O que significa o termo “woke”? 

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Woke” é um adjetivo derivado do vernáculo inglês afro-americano (AAVE, na sigla inglês) que pode significar “despertar”. Originalmente, o termo “stay woke foi usado inicialmente para se referir às pessoas que começaram a se “despertar” para injustiças e desigualdades sistêmicas que atingem a população negra. No entanto, ao longo do tempo, a palavra ganhou significados bem mais amplos no contexto da realidade política dos Estados Unidos.

De acordo com uma pesquisa do USA Today/Ipsos de 2023, 56% dos americanos acreditam que “woke” significa “estar informado sobre injustiças sociais”. Enquanto 39% definiram o termo como sendo “excessivamente politicamente correto”. Essa mudança de perspectiva pode estar relacionada à visão política dos participantes. Segundo os dados da pesquisa, 56% dos republicanos entrevistados acreditam que o termo tem uma conotação pejorativa.

Segundo estudiosos da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, o ato do uso indevido do termo, apesar de seu significado histórico, é um exemplo de “pejoração semântica”: quando uma palavra ganha um significado negativo ao longo do tempo. 

Ou seja, assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.

Mas como isso aconteceu? E como o termo “woke pode causar uma batalha política? 

Desigualdade racial: origens e consequências

Origem do termo

As primeiras versões da frase “Stay woke” já eram usadas há 100 anos. Em 1923, por exemplo, uma frase similar foi usada como parte de uma compilação de ideias filosóficas escritas pelo ativista jamaicano Marcus Garvey, que declarou: “Wake up Ethiopia! Wake up Africa!” (Acorde Etiópia! Acorde África!) como um apelo à libertação negra.

Porém, o termo completo, stay woke (continue acordado/desperto), acredita-se ter origem em 1938, em uma música do cantor de blues americano, Lead Belly. O músico escreveu-a sobre os meninos de Scottsboro, nove adolescentes negros acusados ​​de estupro no Alabama, que embora inocentes, foram considerados culpados por um júri composto totalmente por pessoas brancas e condenados à morte. Embora tenham escapado da execução, os adolescentes foram linchados e permaneceram presos por anos.

Por outro lado, o próprio dicionário Oxford credita a criação do termo em uma publicação do The New York Times de 1962 do novelista William Melvin Kelley. Kelley publicou o artigo, de título “If You’re Woke, You Dig It” (Se você está desperto, você curte) sobre como os americanos brancos se apropriam das gírias negras.

A palavra foi popularizada através da música “Master Teacher” de Erykah Badu, em 2008, que contém o refrão “I stay woke” (eu continuo desperto), bem como a música “Redbone” de Childish Gambino de 2016, que inclui “stay woke” (continue desperto) no refrão. E, além disso, também ganhou tração devido ao movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas negras. 

Inclusão do termo no dicionário 

O dicionário inglês Oxford acrescentou este novo termo em suas publicações em setembro de 2017. O significado de woke definido pela instituição é: 

  • woke, adjetivo: Originalmente: bem-informado, atualizado. Agora principalmente: alerta para discriminação racial ou social e injustiça; frequentemente em stay woke.

A sua inclusão coincide com eventos então recentes nos EUA, como a campanha presidencial de 2016 e questões relacionadas à raça e tiroteios policiais.

“Na última década, esse significado [de woke] foi catapultado para o uso comum com uma nuance particular de ‘alerta à discriminação e injustiça racial ou social’, popularizado através da letra da música Master Teacher de 2008, de Erykah Badu, na qual as palavras ‘I stay woke’ servem como refrão, e mais recentemente através de sua associação com o movimento Black Lives Matter, especialmente nas redes sociais”, diz o OED.

Outros possíveis usos do termo 

Como já mencionamos, a popularização do termo fez com que ele ganhasse outros significados em diferentes contextos. Além da injustiça racial, a palavra é frequentemente empregada para definir outras pautas comumente defendidas pela sociedade liberal dos Estados Unidos. 

