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Fundamental para a fabricação de baterias para celulares e carros elétricos, o lítio extraído no Altiplano Andino ameaça o habitat natural dos flamingos-andinos

O lítio é visto como o petróleo do futuro e muitos o chamam de “ouro branco” e até de “maravilha mineral”, já que ele é ótimo para armazenar energia. O que eles se esquecem de considerar são os impactos da extração desse mineral, que não é encontrado de forma livre na natureza. As baterias de celulares e carros elétricos feitas com lítio só são possíveis graças à exploração de salinas onde são encontrados compostos com o mineral e esse processo afeta o habitat natural de animais que vivem próximos desses locais, como é o caso dos flamingos-andinos.

Por ser um metal alcalino muito leve, o lítio se oxida rapidamente em contato com o ar, de modo que só existe na natureza na forma de compostos químicos, como carbonato e cloreto de lítio. Ele é usado em indústrias de vidro, cerâmica, lubrificantes e drogas, além do setor tecnológico e automotivo, em que se tornou fundamental para a fabricação de baterias, tanto de celulares quanto de veículos elétricos. O problema é que a principal técnica de extração do carbonato e do cloreto de lítio é a evaporação de salinas.

O método consiste em colocar a salmoura, extraída de grandes profundidades, em recipientes grandes e rasos, onde seca ao sol. Depois, vão sendo adicionados vários elementos químicos que desencadeiam reações que precipitam sais, como cloreto de sódio ou de potássio, para, finalmente, ser obtido o carbonato ou cloreto de lítio.

Ameaça à biodiversidade

Os flamingos-andinos têm como um de seus habitats naturais justamente o chamado “triângulo de lítio“, no Altiplano Andino, a 4 mil metros de altitude. A área possui grande biodiversidade e as aves migram das terras baixas para as lagoas e regiões úmidas do altiplano. O problema é que essas áreas úmidas ficam intercaladas entre as salinas de lítio, criando um conflito entre a mineração e a conservação dos habitats dessa espécie de flamingos.

A mineração de lítio também é muito agressiva para os recursos hídricos que utiliza. Além disso, a salmoura se encontra nas profundezas da terra, cercada por aquíferos de água doce que compõem um sistema hidrogeológico muito complexo e único no mundo. Ao bombear a salmoura dos aquíferos, são gerados espaços vazios na terra, que se enchem de água doce dos aquíferos adjacentes, que por sua vez são o que dá vida às áreas habitadas pelos flamingos.

O resultado é que a extração de lítio traz consigo dois problemas sérios: por um lado, a grande quantidade de água doce consumida e, por outro lado, a grande concentração salina da salmoura já sem lítio (10 vezes maior que a da água do mar), que fica como resíduo. Borja Heredia, especialista em biodiversidade e diretor da unidade de aves da Convenção das Espécies Migratórias da ONU (CMS, na sigla em inglês), ressalta, em entrevista à Deutsche Welle, que atualmente existe uma grande pressão exercida pela indústria na Bolívia, Chile e Argentina para permitir a extração de lítio.

Atualmente, ninguém questiona a necessidade desse mineral para abordar a transição energética e conter as mudanças climáticas. Mas Heredia alerta para a necessidade de realização de pesquisas que encontrem métodos que usem menos água doce – e nos quais o excedente seja recuperado ao final do processo. “São necessárias investigações exaustivas do sistema de aquíferos da região de Puna, porque eles não são conhecidos”, explica, acrescentando que até agora as pesquisas realizadas são genéricas, sem observar a peculiaridade de cada salar.

“Cada salar é único e requer estudos detalhados e específicos. Além disso, modelos matemáticos são necessários para prever a longevidade dos depósitos a longo prazo”, avalia o especialista da CMS. “O lítio é um material não renovável, portanto, se for extraído indiscriminadamente, em 20 anos poderemos ter acabado com as reservas.”

A CMS desenvolve, junto com o Grupo de Conservação do Flamingo-Andino (GCFA) e a Convenção de Ramsar, uma rede de áreas úmidas para proteger essas lagoas através de um selo internacional. Eles querem estabelecer uma visão geral de quais áreas não devem ser afetadas pela atividade de mineração, por serem fundamentais para a sobrevivência das colônias de flamingos, e quais podem ser utilizadas.

Apelo às autoridades

Heredia destaca ainda que é importante melhorar os estudos de avaliação do impacto ambiental causado pela extração de lítio, já que falta rigor nos realizados até agora. Segundo ele, os governos cruzam os braços e é preciso criar limites para a indústria do lítio. “Embora ninguém questione a necessidade de se abandonar os combustíveis fósseis para conter as mudanças climáticas, a transição energética não deve ser entendida como um cheque em branco para se extrair o lítio às custas da biodiversidade da área”, diz Heredia. “Caso contrário, corremos o risco de esgotar as reservas minerais e destruir um ecossistema único no mundo.”



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