O Cerrado é uma das regiões mais devastadas por pastagens. No ano passado, sofreu os piores incêndios já vistos
Resumo
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Sborgia abraçou a ideia do manejo holístico e da rotação de pastagens pregada por Allan Savory, um ecólogo do Zimbábue que se tornou famoso por sua ideia provocadora de que, para salvar o planeta das mudanças climáticas, deveríamos aumentar, e não reduzir, a pecuária.
- O chef brasileiro Matheus Sborgia decidiu apostar na agricultura regenerativa depois de herdar a fazenda de gado de seu avô, no coração do Cerrado.Resumo
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Em vez de deixar suas 200 vacas pastando livremente, Sborgia permite que elas comam tudo numa pequena área e depois as transfere para outra área; quando elas retornam à área original, esta já foi regenerada.
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O Cerrado é uma das regiões mais devastadas por pastagens. No ano passado, sofreu os piores incêndios já vistos, e enquanto as fazendas ao redor da propriedade de Sborgia secaram, suas terras continuaram verdes e cheias de vida.
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Em 2016, Matheus Sborgia, então um confeiteiro de 26 anos, recebeu uma notícia triste: Luis Sborgia, seu avô, tinha falecido. Matheus estava em Pollenzo, no norte da Itália, prestes a se formar na Universidade de Ciências Gastronômicas, onde tinha mergulhado de cabeça no mundo da comida. No Brasil, seu avô deixara 50 hectares de pastagens no município de Inocência (MS), no coração do Cerrado, onde por décadas tinha criado gado.
“Aquilo me deu um estalo. ‘Você precisa voltar para o Brasil’”, pensou Sborgia. “Você pode voltar para casa e cuidar de um pedaço de terra que pode fazer a diferença e mudar a forma como a agricultura funciona.”
Sborgia tinha viajado o mundo por 11 anos, trabalhado num restaurante em Melbourne, na Austrália, e experimentado com a arte culinária no Noma, restaurante de três estrelas Michelin na Dinamarca, frequentemente considerado o melhor do mundo. Mas na universidade Sborgia percebeu que, ao falar sobre comida, era preciso considerar o quão sustentável ela é, e o bom senso mostrava que a carne era o oposto da sustentabilidade.
Um estudo de 2013 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostrou que a pecuária respondia por 14,5% das emissões de dióxido de carbono geradas pelo ser humano. A produção de carne é reconhecida amplamente como uma das principais causas de desmatamento de várias das florestas tropicais do mundo, inclusive pela destruição acelerada da Amazônia. Isso inclui também o uso de 60% das terras agrícolas do planeta para produzir alimentos para os animais, além de imensas quantidades de água – 20 mil litros para produzir um quilo de carne – e emissões de metano, um gás de efeito estufa mais potente que o CO2, eliminado no processo digestivo de bilhões de vacas ao redor do mundo. Campanhas veganas e vegetarianas contra a produção e carne costumam enfatizar o fato de a pecuária ser uma das principais causas do aquecimento global e das mudanças climáticas.
“Então achei que não fazia sentido voltar para casa e criar gado”, disse Sborgia. Quando retornou, contudo, logo percebeu que as terras de seu avô eram muito pequenas para o plantio de banana ou mamão, e muito distantes do vilarejo mais próximo para produzir hortaliças em escala comercial. Ele se viu preso a uma terra que só permitia a pecuária, uma terra nua e sem vida devido aos milhares de animais que seu avô criara ali por décadas.
Mas Sborgia não desistiu de seu sonho, e começou a pesquisar mais sobre criação animal. Quanto mais estudava, mais compreendia que devia haver uma forma de criar gado de forma sustentável. Por fim, ele descobriu uma prática da qual nunca tinha ouvido falar: a agricultura regenerativa.
“Eu pensei: por que querer apenas ser sustentável quando posso regenerar?”, conta Sborgia. “No estágio em que estamos, [a sustentabilidade] não é suficiente.”
Vacas como animais migratórios
Sborgia abraçou a ideia de manejo holístico e pasto rotativo pregada por Allan Savory, um ecólogo do Zimbábue, criador de gado e presidente e cofundador do Instituto Savory. Em 2013, Savory deu uma palestra no TED Talks que popularizou sua ideia provocadora de que, para salvar o planeta das mudanças climáticas, é preciso aumentar, em vez de reduzir, a pecuária.
“As vacas são extremamente seletivas. Elas viajam qualquer extensão para encontrar o capim ou o arbusto de que gostam. Então elas se alimentam mais de algumas espécies e menos de outras”, diz Sborgia. Com o tempo, o pasto se torna improdutivo por causa da alimentação seletiva, e resta aos fazendeiros alimentarem os animais com grãos industriais, arar a terra, comprar e plantar sementes, e espalhar fertilizante para ajudar o pasto a crescer novamente.
Em vez de deixar os animais pastarem livremente, Savory defende a hiperconcentração de herbívoros que comem tudo num pequeno pedaço de terra, compactam o solo, defecam e rapidamente passam para outra área – imitando as grandes migrações de rebanhos de búfalos, gazelas e zebras que antes povoavam as pastagens do mundo. Antes que os humanos direta ou indiretamente exterminassem a maioria deles, os animais selvagens avançavam de lugar em lugar rapidamente e em grupos compactos para fugir de predadores famintos que os perseguiam.
Sborgia realizou uma campanha de crowdfunding para construir a infraestrutura para o novo sistema de manejo da terra que tinha em mente, arregaçou as mangas e embarcou numa aventura que seus vizinhos inicialmente acharam que era uma piada.
Ele dividiu sua fazenda em pequenas áreas e assumiu o papel de predador selvagem, transferindo suas 200 vacas diariamente de uma área para outra. De acordo com Guido Carillo, agrônomo que trabalha criando sistemas agrícolas sustentáveis na América Latina, os pastos absorvem ativamente o CO2 da atmosfera com mais eficiência que as árvores, armazenando-o no solo e alimentando microorganismos que regeneram a terra.
“Se as vacas não pastarem, nós perdemos a oportunidade de sequestrar carbono no solo”, diz Carillo. “Ao remover a parte herbácea da planta, [os animais] estimulam as raízes a capturarem mais dióxido de carbono.” Além disso, as fezes dos animais enriquecem o solo, criando uma sinergia entre plantas, solo e animais.
O Cerrado sofreu uma das piores temporadas de queimadas de todos os tempos durante no ano passado, e embora as terras em torno da propriedade de Sborgia estejam secas, as suas estão verdes e cheias de vida. Se o pasto não é arado, as raízes das plantas se afundam mais no solo e permitem que ele retenha água durante a estação seca. De acordo com Savory, é a ausência de cobertura vegetal sobre o solo que acelera o processo de desertificação nas savanas do mundo.
O Instituto Savory treinou mais de dez mil fazendeiros no mundo todo para aplicar o manejo holístico num total de 9 milhões de hectares de terra. Enquanto muitos defendem os resultados desse tipo de agricultura, outros dizem que a hipótese de Savory não é científica, e afirmam que seu método não tem evidências nem reprodutibilidade científicas.
Não é a vaca, é o método
Darren Doherty é fundador da Regrarians, uma plataforma que já ofereceu consultoria a mais de 4 mil fazendas e treinou mais de 15 mil fazendeiros que buscavam aprender sobre os sistemas de agricultura regenerativa. Doherty disse à Mongabay que a maioria das pessoas culpa a pecuária pela crise climática porque só consegue ver os inputs que vão na produção e os outputs gerados, sem considerar a função da paisagem como parte da equação.
“Esse é um ponto realmente crítico porque é preciso avaliar que, se você usa algum sistema de manejo, seja para vacas ou ovelhas, se a função da paisagem está melhorando, então a terra sabe que está sendo recuperada”, diz Doherty. Ele acrescenta que tudo, das plantas aos animais, precisa colaborar para criar um sistema agrícola sustentável.
Aline Kehrle, veterinária e dona da Agropecuária Kehrle, foi uma das alunas de Doherty. Em 2013, ela também assumiu a fazenda do avô, que se estende por 5 mil hectares em Aliança do Tocantins (TO). Atualmente, ela tem 2 mil cabeças de gado, divididas em dois grupos de mil. A cada seis horas, os grupos são transferidos para uma nova área de 1,5 hectare. Kehrle usa apenas 250 hectares – um vigésimo de sua propriedade – e leva entre 25 a 30 dias para que o rebanho volte à área na qual começou.
Graças à essa rotatividade, Kehrle diz que viu animais selvagens retornarem à terra que seu avô usava para a pecuária convencional desde os anos 1980. E enquanto seus vizinhos tiveram que continuar comprando grãos para alimentar o gado, ela diz que tem muito mais pasto do que precisa por causa do sistema de manejo holístico.
“Não é a vaca, é o método”, diz Kehrle. “O planeta pode suportar muito mais ruminantes do que tem hoje. Mas o problema é a forma como os humanos estão tratando esses animais, a forma como estão usando os recursos para alimentar e criar os animais.” Não precisamos parar de comer carne para salvar o planeta, diz ela, mas ao mesmo tempo, não precisamos comer muita carne todos os dias: é tudo uma questão de encontrar o equilíbrio.
Sborgia está começando a expandir sua fazenda, acrescentando mais 60 hectares a ela, e afirma que quer fazer sua parte para regenerar o solo de sua terra natal.
“O oceano está saturado de carbono. A atmosfera está saturada de carbono. Precisamos colocar esse carbono em algum lugar, e o solo pode sequestrar mais carbono do que qualquer outra coisa”, diz ele.
Ele decidiu chamar sua fazenda de Terras Caipora. Caipora, na mitologia tupi-guarani, é a guardiã dos animais e da floresta.
“Precisamos lembrar que não somos separados da natureza”, diz Sborgia. “Nós somos a natureza.”
Fonte: Mongabay, está Licenciado sob Creative Commons Attribution-NoDerivatives 4.0 International License
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