Uma equipe internacional liderada por pesquisadores brasileiros publicou recentemente um estudo na revista Nature mostrando que a restauração ecológica de habitats atualmente degradados pela atividade agrícola é fundamental para mitigar os impactos da mudança climática e evitar a extinção de espécies animais.
O estudo analisou dados de 2,87 bilhões de hectares de áreas naturais — florestas, pastagens, áreas arbustivas, áreas úmidas e ecossistemas áridos — no mundo inteiro que foram transformadas em terras agrícolas ao longo dos anos.
Os pesquisadores usaram três critérios para avaliar os resultados: conservação da biodiversidade, mitigação da mudança climática e custo. Foram modelados 1.200 cenários combinando estes elementos e utilizando diferentes abordagens de restauração. O objetivo era chegar às melhores soluções de restauração combinando os maiores índices de conservação da biodiversidade e de mitigação das alterações climáticas com os menores custos possíveis.
Eles observaram que diferentes objetivos demandam áreas e estratégias de restauração distintas: a recuperação de áreas florestais é a prioridade quando a meta é mitigar os efeitos da mudança climática, enquanto a restauração de áreas úmidas é da maior importância quando o objetivo é conservar a biodiversidade. Ecossistemas áridos e pastagens são as áreas que apresentam maior relação custo-benefício para restauração.
Embora todos os continentes possuam áreas que combinam os três critérios de maneira eficiente, a maioria das áreas prioritárias para restauração esté em regiões situadas nos trópicos. A preservação de habitats naturais e a restauração de 30% do total de terras convertidas em áreas agrícolas com foco nessas regiões pouparia 71% das espécies animais da extinção, além de absorver 465 gigatoneladas de dióxido de carbono da atmosfera —aproximadamente metade de todo o carbono emitido desde o início da Revolução Industrial.
Gislene Ganade, coordenadora do Laboratório de Ecologia da Restauração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), declara que este é o primeiro estudo a reunir uma metodologia avançada de modelagem e foco na conservação da biodiversidade, mitigação da mudança climática e custos globais de restauração. “Existem vários estudos de restauração ecológica com diferentes técnicas de recuperação para todos os ecossistemas, mas não conheço nenhum que já tenha usado estes três critérios ao mesmo tempo, numa escala global”, disse Ganade (que não participou do estudo) em uma entrevista à Mongabay.
Para Ganade, esta pesquisa faz soar o alarme para os legisladores e cidadãos em um momento em que o mundo está entrando na Década da Restauração de Ecossistemas, conforme foi definido pelas Nações Unidas. “Isso mostra que o Brasil é líder em estudos de restauração e também ajuda a olhar para um problema global com profundas implicações locais. Se existe uma hora para falar sobre estas questões, [essa hora] é definitivamente agora”, acrescenta.
O estudo em escala mundial foi inspirado na mesma metodologia que o autor principal, Bernardo Strassburg, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), desenvolveu para mapear áreas prioritárias para restauração na Mata Atlântica, um dos biomas mais degradados do Brasil.
Os pesquisadores observam que a restauração não precisa vir em detrimento da produção agrícola, já que 55% das terras convertidas poderiam ser restauradas, mantendo os rendimentos atuais.
A abordagem utilizada pelos pesquisadores, no entanto, também está sujeita a críticas. Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Estadual de Florestas (IEF) de São Paulo, que não participou do estudo, considera o critério fruto de uma “visão economista pragmática”, uma vez que se concentra na restauração em áreas “onde é mais fácil e barato de realizar”.
“É importante curar as feridas da Terra onde elas são mais profundas, onde as áreas naturais estão mais degradadas e há mais poluição e escassez de água — e essas áreas nem sempre coincidem com o que o estudo encontrou”, afirma Durigan. As áreas destacadas pela pesquisadora estão principalmente no Hemisfério Norte. “A restauração de áreas em fontes e leitos de rios é de especial importância para a manutenção da água em volume e qualidade, mas isso não é mencionado no estudo”, complementa.
Bernardo Strassburg concorda com a afirmação de Durigan. “A restauração de nascentes é extremamente necessária e, quando trabalhamos na modelagem em escala local, encontramos esse tipo de prioridade”, diz ele.
O estudo, entretanto, não foi capaz de combinar essa modelagem específica devido à sua escala. Há uma série de fatores a serem levados em consideração ao trabalhar com modelos tão específicos, “desde o tipo de solo em áreas ribeirinhas até a inclinação do rio e seu tipo de curva”, explica Strassburg. “É possível trabalhar com tais dados em uma escala local. Em escala global, isto ainda não é computacionalmente possível”. Ele acrescenta que, apesar de mapearem áreas de restauração em uma grade de células de 9 hectares, eles usaram células muito maiores – 2.500 hectares – para otimizar a modelagem final. “Dentro destas células, faz todo o sentido priorizar as áreas de nascentes para restauração. Ambas as abordagens funcionam bem em conjunto”, diz ele.
Mais da metade das terras convertidas mapeadas pelo estudo eram originalmente regiões florestais (54% do total). Vinte e cinco por cento da área era de pastagens, 14% de matagais, 4% de terras áridas e 2% de zonas úmidas.
A recuperação de áreas florestais é crucial para mitigar os efeitos da mudança climática mas muitas dessas áreas em regiões prioritárias, como o Brasil, estão diminuindo em vez de se expandirem. A Floresta Amazônica teve mais incêndios este ano do que em 2019 (mais de 89.600 até Outubro contra 89.176 ano passado), quando a fumaça era tão intensa que escureceu os céus de São Paulo, a mais de 2.700 quilômetros de distância.
Na Mata Atlântica, região que abriga 70% da população do Brasil, a situação é ainda mais crítica. Originalmente, o bioma cobria partes do Nordeste brasileiro e de todos os estados do Sul e do Sudeste, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo, as cidades mais populosas do Brasil. Hoje restam pouco mais de 12% de sua cobertura vegetal total. Segundo Strassburg, o bioma está no topo da lista das áreas prioritárias para restauração global.
O desmatamento entre 2018 e 2019 foi quase 30% maior do que no período de 2017 e 2018, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). Restaurar e manter as florestas em regiões tão populosas é essencial para a manutenção da água para a qual Durigan chama a atenção.
Apesar do constante aumento no desmatamento, algumas ações tentam contrariar esta tendência. Strassburg diz que iniciativas como o Pacto para a Restauração da Mata Atlântica — visando restaurar 15 milhões de hectares de floresta nativa — têm sido muito importantes na tentativa de mitigar parte da perda do habitat na área.
“Aconteceram várias iniciativas de restauração em lugares prioritários que mapeamos neste estudo e em estudos anteriores. Existem ações de vários tipos, desde restauração natural até a restauração natural assistida, lideradas por grupos locais, cooperativas e grandes empresas”, afirma. Um exemplo é o Programa Mutirão de Reflorestamento, liderado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, um programa de reflorestamento em andamento na região da Mata Atlântica desde 1994.
Uma destas iniciativas foi a liderada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, do Instituto Terra, que ganhou o E-Award das Nações Unidas, na categoria Educação, na Conferência Rio+20 em 2012. Na ocasião, mais de 1,7 milhões de árvores foram plantadas na Mata Atlântica.
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