Você sabia que a forma como sua cidade é planejada influencia na escolha de seu meio de locomoção?
O excesso de carros nas ruas causa diversos impactos negativos ao meio ambiente, à saúde da população e à funcionalidade das cidades. Mesmo assim, muitos centros urbanos são planejados tendo o carro como o “grande astro”. O conceito de walkability, ou caminhabilidade, em português, propõe um modelo de cidade mais sustentável: focada nas pessoas e na facilidade para caminhar pelo ambiente urbano.
Afinal, se você parar pra pensar, boa parte da população do planeta não anda de carro diariamente! As ruas não são exclusivas para automóveis particulares: elas também são feitas para veículos não motorizados, como as bicicletas e, sobretudo, para o transporte público. Além disso, a calçada faz parte da rua, e deve permitir que as pessoas transitem pela cidade com conforto.
O que é walkability, a caminhabilidade?
A utilização excessiva de automóveis gera grande pegada ecológica e compromete muitas qualidades urbanas, incluindo a walkability (termo em inglês utilizado para definir a acessibilidade de um local para quem anda a pé; algo como andabilidade ou caminhabilidade). Para que haja melhoria na qualidade ambiental, redução de emissões poluentes e economia de energia, é fundamental que as cidades deixem de ser concebidas para carros e passem a focar nas pessoas e nas necessidades relacionadas à segurança, à mobilidade e ao lazer. Medidas que melhoram a integração do transporte público e o acesso de pedestres aos locais tendem a incentivar a redução do uso de carros.
Andar é uma atividade humana básica. As cidades devem ser projetadas para que essa prática seja fácil e agradável. Esse paradigma tem sido estudado desde o fim dos anos 80 e é fundamental para a mudança por cidades mais sustentáveis e humanas. O chamado Novo Urbanismo contempla essa dentre entre outras questões para o resgate da qualidade de vida e melhor relacionamento entre o homem e a cidade.
Circular com conforto e segurança a pé e de bicicleta é um direito. A mobilidade urbana é essencial para cidades mais democráticas e menos excludentes. Todos os pedestres, incluindo crianças, idosos, pessoas com dificuldades de locomoção ou visão, devem ter sua mobilidade na cidade garantida.
Em janeiro de 2012, Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.587, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). A política tem como objetivo a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade.
De acordo com os princípios do novo urbanismo, é essencial a reconquista da rua como lugar de encontro, estar e convivência dos pedestres. A ideia é transformar a cidade em um local de convívio onde o pedestre é a prioridade. Reformar e reconstruir as calçadas, iluminando-as, alargando-as e as tornando acessíveis a cadeirantes, idosos e crianças, é caminhar para uma cidade mais humana.
Confira um pouco mais sobre Walkability no vídeo do urbanista Robert Voigt sobre o tema.
Estratégias no projeto urbanístico
Vários fatores indicam a walkability de uma rua, como: largura e qualidade das calçadas, arborização, iluminação, percepção de segurança, mobiliário urbano, sinalização (faixa de pedestres, semáforos), presença de infraestrutura cicloviária, presença de equipamentos urbanos e sistemas (saneamento, mobilidade), vigilância institucional, integração dos sistemas de transporte público, etc.
O Departamento de Transportes dos Estados Unidos possui um manual, disponível em PDF, sobre infraestrutura para o tráfego de pedestres. Chama-se “Pedestrian Facilities Guidelines: providing safety and mobility” (algo como “Orientações para instalações pedestres: proporcionando segurança e mobilidade”, em tradução livre). A publicação aborda diversas questões essenciais sobre desenho urbano e apresenta algumas ferramentas úteis para a remodelagem do espaço urbano, dentre elas:
- Desenho de infraestrutura para pedestres: projeto da calçada, dos canteiros, dos cruzamentos, etc.;
- Desenho da via: diretrizes sobre a como as ruas podem ser desenhadas para priorizar o tráfego de pedestres (por exemplo: inserindo ciclovias, tornando-as mais estreitas, melhorando os acessos das garagens, etc.);
- Desenho das interseções: inclui ruas sem saída e barreiras posicionadas nas interseções de forma a evitar certas conversões dos motoristas;
- Diminuição do tráfego: induzir os motoristas a dirigirem mais devagar, usando mecanismos como ilhas ou passagens elevadas para o cruzamento de pedestres, o uso de canteiros para diminuir a largura das vias em alguns pontos e o uso de vias curvas;
- Gerenciamento do tráfego: fechamento total ou parcial de vias, adoção de calçadões, etc.;
- Sinalização: incluindo semáforos (com sua sincronização para induzir a velocidade do trânsito) e as placas destinadas a orientar os pedestres.
Para projetar locais mais acolhedores, é importante pensar na redistribuição do espaço público, o que significa, muitas vezes, na restrição do espaço de automóveis. Plantar mais árvores, construir mais calçadas e ciclovias e estabelecer novas zonas de lazer, também são ferramentas que impactam em menos congestionamento viário e no fomento ao uso de meios de transporte sustentáveis, como as caminhadas e o ciclismo.
Ao redor do mundo, diversas cidades têm adotado medidas urbanísticas que priorizam o pedestre e melhoram a qualidade de vida no local. A Galeria do coletivo Urb-i mostra diversos exemplos de cidades, com imagens do Google Street View antes e depois de intervenções, que permitem observar as mudanças no espaço urbano e a relevância dessas medidas.
Uma das opções adotadas ao redor do mundo são as praças para pedestres permanentes, onde carros não entram e há forte papel do paisagismo. Outra possibilidade são as naked streets, ou ruas nuas, onde carros, pedestres e bicicletas compartilham o mesmo espaço. Essa opção é indicada para locais com pouco fluxo, onde o ritmo passa a ser ditado pelos pedestres, forçando os demais a se locomoverem mais devagar. Mas não pense que apenas grandes intervenções urbanísticas são capazes de trazer impacto positivo na walkability de um local. A simples melhoria de calçadas já influencia tanto no visual quanto no uso dos espaços.
Apesar de se mostrarem positivas para a qualidade de vida na cidade, medidas como o fechamento de vias construídas para automóveis e conversão em áreas para caminhada ainda são polêmicas no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, a decisão de proibir a circulação de carros na Avenida Paulista aos domingos divide a opinião dos paulistanos; 47% dos entrevistados são favoráveis e 43% contrários, segundo pesquisa Datafolha. O resultado é um pouco diferente quando apenas os moradores da região foram consultados: em pesquisa realizada pelo mesmo órgão, 61% se declararam favoráveis ao fechamento e 35% contrários.
Todas essas medidas têm potencial de tornar a cidade mais humana e democrática. Além disso, elas dão fôlego a pequenos empresários e comerciantes cuja clientela se locomova a pé.
Mas, sem dúvidas, um dos maiores benefícios é a melhoria na saúde da população. Essas medidas propiciam a redução de emissões nocivas com o uso de transporte alternativo, além de incentivar a atividade física.
Um urbanismo humanista, social, público e coletivo é uma ferramenta política para lutar contra o consumo inconsequente de recursos e caminhar para um desenvolvimento mais sustentável.