Um dos exemplos dessa mudança é o uso da palavra dentro da luta a favor da igualdade de gênero, contra outras desigualdades sociais e, até mesmo, em um contexto ambiental. 

Uma matéria de 2023 publicada no The Hill, por exemplo, alega que “a emergência climática exige uma resposta woke’”. Segundo a publicação, o termo agora engloba reconhecer e reivindicar os valores morais que nos orientam na decisão do que é certo e errado. Portanto, como um imperativo moral, woke” é “exatamente o que é necessário em uma emergência climática”.

“Enquanto mais e mais pessoas estão acordando para os perigos que a crise climática apresenta, o tempo para mitigação está se esgotando. Uma pessoa woke vê o absurdo de como o mundo está lidando com a crise. A poluição de carbono da queima de carvão, petróleo e gás está superaquecendo nosso planeta. As evidências devastadoras estão em toda parte”.

“Ao mesmo tempo, energias alternativas limpas e acessíveis, como energia solar e eólica, estão cada vez mais disponíveis e acessíveis, e prometem enormes benefícios, como um ambiente mais saudável, custos de energia mais baratos e milhões de bons empregos”.

“No entanto, apesar dos avisos dos cientistas de que a ação tardia terá efeitos irreversíveis e catastróficos, os governos estão caminhando lentamente na transição para longe dos combustíveis fósseis. Permitir que a ganância e a intransigência das empresas de combustíveis fósseis coloquem em risco as vidas, os meios de subsistência e o próprio futuro da civilização humana é um erro moral”.

“Reconhecendo essa ameaça existencial, uma pessoa woke exige que os governos eliminem gradualmente esses combustíveis poluentes e façam a transição rapidamente para um futuro de energia limpa”, explica a publicação. 

Contexto político 

Durante a posse do ex-presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, o então primeiro-ministro da Inglaterra, Boris Johnson, foi perguntado se o presidente era woke”. Segundo Johnson, não havia “nada de errado em ser woke, mas que era “importante defender sua história, suas tradições e seus valores, as coisas em que você acredita”. 

Esse acontecimento demonstra a lenta transformação da palavra pelo público, principalmente dentro do contexto político. Enquanto antes, o termo queria dizer estar alerta às injustiças sociais, no contexto atual, pode ser visto de forma pejorativa. 

Isso se dá, principalmente, através da visão conservadora da palavra. Dentro do contexto político, ela tornou-se sinônimo de um progressismo “excessivo” por apoiadores de partidos republicanos dos Estados Unidos. 

De acordo com a revista Forbes, por exemplo, as definições conservadoras para “woke” variam de “uma forma de marxismo cultural”, de acordo com o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, a “um vírus mais perigoso do que qualquer pandemia”, de acordo com a ex-governadora Nikki Haley.

Além disso, o uso de “woke” como pejorativo se estendeu para além dos Estados Unidos: políticos em países como Hungria, Suíça e Nova Zelândia também criticaram a “ideologia woke” nos últimos anos. 

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Pejoração semântica 

A pesquisa do USA Today/Ipsos de 2023 demonstra a pejoração semântica da palavra. Os dados indicam que os americanos continuam divididos se o termo é um elogio ou ofensa e que essa separação depende, principalmente, da idade e da filiação partidária das pessoas. (1)

Foi demonstrado que: 

  • Dois em cada cinco (40%) dizem que consideram “woke” um insulto, mas cerca de um terço (32%) consideram um elogio.
  • Enquanto a maioria dos republicanos (60%) e uma pluralidade de independentes (42%) consideram “woke” um insulto, quase metade dos democratas (46%) dizem que o consideram um elogio.
  • Da mesma forma, os americanos de 18 a 34 anos (43%) são mais propensos do que aqueles de 50 a 64 anos (23%) ou 65+ (19%) a ver “woke” como um elogio. Em comparação com aqueles de 18 a 34 anos (21%), porém, os americanos de 65+ (38%) são significativamente mais propensos a dizer que não sabem o que “woke” significa.

No entanto, os americanos estão menos divididos sobre a definição de “wokeness”, já que mais da metade diz que “wokeness” significa estar informado sobre injustiças sociais. Diferenças por partido e idade, no entanto, permanecem presentes:

  • Cinquenta e seis por cento dos americanos dizem que “wokeness” abrange estar informado, educado e ciente das injustiças sociais. Em contraste, dois em cada cinco (39%) dizem que “wokeness” envolve ser excessivamente politicamente correto e policiar as palavras dos outros.
  • Uma vasta maioria (78%) dos democratas diz que ser “woke” significa estar informado, enquanto quase três quintos (56%) dos republicanos dizem que significa ser excessivamente politicamente correto. Comparados a democratas e republicanos, no entanto, os independentes estão mais divididos sobre a definição de “wokeness”, pois 51% dizem que envolve estar informado e 45% dizem que significa ser excessivamente politicamente correto.
  • Americanos com idades entre 50-64 (48%) são mais propensos do que aqueles com idades entre 18-34 (33%) ou 35-49 (37%) a ver “wokeness” como sendo excessivamente politicamente correto.

Anti-woke 

É importante notar que a pejoração semântica da palavra não foi algo repentino. Enquanto liberais e democratas abraçavam o termo para levantar questões sociais importantes, como a desigualdade racial e de gênero, a direita começava o seu próprio movimento — o “anti-woke”. 

Ser anti-woke pode indicar qualquer pessoa que se opõe aos movimentos de igualdade apoiados pelos liberais, normalmente de uma perspectiva conservadora. Sob o falso pretexto de “progressismo excessivo”, os defensores do movimento anti-woke iniciaram boicotes e outras ações contra qualquer ideal igualitário praticado por empresas e outras organizações que trabalham a favor da justiça social. 

Essa pauta levou à ascensão de diversos movimentos de extrema direita nos Estados Unidos, como a supremacia branca e outros tipos de intolerância. O que, consequentemente, alavancou a pejoração semântica da palavra. 

O impacto dos esforços anti-woke

No estado da Flórida os esforços contra a narrativa woke já levaram a restrições de conteúdo de letramento racial na educação, incluindo a rejeição de um curso de história afro-americana em escolas secundárias estaduais. 

O letramento racial é um conjunto de táticas e ensinamentos que visam identificar e responder ao racismo e outras questões raciais presentes na sociedade. Seu objetivo, além da educação básica dessas questões, é estabelecer ideais antirracistas em locais onde atos discriminatórios são banalizados.

Em teoria, como um ensinamento, o letramento racial deveria ser incluído em currículos escolares para incentivar crianças em seus anos formativos. Dessa forma, as questões raciais seriam ensinadas cedo, o que ajudaria na formação de uma sociedade ativamente antirracista e pronta para responder questões raciais.

Porém, a exclusão do letramento racial em escolas é apenas um exemplo de uma das regressões dos movimentos sociais nos Estados Unidos resultantes da intolerância de republicanos e conservadores. 

Essas restrições apontam uma grande ameaça à luta antirracista, contra a homofobia e aos direitos igualitários. Foi a partir do ideal anti-woke que escolas e outras instituições de ensino passaram a excluir parte da história norte-americana no combate à intolerância de qualquer forma. 

Em todo o país, centenas de iniciativas legislativas lideradas por conservadores restringiram programas, aulas e treinamentos que abordam raça, diversidade e equidade nos últimos anos — algo que pode continuar a partir da reeleição do presidente Donald Trump em 2025. 

Os impactos desses esforços, no entanto, não apenas afetam o presente do país, mas como todo o futuro que precisará lutar contra a doutrinação intolerante ensinada nas escolas. 

Hoje, acima de tudo e independentemente das mudanças do termo woke, é importante lembrar do significado original da palavra e tudo o que ela representa no contexto social. E que, embora a distorção, ela ainda representa estar ciente de crises sociais e querer repará-las, para criar uma sociedade mais feliz, amorosa e igualitária.

Júlia Assef

Jornalista formada pela PUC-SP, vegetariana e fã do Elton John. Curiosa do mundo da moda e do meio ambiente.

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