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Abelhas e beija-flores visitam as flores, e sabiás, cuícas e ratos silvestres espalham as sementes das plantas facilmente confundidas com trepadeiras

Por Carlos Fioravanti, da Revista Pesquisa Fapesp | Há quatro anos, em uma mata do município goiano de Cavalcante, norte da Chapada dos Veadeiros, o biólogo Emerson Pansarin, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), viu que machos de três espécies de abelhas solitárias de corpo preto visitavam as flores da baunilha do Cerrado, Vanilla pompona, a espécie nativa mais explorada como alternativa às variedades importadas. A observação ajudou a desfazer uma das ideias equivocadas sobre as orquídeas que produzem baunilha: a de que haveria uma relação exclusiva entre cada espécie de insetos polinizadores e cada espécie desse grupo de plantas.

Percorrendo matas de São Paulo, Goiás, Bahia e Amazonas desde 1998, em geral sozinho, e desde 2010 observando as plantas do orquidário da FFCLRP-USP, atualmente com 22 espécies de Vanilla, Pansarin verificou que as abelhas não eram os únicos polinizadores: beija-flores também podem transportar grãos de pólen, com as células reprodutivas masculinas, entre as flores brancas ou amarelas, assim viabilizando a fecundação das células femininas e o crescimento das favas, das quais se extrai a segunda especiaria mais cara do mundo, após o açafrão (100 gramas de baunilha custam em média R$ 650). Da dispersão de sementes, outro processo associado à reprodução das orquídeas, participam outras aves e mamíferos noturnos.

O gênero Vanilla abarca cerca de 100 espécies, das quais 37 crescem no Brasil e, destas, 20 são endêmicas. São plantas peculiares: parecem trepadeiras, porque crescem se enrolando em caules de árvores, formam ramos e produzem favas como as de feijão, diferentemente das outras orquídeas, que crescem sobre árvores e mais raramente sobre rochas, sem se ramificarem.

Também se mostrou equivocado o pressuposto de que os polinizadores visitassem as flores de Vanilla por engano, em um encontro casual, quando buscavam néctar, de que se alimentam. “O engano era nosso, dos pesquisadores, não das abelhas!”, reconhece o biólogo. “Pensava-se que as orquídeas do gênero Vanilla não oferecessem nenhum atrativo para os polinizadores.”

Em laboratório, Pansarin verificou que as flores da maioria das Vanilla produzem substâncias aromáticas, como o linalol. “A fragrância das flores atrai machos das abelhas solitárias da tribo Euglossini”, conta ele. “Eles coletam o óleo cheiroso e o estocam em estruturas das pernas traseiras. A fragrância coletada é usada ao cortejar as fêmeas e na demarcação de território.”

Segundo o pesquisador, os machos participam da polinização quando, ao procurar o néctar com que se alimentam, tocam as estruturas reprodutivas das flores. O pólen adere ao corpo do inseto e se solta quando as abelhas visitam outras flores. Diferentemente das fêmeas, que permanecem nos ninhos e vivem de dois a quatro anos, os machos morrem em apenas três semanas. “Como eles têm vida curta e sua função é basicamente reprodutiva, parecem estar mais preocupados com a coleta de perfumes do que com a procura de alimento”, observa Pansarin. Segundo ele, esse comportamento é um dos motivos da baixa taxa de formação de frutos de Vanilla na natureza.

“O conhecimento sobre os polinizadores naturais pode evitar muitos problemas”, comenta o biólogo especialista em orquídeas Luciano Bianchetti, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, que não participou do estudo. Em 1520, ele lembra, os colonizadores espanhóis encontraram Vanilla planifolia no México e a levaram para a Europa. Por falta de polinizadores, porém, as plantas não produziam frutos. Só em 1841, um menino escravizado de 12 anos, Edmond Albius (1829-1880), na ilha Reunião, território francês no oceano Índico, descobriu que as orquídeas poderiam ser polinizadas manualmente, método adotado ainda hoje, na falta de polinizadores.

“Muitos produtores de baunilha trazem colmeias de Apis mellifera [espécie exótica], mas não funciona, porque as abelhas do gênero Apis não são adequadas para polinizar flores de Vanilla”, relata Bianchetti. O biólogo Cristiano Menezes, da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, interior paulista, comenta que algumas espécies de Euglossini podem ser criadas facilmente em pequenas caixas de madeira com um orifício de entrada com 1 centímetro de diâmetro. “Basta espalhar as caixas no ambiente que elas entram naturalmente e se estabelecem ali”, diz ele. “Elas também gostam de usar caixas previamente ocupadas por outras abelhas-sem-ferrão.”

Beija-flor

Pansarin e Alessandro Ferreira, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ampliaram o número conhecido de grupos de animais polinizadores de Vanilla ao descreverem as visitas do beija-flor-de-garganta-verde (Chionomesa fimbriata) às flores amarelas de V. palmarum, que normalmente cresce sobre palmeiras. Eles testemunharam esses encontros em novembro de 2010 e janeiro de 2021 nas matas dos municípios maranhenses de Pinheiro e São Luís, como detalhado em um artigo publicado em janeiro de 2022 na revista científica Plant Biology.

