Ricardo Augusto Dias comenta estudo publicado na revista Science Advances alertando que o País tem risco de médio a alto para doenças naturalmente transmissíveis entre animais e humanos
Por Ana Paula Medeiros, do Jornal da USP | Dois terços dos estados brasileiros têm risco médio a alto para ser o próximo palco de surto de zoonoses — doenças naturalmente transmissíveis entre animais e humanos —, aponta um estudo publicado na revista Science Advances. Segundo Ricardo Augusto Dias, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, o qual analisa os dados trazidos pela pesquisa, a transmissão pode acontecer a partir do contato com o animal vivo, morto ou ainda pelo contato com seus produtos e subprodutos, como carne, pele, urina e fezes, geralmente, quando há caça, abate e consumo desses animais, ou mesmo o uso deles como pets. O professor informa que essas doenças são mais comumente transmitidas por animais domésticos, mas a transmissão por animais silvestres é possível e a severidade tende a ser ainda maior.
O que está por trás?
A pesquisa, a qual analisou dados de incidência de casos e mortes, ocorrência de mamíferos e seus patógenos, caça e perda de vegetação natural, alerta para a aceleração do próximo surto no país devido ao aumento da vulnerabilidade social e ambiental. De acordo com Dias, os surtos acontecem com mais frequência entre populações mais vulneráveis socioeconomicamente e em ambientes desestabilizados, como em áreas onde há derrubada de floresta ou de novas ocupações: “Geralmente, essas áreas são mais pobres, então não há uma estrutura que possa garantir a saúde do ambiente, a saúde dos animais ou a saúde humana”.
De acordo com o relatório, outra condição para o fluxo de zoonoses ocorre à medida que a ocupação humana avança para áreas naturais, intensificando o contato com animais selvagens. A malária e leishmaniose, por exemplo, estão diretamente relacionadas ao desmatamento. O hantavírus e a febre amarela também são doenças relacionadas a atividades agrícolas e florestais em locais desmatados em um curto período de tempo.
Um surto de zoonose também, conforme explica o estudo, tem relação com a cobertura vegetal. Um estado considerado de alto risco é o Maranhão, que tem quase 35% do seu território coberto por floresta. Já o Ceará, que tem a Caatinga como bioma prevalecente, é considerado de baixo risco para desenvolver um surto. Mas Dias acrescenta que uma zoonose não surge apenas em grandes ambientes verdes: “Podem acontecer também em regiões já antropizadas, principalmente aquelas zoonoses ligadas a animais domésticos, que são as mais prevalentes e graçam sobre uma população bem maior”.
Contenção de risco
Uma possível resposta à crise citada pela pesquisa é a alta conectividade entre as cidades e a capilarização do acesso ao sistema de saúde, possibilitando que uma pessoa doente se trate em outro município caso não consiga ser atendida onde mora. O professor também cita reduzir a pobreza e garantir o acesso da população a serviços de saneamento básico, ambientes mais equilibrados e uma alimentação equilibrada, como outras medidas para conter o avanço das zoonoses. Além disso, ele responsabiliza o poder público para fazer a vigilância e o controle dessas doenças, bem como dar maior atenção às regiões vulneráveis.
Dias também defende a responsabilidade governamental nesse cenário. Para ele, os serviços de gestão de saúde pública, saúde ambiental e saúde animal devem fazer a vigilância e o controle dessas doenças e dar maior atenção às regiões vulneráveis: “Uma coisa que é notória, não só no Brasil, mas em outros países, principalmente aqui da América Latina, da África, da Ásia, é que está havendo um movimento de negligência com relação aos serviços de saúde animal e humana, quanto mais a saúde ambiental”, expõe.
“É necessário o fortalecimento desse tipo de serviço e o aprimoramento das técnicas dos serviços de informação, dos serviços de vigilância, de inteligência em saúde única, como eu definiria, na integração de informações da saúde animal, da saúde humana e da saúde ambiental”, completa. Ele reforça que a responsabilidade não recai apenas para gestores locais, mas também para gestores estaduais e nacionais.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.