O Paraguai deve realizar uma investigação efetiva e minuciosa sobre as fumigações com agrotóxicos e o subsequente envenenamento de pessoas, incluindo crianças, e a contaminação de água, solo e alimentos.
Em uma decisão publicada essa semana em Genebra, o Comitê de Direitos Humanos da ONU fez um apelo para que o país processe os responsáveis, indenize integralmente as vítimas e publique a decisão em um jornal diário de grande circulação.
Segundo especialistas, as vítimas são trabalhadores rurais da mesma família, envolvidos na agricultura familiar no Departamento de Canindeyú, área de grande expansão do agronegócio e de extensivo cultivo mecanizado de soja geneticamente modificada.
O Comitê aponta que o uso em grande escala de agroquímicos tóxicos na região teve sérios impactos nas condições de vida das vítimas, na saúde, nos meios de vida e na contaminação de recursos hídricos e aquíferos, impedindo o uso de córregos e causando a perda de árvores frutíferas. Vários animais de fazendas também teriam morrido e plantações foram severamente prejudicadas.
As vítimas experimentaram uma série de sintomas físicos, incluindo náusea, tontura, dores de cabeça, febre, dores de estômago, vômitos, diarreia, tosse e lesões de pele. Até agora, de acordo com o comitê, a contaminação resultou na morte de uma pessoa e no envenenamento de 22 outros habitantes dessa comunidade.
O comitê destaca que um amparo, um sistema de justiça para a proteção dos direitos constitucionais, foi instaurado. Os especialistas observaram que, ao não cumprir com suas obrigações, o Ministério do Meio Ambiente e o Serviço Nacional de Qualidade Vegetal, de Sementes e de Saúde permitiram graves danos físicos.
A corte apontou que “o Estado não cumpriu sua obrigação e nem cumpriu seu dever de proteger o direito constitucional à saúde, à integridade física e psicológica, à qualidade de vida e a viver em um ambiente saudável e ecologicamente correto.”
O tribunal ordenou que ambas as instituições “protejam os recursos ambientais e assegurem que as zonas de amortecimento separem as áreas onde os produtos fitossanitários agrícolas são usados, de assentamentos humanos […] e cursos d’água”. No entanto, a decisão não foi implementada.
Segundo o comitê, as fumigações continuaram sem nenhuma medida de proteção ambiental, e os produtores de soja localizados próximos à casa das vítimas ainda estão aplicando grandes quantidades de agrotóxicos sem licença ambiental.
Uma queixa criminal foi apresentada e amostras foram coletadas do poço na casa das vítimas. Os resultados mostraram a presença de agrotóxicos proibidos.
Mais de oito anos após os fatos, as investigações não tiveram um progresso substancial e não levaram a nenhuma constatação de responsabilidade criminal ou à reparação do dano.
O Comitê de Direitos Humanos, um órgão independente composto por 18 especialistas internacionais em direitos humanos, observa a existência de um inegável elo entre a proteção do meio ambiente e a realização dos direitos humanos. O órgão lembra que o direito à vida também diz respeito ao direito dos indivíduos a gozar uma vida com dignidade e a estarem livres de atos ou omissões que causariam sua morte não natural ou prematura.
No presente caso, o comitê observa que o Paraguai não exercia controles adequados sobre as atividades poluidoras ilegais. Os especialistas concluem que pulverizar fortemente a área com agroquímicos tóxicos representa uma ameaça razoavelmente previsível à vida das vítimas e, portanto, declara a violação do direito à vida e o direito à vida privada, familiar e doméstica.
Uma das especialistas do Cômite, Hélène Tigroudja, disse que “esta é uma decisão marcante em favor do reconhecimento da ligação entre danos severos ao meio ambiente e o gozo dos direitos civis e políticos fundamentais.” Ela acredita que “centenas de casos semelhantes em todo o mundo poderiam ser submetidos” à consideração do órgão.
Como o Paraguai aderiu em 1995 ao Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o comitê tem o mandato de examinar alegações de violações de direitos humanos por parte do Estado parte. O grupo de especialistas solicitou que o Paraguai apresentasse um relatório dentro de 180 dias, detalhando as medidas tomadas para implementar a decisão.
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