“Esses trabalhos são importantes por quebrarem a ideia de que orquídeas só têm sistemas de polinização especializados, com polinizadores diferentes para cada espécie”, comenta o biólogo Fábio Pinheiro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que estuda a formação de novas espécies de orquídeas e não participou desses estudos.

“O mais comum nas orquídeas e nas plantas em geral é a polinização generalista, com polinizadores atendendo a muitas espécies”, acrescenta. “Os casos de polinização específica são exceção, não a regra, porque representam um alto risco para a sobrevivência, caso o polinizador desapareça.”

Dispersão de sementes

Como eram incertas também as informações sobre a dispersão de sementes de Vanilla, que não se espalham pelo vento como as pequenas e leves de outros gêneros, Pansarin preparou dois experimentos.

No primeiro, ele colocou frutos de seis espécies de Vanilla sobre uma plataforma em meio à mata do campus da USP em Ribeirão Preto e instalou uma câmera ativada ao registrar qualquer movimento. Em outro, procurou flores de V. bahiana em matas dos municípios de Guatapará e Pradópolis, na Região Metropolitana de Ribeirão Preto, e novamente instalou sua câmera. As flores se formam de outubro a janeiro e os frutos se abrem, liberando as sementes, de maio a junho.

As gravações registraram dispersores até então desconhecidos: durante o dia, pássaros como o sabiá-do-campo (Mimus saturninus) e, à noite, a cuíca-graciosa (Gracilinarus agilis) e roedores silvestres, como o rato-do-arroz (Oligoryzomys nigripes), eram visitantes mais assíduos dos frutos e se alimentavam das sementes pretas, com 0,5 milímetro de diâmetro, e da polpa, com alto teor de açúcar e gordura, como relatado em maio em um artigo na revista Ecology.

“Como as aves podem dispersar as sementes a longas distâncias, agora se torna mais claro como algumas espécies de Vanilla colonizaram ilhas do Caribe”, diz Pansarin. As sementes perdem a cobertura no meio ácido do trato digestivo dos animais e saem prontas para germinar, em geral no início das chuvas, de que necessitam para crescer.

Em laboratório, Pansarin surpreendeu-se ao ver que a vanilina, responsável pelo aroma característico das baunilhas, respondia por 30% dos compostos do aroma de uma espécie rara de baunilha, V. calyculata, mantida há três anos no orquidário da USP e identificada pela primeira vez em 2020 em seu ambiente natural em uma mata do município de Caetité, sudoeste da Bahia.

Um dos 171 compostos aromáticos já identificados nos frutos de baunilha, a vanilina responde por 80% do total do aroma de V. planifolia, espécie nativa do México e uma das mais cultivadas mundialmente para extração das substâncias usadas na culinária e perfumaria. Em busca de alternativas, pesquisadores das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e do estado do Rio de Janeiro (Unirio) verificaram que duas espécies nativas da Mata Atlântica, V. bahiana e V. chamissonis, têm um perfil aromático semelhante à de V. planifolia, após compararem a proporção de 62 compostos entre elas. Portanto, concluíram em um artigo publicado em maio na Food Chemistry, as duas, tanto quanto V. pompona, poderiam ampliar a produção nacional e ajudar a suprir a procura crescente pelos aromas naturais de baunilha.

A Embrapa de Brasília deve lançar até o final deste ano um manual de cultivo no Brasil de espécies de orquídeas produtoras de baunilha – atualmente V. planifolia é a espécie predominante, cultivada no Espírito Santo, Minas e Bahia. Para promover o cultivo de variedades brasileiras, a Embrapa começou a formar há dois anos um banco de germoplasma, já com cerca de 70 amostras de oito espécies nativas. “Temos V. pompona dos estados do Amazonas, Roraima, Bahia, Minas Gerais e Goiás”, diz Bianchetti. “Queremos uma variabilidade genética grande, em cada espécie, para facilitar o cultivo das nativas e apresentar novas opções para os programas de melhoramento genético.”

Projeto

Evolução dos atributos florais relacionados com a atração de polinizadores em Vanilla (Orchidaceae) (nº 18/07357-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Regular; Pesquisador responsável Emerson Ricardo Pansarin (USP); Investimento R$ 146.546,30.

Artigos científicos

OLIVEIRA, J. P. da S. et alVanilla flavor: Species from the Atlantic forest as natural alternativesFood Chemistry. v. 375, 131891, p. 1-12. 1º mai. 2022.
PANSARIN, E. R. e FERREIRA, A. W. C. Evolutionary disruption in the pollination system of Vanilla (Orchidaceae)Plant Biology. v. 24, n. 1, p. 157-67. jan. 2022.
PANSARIN, E. R. e SUETSUGU, K. Mammal-mediated seed dispersal in Vanilla: Its rewards and clues to the evolution of fleshy fruits in orchidsEcology. v. 103, n. 7, e3701. 10 mai. 2022.

Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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