que teve um total de 5.371 participantes.
Os estudantes que participaram do #Tamojunto 2.0 responderam a um questionário com 60 perguntas que investigavam questões como: uso de drogas, bullying, classe socioeconômica, sintomas psiquiátricos e uso de jogos eletrônicos. O questionário era respondido de maneira anônima nas salas das escolas, sem a presença do professor, em um período da aula. Isso fez com que as últimas perguntas, que eram relacionadas aos jogos eletrônicos, tivessem menos respostas.
A última pergunta era uma adaptação da descrição do Transtorno de Jogo pela Internet encontrada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Ela era composta de nove questões que foram a base para o estudo um. Os adolescentes que respondiam “sim” a, pelo menos, cinco desses itens eram aqueles que tinham um uso de videogame considerado problemático.
Já o estudo dois se pautou em uma das nove perguntas, que era: “Você já jogou para esquecer ou aliviar problemas da vida real?”. A resposta “sim” para essa questão foi usada como variável para encontrar explicações desse comportamento.
“Foi encontrada uma prevalência de 85,85% de adolescentes que jogam videogames, sendo que 28,17% preenchem critérios para uso problemático”, conta Luiza. Esses dados mostram também que, apesar de o uso de videogames no Brasil ser compatível com o mundial, o uso problemático é mais alto que a média de outros países.
Uma das hipóteses para isso está na dificuldade de os brasileiros se envolverem com outras atividades devido à falta de acesso a serviços de lazer e esportes públicos e aos altos índices de violência que impactam os encontros presenciais entre os jovens.
A pesquisa também possibilitou entender quem está mais propenso ao uso problemático. “Entre as características do perfil de estudantes com maior probabilidade de jogar videogames de modo problemático estão: ser do sexo masculino, usuário de tabaco e álcool, praticar ou ser vítima de bullying e ter níveis clínicos de sintomas de hiperatividade, problemas de conduta e de relacionamento entre pares”, aponta a psicóloga. O relacionamento entre pares é aquele que acontece entre pessoas com características semelhantes, tais como a idade e habilidades.
Por meio da pergunta utilizada no estudo dois também foi possível constatar que 57% dos adolescentes jogam como forma de se esquivar da vida real. O perfil desses jovens está associado, por exemplo, ao sexo masculino, ao uso de tabaco, à prática e à vitimização do bullying e a níveis saudáveis de comportamentos pró-sociais, que é a intenção de beneficiar outras pessoas por meio da ajuda ou compartilhamento.
O uso problemático de videogames, além de afetar o próprio jovem, que deixa de dar atenção a outros aspectos da vida, também afeta quem está ao redor. “Como estamos falando de adolescentes que moram com suas famílias, o uso indiscriminado afeta quem convive com eles. Por exemplo, pode haver um crescimento dos conflitos para que os adolescentes desliguem o jogo, pode ocorrer um afastamento dos amigos e familiares ou aumento de comportamentos agressivos, o que piora os relacionamentos de maneira geral.”
Entender o universo dos videogames e os seus efeitos nos jovens pode ajudar na prevenção e na identificação de que o adolescente faz uso problemático desses jogos. “Minha pesquisa traz dados epidemiológicos inéditos que indicam uma alta prevalência do jogar problemático entre nossos adolescentes”, destaca Luiza. A psicóloga acredita que essa descoberta contribui para evidenciar a importância da capacitação de pais, escolas e profissionais de saúde na prevenção do problema.
A tese de doutorado traz ainda orientações sobre possíveis formas de prevenção, entre elas, a sugestão de os pais jogarem junto com os filhos e conversarem de maneira crítica sobre os conteúdos, a restrição do tempo de uso e a valorização de outras atividades concorrentes ao jogar.
Mais informações: e-mail luizabran@gmail.com, com Luiza Brandão
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais