Castanha-do-pará lidera o desenvolvimento sustentável na Amazônia

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Leia o artigo de Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil, sobre o exemplo da castanha-do-pará para o desenvolvimento sustentável

Há alguns meses, publicamos um livro que foca no aumento da produtividade brasileira e trouxemos o exemplo da castanha-do-pará. Atualmente, a Bolívia é o maior exportador do produto, o que evidencia as perdas das oportunidades de exportação do Brasil e o pequeno valor agregado ao produto.

Fico feliz em relatar que em uma viagem recente ao Acre, que possui fronteira com a Bolívia, há sinais de que esse cenário começa a mudar. A Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre), fundada há 16 anos por agricultores empreendedores que hoje estão na casa dos 80 anos, concentra uma crescente parcela da produção de castanha-do-pará no Acre.

A Cooperacre processa as castanhas localmente e comercializa ao mercado doméstico e ao mercado internacional. O lucro do ano passado chegou a 30 milhões de reais. Esse montante é suficiente para pagar os 269 trabalhadores e ajudar a sustentar mais de 3 mil famílias da região.

Visitei a maior e mais antiga fábrica de processamento do Brasil, pertencente à Cooperacre, que fica logo depois da capital, Rio Branco. Lá as castanhas são armazenadas, limpas, quebradas, secas e empacotadas, com as cascas usadas para fazer biocombustível suficiente para abastecer mais de dois terços da energia necessária para a fábrica funcionar.

As famílias trabalhadoras coletam mais de 200 sacos de castanhas por ano e recebem entre 30 e 80 reais por saco (a média para esse ano é de 50 reais). Ainda que o valor não seja suficiente para sustentar toda a família, as castanha-do-pará podem crescer junto com mandioca, bananas, abacaxis e outros tipos de árvores frutíferas. Isso oferece diversidade e aumento na produção local. Em um assentamento fora de Rio Branco, mais de 200 famílias estão cooperando com a Cooperacre para processar suas colheitas de palmito, abacaxi e outras frutas.

Os investimentos da Cooperacre foram parcialmente financiados por uma série de projetos multissetoriais do Banco Mundial, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento rural integrado e sustentável.

Os projetos fazem parte de uma série de investimentos do Banco Mundial para apoiar parcerias produtivas em diversas regiões do Brasil, as quais já tive a oportunidade de relatar no meu blog. Nem todos os investimentos são bem-sucedidos. É particularmente difícil conectar as cooperativas produtoras com os grandes mercados consumidores, o que permitiria acabar com a dependência aos subsídios do governo para investir em equipamentos e transformar seu estado no maior mercado produtor.

Mesmo no Acre, a Cooperacre é uma exceção ao conseguir projeção para ganhar acesso ao mercado nacional e internacional. No entanto, o apoio às cooperativas rurais de produtores no Acre é importante por outro motivo: 87% do território do estado ainda é tomado pela floresta amazônica preservada e a maioria dos produtores vive em ecossistemas vulneráveis.

Ao oferecer oportunidades econômicas a eles que incentivem práticas sustentáveis, o governo do Acre reduziu drasticamente os conflitos entre a conservação do meio ambiente e o crescimento econômico.

De fato, as conquistas do Acre podem nos ensinar mais sobre a gestão sustentável de florestas tropicais pluviais. Acre foi o primeiro estado a receber pagamentos internacionais para preservar a floresta nativa por meio do programa REDD. As florestas nativas da Amazônia cobrem 87% do estado, bem acima do estipulado em 2012 pelo Código Florestal (80%), mesmo a área tendo diminuído em cerca de 90 mil hectares nos últimos três anos.

O Acre é o primeiro estado a registrar quase todas as propriedades de acordo com o Código Florestal, autorizando os fazendeiros a recuperar a área degradada, por meio do reflorestamento, e a promover a integração das práticas de gestão florestal em áreas de proteção ambiental. Isso evidencia uma parte importante da estratégia do Acre para reconciliar objetivos econômicos, sociais e ambientais.

A estratégia de apoiar cooperativas de produtores rurais é complementada pelos investimentos municipais em infraestrutura e serviços sociais. Por exemplo, baseado num planejamento territorial cuidadoso do Projeto de Inclusão Econômica e Social e de Desenvolvimento Sustentável do Acre (Proacre), quatro comunidades isoladas foram identificadas e selecionadas para investimentos prioritários em água e saneamento.

Isso incentivou as pessoas a se mudar para esses assentamentos, onde eles também têm acesso à saúde e educação, mudando da agricultura tradicional arcaica para métodos de produção integrados em terrenos constantemente cultivados.

As conquistas na educação do Acre também são notáveis. É o primeiro estado a eliminar o analfabetismo e os resultados dos testes do Ensino Médio são os melhores na região Norte. Ao investir em educação de qualidade, o Acre cria a base para aumentar o valor agregado de seus produtos e futuramente aumentar a renda da população local de forma sustentável.

No meu retorno do Acre eu tive uma última percepção: a qualquer lugar que eu fosse, eu era recepcionado por líderes locais ou políticos surgidos na década de 1980, durante o movimento dos seringueiros. O líder desse movimento, Chico Mendes, foi assassinado há 30 anos por conta de sua resistência ao desmatamento e uso indevido de terras. Ele dá nome à ONG que hoje gerencia todas as áreas de proteção ambiental e reservas ambientais no Brasil.

O Acre, porém, criou seu próprio mecanismo social e político, composto por organizações comprometidas com a conservação e desenvolvimento sustentável. De certa forma, isso representa o capital social crítico para a estratégia de apoio às cooperativas de produtores rurais.

Observei um comprometimento social similar em Santa Catarina, que era mantido por vilas tradicionais formadas por imigrantes europeus. Mais uma vez, me pareceu que o sucesso de Santa Catarina veio do apoio às cooperativas de produtores rurais.

Para reproduzir esse sucesso em outras áreas do Brasil ou em outros países, precisaríamos de mais estudos a respeito da disponibilidade de capital social. Como Robert Putnam notou ao examinar diferentes formas de desenvolvimento ao Norte e Sul da Itália – a densidade da rede social (conexão entre os indivíduos) pode ser um elemento-chave para o sucesso.

Não sei se temos bons indicadores de capital social que nos permitiriam testar essa hipótese, mas tenho certeza que vale a pena compartilhar essa experiência do Acre como um exemplo de desenvolvimento sustentável bem sucedido em um contexto socioecológico frágil.


Artigo por Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil
Fonte: ONU Brasil

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