Imagem: NIH – National Institute of Neurological Disorders/Divulgação
Um trabalho dirigido pela professora Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química (IQ) da USP, e publicado na revista Redox Biology, mostra que um tipo de composto derivado do colesterol promove a aglomeração de certas proteínas com função antioxidante. O achado pode ter implicações para várias doenças neurodegenerativas, mas os resultados são especialmente relevantes para o estudo da esclerose lateral amiotrófica, na qual os pacientes perdem a capacidade de controlar os próprios músculos, já que a agregação de proteínas como a superóxido dismutase 1, analisada nesta pesquisa, é encontrada no cérebro de portadores da doença.
Embora o colesterol consumido na dieta seja famoso pelo seu papel no entupimento das artérias, a verdade é que se trata de uma molécula necessária para a vida, desempenhando funções importantes no organismo. Ele está nas membranas das células animais, por exemplo, e também é um dos principais componentes da mielina, estrutura que cobre os axônios (parte dos neurônios), permitindo a transmissão mais rápida dos impulsos nervosos.
Em determinadas situações, as moléculas de colesterol podem ser alvo de reações de oxidação, que as degradam. Quando isso ocorre, elas se transformam em moléculas mais instáveis e reativas, que por sua vez podem oxidar outras moléculas. Uma dessas formas reativas do colesterol são os chamados aldeídos de colesterol.
“Nós já tínhamos visto na literatura que existem dados de pacientes que mostram que esses aldeídos estão presentes no cérebro de pacientes com Parkinson. E existem trabalhos de outros grupos que mostram que eles também afetam proteínas em outras doenças neurodegenerativas”, explica Miyamoto, que é pesquisadora do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina, o Cepid Redoxoma.
Com esse precedente, o grupo decidiu estudar o papel dos aldeídos de colesterol no contexto da esclerose lateral amiotrófica, uma doença degenerativa para a qual ainda não existe cura.
A esclerose lateral amiotrófica afeta principalmente os neurônios motores, as células que ligam o cérebro com os músculos, passando pela espinha dorsal, e que são responsáveis pela nossa capacidade de movimento.
Durante o desenvolvimento da doença os neurônios motores acabam morrendo. Mas antes que isso aconteça é possível detectar nessas células a presença de agregados de proteínas, que aparecem ao microscópio como pontos escuros no interior dos neurônios. Esses agregados são formados pela ação das chamadas “espécies reativas de oxigênio”, um grupo de moléculas que modifica a estrutura das proteínas, e do qual os aldeídos de colesterol fazem parte. Ao perder a estrutura, as proteínas interagem entre elas e formam os agregados.
Embora para a maioria dos casos as causas que desencadeiam a esclerose lateral amiotrófica sejam desconhecidas, em um pequeno grupo de pacientes a progressão da doença está relacionada com alterações na proteína superóxido dismutase 1, ou SOD1. Nesses pacientes, a SOD1 aparece formando parte dos agregados dos neurônios motores. Como a SOD1 tem uma função antioxidante, a presença dela nos agregados sugere a existência de um efeito dominó no decorrer da doença: quando a SOD1 é oxidada e se agrega, ela fica inativa, o que favorece ainda mais a oxidação e agregação de novas proteínas.
O grupo de Miyamoto testou se os aldeídos de colesterol seriam capazes de oxidar a SOD1 e promover a sua agregação. Os experimentos confirmaram a hipótese.
“Eles induzem uma agregação muito forte da proteína [SOD1]”, diz Miyamoto. “Em termos de mecanismo, isso se justifica pela hidrofobicidade, já que o colesterol é uma molécula muito hidrofóbica.” A hidrofobicidade de uma molécula indica o quanto ela é capaz de interagir com as moléculas de água. Moléculas muito hidrofóbicas interagem mal com as moléculas de água e apresentam uma maior propensão a formar agregados.
Os pesquisadores também mediram os níveis de aldeídos de colesterol em um modelo animal de esclerose lateral amiotrófica, de nome G93A-SOD1. Nesse modelo, os ratos produzem uma forma alterada da SOD1 e desenvolvem a doença quando chegam à idade adulta. No trabalho se mostra que quando os ratos começam a desenvolver os sintomas da doença, eles apresentam níveis mais altos de aldeídos de colesterol no plasma sanguíneo. A observação ainda é só uma prova circunstancial da implicação dessas moléculas na doença, mas abre a porta para estudos mais detalhados.
Embora os pesquisadores só tenham testado os efeitos dos aldeídos de colesterol na SOD1, o fato de que a formação de agregados ocorre na maioria das doenças neurodegenerativas faz com que os resultados também possam ser interessantes para quem pesquisa patologias similares, como as doenças de Parkinson e Alzheimer.
“A gente escolheu a SOD1 como alvo, mas eu acho que outras proteínas poderiam ser suscetíveis ao mesmo tipo de modificação”, afirma Miyamoto. “Eu acho que não é algo específico dessa doença, mas que a implicação é mais ampla do que a gente viu aqui com os dados do laboratório.”
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